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2 AMAZÔNIA: TERRITÓRIO POLISSÊMICO

2.6 BELO MONTE: A USINA – CABO-DE-GUERRA JURÍDICO

O projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte nasceu após o mapeamento da bacia do rio Xingu em 1975 pelo Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A., do grupo Camargo Corrêa. O inventário elaborado nesse período apresentou o projeto de cinco usinas hidrelétricas na bacia do Xingu: Iriri, Jarina, Kokraimoro, Ipixuna e Babaquara. A hidrelétrica se situa em uma área de reservatório de 516 km 2 , mas com capacidade instalada de 11.233 MW30. O projeto prevê a represa de Babaquara que regularizaria a vazão do rio Xingu, possibilitando o aumento da geração de energia de Belo Monte, inundando uma área de 6.140 km 2 . “O impacto de represas provê uma razão poderosa para o Brasil reavaliar as suas atuais políticas, que alocam grandes quantidades de energia na rede nacional para o beneficiamento de alumínio, uma indústria de exportação subsidiada” (FEARNSIDE, 2015, p. 232).

O discurso não institucional é bem diferente. Os ingredientes da receita para a polêmica se espalham ao longo da cronologia do projeto da usina. O Ministério de Minas e Energia divulga31 que Belo Monte: “é o projeto hidrelétrico mais estudado da história do sistema elétrico brasileiro” e “vai gerar energia sem provocar alterações na hidrologia do rio”, “(...) em regime de fio d'agua, tecnologia pela qual a geração de energia depende das vazões naturais do

30 Disponível em: http://www.mme.gov.br/documents/10584/1590364/BELO_MONTE_- _Fatos_e_Dados.pdf/94303fc2-d171-45be-a2d3-1029d7ae5aad . Acesso: janeiro/ 2017.

31Disponível em http://www.mme.gov.br/web/guest/destaques-do-setor-de-energia/belo-monte . Acesso: janeiro/ 2017.

rio, o que permitiu uma redução expressiva no tamanho do reservatório e consequentemente a área a ser inundada, propiciando a manutenção das condições de vida das etnias e das comunidades que habitam a região do entorno da usina, notadamente a Volta Grande do Xingu”. Mas, desde as primeiras notícias da construção de barragens no rio Xingu, que abriga o primeiro Parque Indígena do Brasil, suscitou a reação de ambientalistas nacionais e internacionais e da comunidade local.

A construção coleciona idas e vindas de ações judiciais por problemas de danos ao meio ambiente ou a comunidades indígenas na área de influência do empreendimento que abrange a cidade de Altamira, reunindo os municípios de Altamira, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio, Anapú, Pacajá, Brasil Novo, Medicilândia, Uruará e Porto Moz. Pelo menos 25 ações podem ser listadas no histórico de Belo Monte, contestando desde a falta de avaliação do impacto ambiental na Bacia do Rio Xingu, até a indenização das famílias moradoras das áreas atingidas pela barragem.

A história do projeto de aproveitamento energético da bacia do Xingu, com um dos maiores potenciais de geração do país, tem sido de desvios e ziguezagues, ainda mais do que a de Tucuruí. Depois de 35 anos de estudos e levantamentos de campo, pode-se perceber que a trajetória irregular de Belo Monte se deve tanto à resistência dos seus críticos e adversários quanto às inconsistências e inseguranças dos idealizadores da obra. (Pinto, 2012, p. 4)

Em novembro de 201732, a usina estava com mais de 96% das obras concluídas e 12 de

suas 24 turbinas produzindo energia em operação comercial. Belo Monte havia exigido, até o momento, R$ 38,6 bilhões de investimentos públicos e privados. Em fevereiro de 2018 começou a operação Comercial da Unidade Geradora 18, da Casa de Força Principal, alcançando mais de 5,1 mil MW de potência instalada. A última turbina está prevista para entrar em operação em julho de 2020, anunciando capacidade energética para atender 60 milhões de consumidores de 17 estados.

O Estado publiciza como a UHE Belo Monte desempenha um papel exemplar de modelo de hidrelétrica para o mundo, com a minimização dos danos socioambientais característicos desse tipo de empreendimento, em mais de 40 anos de discussões e disputas jurídicas para sua instalação. O movimento ambientalista33 critica as informações sobre os impactos socioambientais apresentados no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de

32Disponível em http://www.norteenergiasa.com.br/pt-br/uhe-belo-monte/historico . Acesso: fevereiro / 2018. 33 Disponível em http://www.xinguvivo.org.br/ . Acesso: fevereiro/2018

Impacto Ambiental 34 (EIA-RIMA) do projeto e denuncia a insustentabilidade do empreendimento, da falta de clareza dos critérios e parâmetros que podem avaliar sustentabilidade dessa política pública.

O Instituto Socioambiental35 (Isa) publicou um dossiê criticando a implantação da usina, denunciando que o Plano Básico Ambiental (PBA) de Belo Monte, composto por 14 planos, 54 programas e 86 projetos que replica os itens da condicionante da licença de instalação, não foi cumprido. Assim, o processo de remoção promovido pela empresa, foi desordenado, sem critérios de ilegibilidade das famílias que tinham o direito a serem reassentadas nos novos bairros. No geral, há um descompasso entre as obrigações socioambientais do licenciamento e o cronograma de construção da usina.

Se a hidrelétrica de Belo Monte, a maior obra de infraestrutura em andamento no Brasil, é inviável, por que o governo a aprovou? Por que há empresas privadas interessadas nela e tantos técnicos - e mesmo cientistas - se manifestam em defesa do projeto? As respostas a essas perguntas fundamentais servem de prova dos nove da operação. Muitos reagem com aprovação imediata à iniciativa. Afinal, ela não passou pelo teste dos engenheiros e matemáticos? Logo, tem consistência. Como o filósofo já disse que tudo o que é sólido se dissolve no ar, Belo Monte pode se enquadrar nesse truísmo. Mas, para que a sua equação funcione, é preciso que a incógnita permaneça oculta até o fim, fim esse que corresponde ao fato consumado. (PINTO, 2012, p. 5)

Fearnside (2015) alerta sobre o inacreditável custo de Belo Monte, com estimativas incomparáveis do investimento para a implementação da usina com uma variação entre R$7 bilhões (estimativa do governo) a R$20-30 bilhões (estimativa de CPFL Energia) e R$30 bilhões (estimativa de Alstom36), e assinala um estudo do Fundo de Estratégia de Conservação provando a inviabilidade de Belo Monte sozinha, com apenas 2,8% de chance de compensar o investimento se forem consideradas as estimativas dos vários riscos, e um máximo de apenas 35,5% de chance de ser financeiramente viável com base em cálculo de uma série de presunções otimistas. O autor conclui que o projeto está propenso a viver uma “crise planejada”,

34Em: https://www.eletrobras.com/ELB/data/Pages/LUMIS46763BB8PTBRIE.htm estão disponíveis os seguintes documentos sobre Belo Monte: Relatório de Impacto Ambiental – Rima; os dois volumes da Avaliação Ambiental Integrada Bacia do Rio Xingu; e os três volumes e os seis apêndices da Revisão dos Estudos de Inventário Hidrelétrico do Rio Xingu. Acesso em fevereiro/2018.

35 Disponível em https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/dossie - belo-monte-site.pdf .Acesso: fevereiro/2018.

36 Empresa francesa com fábrica em Taubaté (SP), líder de um consórcio formado pela alemã Voith e a austríaca Andritz, escolhida em 2012 para fornecimento de 14 conjuntos turbina -gerador Francis de 611 MW e seis conjuntos turbina-gerador Bulbo para Belo Monte, fornecerá ainda fornecerá sete conjuntos turbi na- gerador Francis, equipamentos hidromecânicos, barramentos blindados e subestações isoladas a gás (GIS) para as dezoito unidades geradoras da usina.

onde, uma vez construída Belo Monte, será apontada a necessidade da construção de Babaquara/Altamira.

Os custos da obra estão divididos no Consórcio Norte Energia, administrador da usina, que reúne sócios privados e a Eletronorte (19,98%), Eletrobrás (15%), Chesf (15%), que juntos detem a maior parte das ações. os fundos de pensão Petros (10%) e Funcef (10%), as Sociedades de Propósito Específico Belo Monte Participações S.A. (Neoenergia S.A., 10%), Amazônia Energia S.A. (Cemig e Light, 9,77%), Aliança Norte Energia S.A. (Vale e Cemig, 9%), a Siderúrgica Norte Brasil S.A. – Sinobras (1%) e J. Malucelli Energia S.A. (0,25%). De acordo com o relatório da empresa, os custos de Belo Monte foram divididos e os sócios pagaram 12 bilhões – o equivalente a 31,1% do investimento total. O Banco Nacional de Desenvolvimento financiou o restante, 68,9 %. E esse tem sido apontado pelo ISA como o grande problema de Belo Monte: superar o conflito de interesses e as contradições por ser um projeto do governo federal, simultaneamente executada, financiada e fiscalizada por ele próprio, tendo a Advocacia-Geral da União (AGU) como defensora judicial das posições da empresa concessionária, até mesmo em nos casos sobre reclamação de direitos das populações atingidas ou questionamentos de descumprimento de obrigações socioambientais do consórcio.