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2 AMAZÔNIA: TERRITÓRIO POLISSÊMICO

2.5 TUCURUÍ: A USINA-MODELO CONDENADA

A Usina de Tucuruí está localizada no sudeste do Pará, a 310 km de Belém, represando o 25º rio mais extenso do planeta, o Tocantins, cuja área de drenagem ocupa 8% do território brasileiro, entre o Planalto Central e o litoral norte (PINTO, 2012). Construída em duas etapas, Tucuruí inundou 2.430 km2 , para um capacidade instalada de 8.370 MW29. As obras da primeira casa de força - com 12 unidades geradoras de 350 MW, duas auxiliares de 22,5 MW e

29 Disponível em: http://www.eletronorte.gov.br/opencms/opencms/pilares/geracao/estados/tucurui/ . Acesso: janeiro/2017.

potência instalada de 4.245 MW - foram concluídas em dezembro de 1992. Em junho de 1998, foi iniciada a construção da segunda casa de força, com 11 unidades geradoras de 375 MW e potência instalada total de 4.125 MW, concluída em abril de 2007.

Planejada no governo Médici, em 1973, durante o primeiro choque do petróleo, foi inaugurada durante o governo Figueiredo, projetada para atender a base minero-siderúrgica no estado do Pará, além de municípios do Pará e Maranhão e parte da região norte e nordeste do País. A usina se tornou modelo proclamado pelo governo de desenvolvimento hidrelétrico pela quantidade substancial de energia que gera, mas como destaca Fearnside (2015), com impactos sociais e ambientais igualmente substanciais. Tucuruí apresenta, de acordo com o autor, uma sobre-estimativa sistemática dos benefícios e uma sub-estimativa dos impactos pelas autoridades, e “(...) oferece muitas lições ainda não aprendidas para o desenvolvimento hidrelétrico na Amazônia”. (FEARNSIDE, 2015, p.38).

Quando foi construída, teve o projeto inicial modificado e a área represada foi aumentada, para ampliar a capacidade de geração. Não havia exigência legal do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), cuja obrigatoriedade foi definida depois, pela Constituição Federal de1988. De acordo com Fearnside (2015), houve somente a emissão de um relatório de viabilidade sobre a usina pela Eletronorte, empresa estatal responsável pelo empreendimento, enumerando os aspectos socioambientais do projeto e dispondo as possibilidades de usos na alternativa estudada.

A construção da barragem, e conseqüente formação do reservatório, promoveram problemas em cadeia na região. Primeiramente, problemas sociais com programa de re- assentamento de moradores da área de inundação como indicou Castro (1989). Sem estudos antes do enchimento do reservatório, estimativas imprecisas da quantidade de famílias deslocadas impossibilitou o pagamento de indenizações a todos. Houve uma sub-estimativa de moradores atingidos pelas barragens, uma vez que a ELETRONORTE considerou somente moradores de dentro da área de inundação, a população que morava adjacente a esta área e usava a várzea sazonalmente inundada para a sua subsistência, foi excluída. Os pagamentos foram em dinheiro para as famílias selecionadas.

O objetivo da ELETRONORTE em se livrar de responsabilidades legais subseqüentes pode ter sido realizado, mas o resultado social foi que a maioria da população deslocada foi reduzida à indigência, e efetivamente tinha que se virar por conta própria. Os valores de indenização eram pequenos, e o pagamento foi sujeito a demoras repetidas (que, no contexto de correção monetária inadequada para a inflação no Brasil naquela época, implicava em

perdas substanciais de valor). Mais importante é o fato que, independente do valor monetário pago, o dinheiro evapora rapidamente nas mãos de pessoas inexperientes em lidar com finanças, deixando a maioria das famílias sem nada poucos meses depois. (FEARNSIDE, 2015, p.40).

O autor destaca que os problema sociais não se restringiram às famílias diretamente atingidas pela barragem, a migração atraída por trabalho nas obras era previsível, mas A ELETRONORTE classificou este tipo de migrantes como sendo fora da responsabilidade que tinha com os danos causados pela usina.

Outro aspecto polêmico da instalação de Tucuruí foi a inundação três áreas indígenas (Parakanã, Pucurui e Montanha), e as linhas de transmissão da usina cruzaram quatro outras áreas (Mãe Maria, Trocará, Krikati e Cana Brava). Houve ainda uma mudança do percurso da rodovia Transamazônica para acompanhar a margem ocidental do reservatório o que provocou a passagem pela Área Indígena Parakanã, que foi cortada para ocupar apenas um lado da rodovia. Os índios Asurini do Tocantins, fica 24 km a jusante da barragem, também foram atingidos pelos danos da barragem com a poluição da água da área ‘Trocará’, onde viviam, afetada pela perda do poder de pesca a jusante de Tucuruí (FEARNSIDE, 2015).

Com o alagamento da área de represa, a estimativa é que 13,4 milhões de m³ de madeira de valor comercial e várias espécies de animais e vegetais tenham sido perdidas. O reservatório provocou ainda alteração no regime do rio, e a água encobriu sítios arqueológicos, provocou a emissão de gases, afetando a qualidade da água, desencadeando uma superpopulação de insetos.

Depois da construção da barragem de Tucuruí, Pinto (2012) relata o surgimento de 1.100 ilhas na bacia do Tocantins, onde moram 6.500 pessoas desapropriadas com o enchimento do lago, segundo maior reservatório do país somando três mil quilômetros quadrados. O autor aponta que na região, apesar da hidrelétrica, várias comunidades não têm acesso à energia elétrica.

Fearnside (2015) conta que o Tribunal Internacional das Águas condenou o governo brasileiro pelos impactos de Tucuruí, em 1991 em Amsterdã. Mesmo sendo uma autoridade apenas moral, atraiu atenção para as consequências sociais e ambientais de mega projetos hidrelétricos como o que represou o rio Tocantins.

A usina de Tucuruí é, hoje, um mundo onde velhos elementos que definem a fronteira se apresentam associados a novas configurações de mando, de procrastinação dos deveres públicos dos entes federativos e de comportamento de atores oportunistas que se valem de seus recursos de poder para subjugar

comunidades inteiras em cadeias de exploração e expropriação, configurando um mundo Hobbesiano. (RAVENA; CANETE; e SOUZA, 2008, p.16)

Somando custos sociais e ambientais altíssimos, tendo sido direcionada à indústria do alumínio e não à população local; e exposta ao julgamento público, as consequências de Tucuruí ainda não foram totalmente esclarecidas.

A influência de empresas de construção e de financiadores estrangeiros e provedores de equipamentos contribua à consideração mínima dada aos impactos ambientais e sociais dos projetos. A cortina de sigílo que a ELETRONORTE manteve sobre muitos aspectos do projeto de Tucuruí, impediu o entendimento de seus impactos. (FEARNSIDE, 2015, P. 70)

A usina se tornou modelo que comprova a necessidade de planejamento e um amplo e processo de avaliação de danos ambientais, para que se possa oferecer uma perspectiva proativa e não reativa às consequências da barragem hidrelétrica.