• Nenhum resultado encontrado

2 AMAZÔNIA: TERRITÓRIO POLISSÊMICO

2.2 GRANDES PROJETOS HIDRELÉTRICOS: AS MANCHAS DE UMA

É necessário esclarecer o uso de um dos termos de interesse desta pesquisa: a expressão “grandes projetos”. Nos últimos 40 anos, a palavra “projeto” foi associada a esse contexto de problemática do desenvolvimento, principalmente nas regiões consideradas economicamente e socialmente subdesenvolvidas. A associação depois foi com a expressão “pacote”, em um período de inflação e dívida externa (Hébette, 1995). Palavras que sugeriam a recuperação da economia e a solução dos problemas como num encantamento, desconsiderando a presença do homem amazônida.

Eram [termos] para alguns, parece, verbos sibilinos e palavras mágicas capazes de revelar os arcanos do crescimento e abrir ao país os portões do Primeiro Mundo; os “Projetos” então deveriam ser “grandes”, à altura deste “país continental”, de seu complexo de subdesenvolvido e de sua ambição de possuidor dos maiores recursos do planeta: os maiores rios, a maior floresta virgem com a mais elevada biodiversidade.” (HÉBETTE, 1995:361)

Os Grandes Projetos são personagens determinantes de um cenário de montagem de estruturas político-produtivas para atender essa integração ao mercado mundial (Castro e Acevedo Marin, 1989:32), sob a égide de um discurso continuamente reatualizado de que essas ações seriam parte de um planejamento de estratégias de modernização para desenvolvimento regional (Castro, 1995), ao mesmo tempo sem audição para as reivindicações locais e regionais contrárias a esse modelo de modernização que privilegia o capital em detrimento as condições sociais e ambientais da região.

Definidos pela magnitude dos investimentos aplicados na extração de recursos naturais, infraestrutura ou indústria de transformação (Pinguelli Rosa, 1988), os grandes projetos foram instalados na esteira dos programas de colonização, reorientando os fluxos migratórios e de mercadorias, convertendo a região em um eixo de colônias de exploração e de colônias demográficas do sudeste brasileiro (Martins 1986).

Na acepção de Bortoleto (2001) Grandes Projetos de Investimento são:

apresentados à sociedade como essenciais ao desenvolvimento da nação. Mas esse desenvolvimento fica em grande parte restrito ao centro hegemônico da economia nacional, não chegando a atingir regiões receptoras e, consequentemente, não vindo a amenizar os impactos causados com a implantação desses empreendimentos. (BORTOLETO, 2001, p. 55)

Martins (1993, p.61) conceitua como "projetos econômicos de envergadura", que incluem as rodovias, os planos de colonização e as hidrelétricas. Esse conceito passou a ser difundido enquadrando os projetos por suas dimensões técnicas e financeiras muito acima dos empreendimentos até então existentes e com processo de implantação determinados por "uma ausência de análises sobre as alterações socioeconômicas, culturais e ambientais que causariam às regiões" (BORTOLETO, 2001, p. 54); terminando por não contribuir para a redução das disparidades e desigualdades existentes entre as regiões do país.

Os grandes projetos são "geradores de novas regiões" (VAINER E ARAÚJO, 1992, p.31). São assim considerados porque atraem investimentos, necessitam de mão-de-obra, mas também provocam deslocamentos para estas regiões. De um modo geral, esses grandes projetos acarretam certo "desenvolvimento", se pensarmos em termos puramente econômicos. Como ressaltam os autores, os grandes projetos podem ser caracterizados como modo de produção do espaço, porque concretizam o processo de apropriação tanto de recursos naturais quanto humanos, em distintos pontos do território, obedecendo a uma lógica estritamente econômica.

A ocupação econômica da Amazônia é parte de uma história com vários ciclos de organização, produção e integração econômica exógenos, que atendem a demandas mundiais por recursos naturais, a partir de acesso à sua natureza. Assim, na segunda metade do século XX, a região amazônica adquire o status de região-programa, com uma política territorial planejada pelo Estado para a ocupação a partir de implantação de mega empreendimentos apoiados em uma política de incentivos fiscais.

A exploração dos recursos hídricos e geração de energia elétrica na região tem sido justificada para atender as demandas dos grandes centros industriais localizados no Sudeste do País. Os governos militares a partir do golpe de 1964 estabeleceram os projetos macroeconômicos como base da estratégia de integração nacional, definindo a construção de uma série de projetos na Amazônia dessa natureza.

O discurso do “vazio demográfico”, como destaca Aragón (2013, p. 54): “é a visão do conquistador que vê a região como terra de ninguém e sem ninguém, pronta pra ser ocupada e apropriada. Daí os termos colonização, conquista, ocupação e – por que não? – avanço do progresso, como se um novo mundo viesse a cobrir esse enorme vazio”. O nacional desenvolvimentismo se estabelece como um planejamento exógeno, revelando seu caráter intervencionista:

a abertura de espaços econômicos em regiões onde a acumulação ainda estava subordinada ao capital mercantil apoiado em formas de produção pré ou não capitalistas – como na Amazônia – os instrumentos à disposição do governo foram largamente utilizados como meios de intervenção para impor uma nova política de desenvolvimento. (BRITO, 2001, p. 148)

O objetivo era converter o País em uma potência econômica, e ampliar as fronteiras do mercado nacional. Considerada pelo Estado como um “vazio”, a região se apresentava como solução para a carência do Nordeste, criando uma rota migratória e forneceria insumos para incrementar a industrialização do Sudeste. Torna-se palco das ações de planejamento regional, com obras, redistribuição de terras, apoio à agroindústria, investimento nas áreas de energia, financiamentos bancários e ampliação da rede de comunicação (BRITO, 2001).

O Programa de Integração Nacional15 foi instituído como base para conduzir e disciplinar o planejamento, com ações estratégicas que identificavam as obras a serem realizadas por região. Posteriormente, foram criadas vertentes: Plano Decenal16, Plano de Metas e Base17, Proterra18, PND I19, PND II20 e PND III21, todos criados a partir de uma linha nacional/desenvolvimentista, originada da Escola Superior de Guerra, formador de militares brasileiros a partir de 1964.

É neste período que se consolidam na região os grandes projetos de construção das usinas hidrelétricas de Balbina e Tucuruí, confirmando que historicamente a produção de energia elétrica na Amazônia brasileira está ligada diretamente aos interesses inter-regionais e a política de integração energética definida pelo Governo Federal (BECKER, 2005).

15Criado pelo Decreto-lei nº 1.106, de 16 de junho de 1970. Disponível em:

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176090/000472932.pdf?sequence=3 . Acesso: Janeiro/2017.

16. O Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social foi formulado para o período de 1967 -76. Coleção de relatórios, estudos e recomendações, não sendo, portanto, instituído pelo governo Costa e Silva. Contudo, ele serviu de base para o PED (Plano Estratégico de Desenvolvimento), elaborado para o período de 1968-70.

17 Plano elaborado para o período de 1970-72.

18 Programa de Redistribuição de Terras e Estímulos à Agroindústria do Norte e do Nordeste .

19 I Plano Nacional de Desenvolvimento instituído de 1972 a 1974, no governo Médici, manteve os mesmos objetivos de planos anteriores: ocupação da Amazônia, aceleração do c rescimento e integração nacional. 20 Segunda versão do Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado no governo Geisel, de 1974 a 1979, estabelecia quinze polos de desenvolvimento em áreas selecionadas, para onde os investimentos seriam canalizados para a infraestrutura. Propôs transformar o Brasil em uma “potência emergente”, enfatizando a indústria de bens de capital. A partir dele, foi instituído o Polamazônia.

21 Projetado para vigorar de 1980 a 1985, no governo Figueiredo e foi interrompido no segundo sem estre de 1980. Apontou como setores prioritários da economia a agricultura e o investimento em novas fontes de energia.