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Atualmente, é grande o número de bares que transmi- tem partidas de futebol no DF. Na verdade, qualquer local que se tenha um televisor, pode transmitir partidas de futebol. Cabe ser considerado aqui que a designação “bares de torcedores” do modo como colocamos, inclui alguns ambientes que não são ne- cessariamente caracterizados como bares; tal como os “quios- ques”, os restaurantes, enfim, e que estão incluídos como objeto de estudo, por serem também locais de aglomeração de torcedo- res em dia de jogo. Além disso, para o estudo, o foco foram os bares que se tornaram redutos, ou seja, os que têm seus nomes identificados com times ou torcidas específicas. Vale destacar que

inclusive um jornal de grande circulação na capital já tem indica- do em seu caderno de esportes, diante da notícia de algum jogo (sobretudo clássicos regionais), o roteiro dos bares - onde assistir determinado jogo no bar que comporta cada torcida.

A primeira fase da pesquisa do presente capítulo, de base etnográfica, no início de 2007, consistiu em um mapea- mento dos bares de torcedores do DF e da identificação des- tes como redutos de determinados clubes do futebol brasileiro. Verdadeiras extensões das arquibancadas dos grandes estádios de futebol brasileiros os bares de torcedores em dias de jogos costumam representar as torcidas dos grandes clubes do futebol do país mesmo a milhares de quilômetros de distância.

Notamos que a maioria destes ambientes está concen- trada nas quadras comerciais do Plano Piloto, de Brasília. Em outros casos à beira de algumas avenidas da cidade, existem quiosques e bares adjacentes aos campos de futebol society (campos destinados a lazer, alguns já construídos em grama sintética) que são alugados. A identificação desses ambientes e dos torcedores ficou facilitada pela presença quase sempre uniformizada de maior parte desses torcedores assim como a utilização de faixas e bandeiras e até carros ligados com som alto tocando hinos e canções alusivas a determinadas equipes. Foram identificados os seguintes bares:

NOME DO BAR LOCALIZAÇÃO CLUBE DE

REFERÊNCIA

Só Drink’ s Bar 403 norte Botafogo

Chaminé Bar/ Zé Ricardo Bar/ Taz Lanches

402 norte / Pistão Sul-

Taguatinga / Ceilândia São Paulo Antártida/Quisque do

Berg

113 sul/ Cruzeiro Novo

próximo ao HFA Flamengo

Armazém do Mineiro /

Chico Mineiro 210 norte / 104 norte Cruzeiro

Bar do Clever Taguatinga Palmeiras CELVA

Centro Esportivo e de Lazer Cruzeiro – próximo ao viaduto Ayrton Senna. Grêmio

Bilhar.com 513 norte Internacional

Real Society 616 sul Náutico

Quiosque da Codorna Quadra 10 Cruzeiro Velho Vasco

Com o advento do sistema pay per view, na TV a Cabo,viabilizou-se a possibilidade de se assistir jogos diferentes daqueles da grade de programação aberta. Antes notava-se um certo monopólio, no caso das transmissões do Campeonato Bra- sileiro, da TV Globo e TV Bandeirantes. Uma oposição Rio x São Paulo em que a TV Globo por vezes restringia à Rede Bandei- rantes de transmitir jogos de clubes paulistas e que incomodava, e muito, alguns torcedores de clubes paulistas que tinham de se submeter aos jogos escolhidos pela primeira emissora.

Diante disso surge a TV a Cabo que teve uma grande adesão no Distrito Federal, principalmente, nos restaurantes. Com tal sistema jogos fora dos horários estipulados pela grade de TV comum (16 horas de domingo e 9h45min de quarta) criou-se a possibilidade de transmissão de jogos às quintas-fei- ras às 20h 30min e aos sábados às 18h 10min, manejando os horários para a TV justamente para dar opções ao torcedor.

Importante aqui é levar em consideração àqueles tor- cedores que consideram o futebol como mais um meio de en- tretenimento e que gostam de assistir jogos de outros clubes, principalmente, em se tratando de rivais que, por algum motivo, almejem uma certa classificação, ou dependam de resultado de seus rivais. O que resta é “secar” o adversário.

Alguns bares abrindo essa possibilidade conseguiam reunir grande número de torcedores nesses dias; é claro que nem todas as torcidas eram atendidas, pois a possibilidade de transmissão se restringia a um jogo. Os torcedores que não ti- nham TV a Cabo em casa migravam rumo aos bares na possibi- lidade de assistir aos jogos do time do coração. Esses pacotes de

TV a Cabo tempos atrás custavam por volta de R$ 80,00 a R$ 120,00 dependendo do plano (pacote) que se quisesse pagar.

O momento revolucionário do processo e que culminou com a popularização dos sistemas de TV a Cabo trouxeram o sistema pay per view, que consiste na transmissão dos jogos do clube de coração da pessoa que assina através da compra de um pacote extra que pode englobar jogos do clube de co- ração nos mais diversos campeonatos. Jogos transmitidos ao vivo,independente do local da partida. A partir daí os torcedores começaram a ter certeza de poderem assistir os jogos de seus clubes e se libertarem da programação comum independente de dia e horário dos jogos. Houve um crescimento das adesões e dos chamados pontos adicionais, necessários para grandes es- tabelecimentos que tenham duas ou mais torcidas e estabeleci- mentos grandes.

Donos de bares mais tradicionais , caso do Só Drink’ s, na Asa Norte, por sua paixão pelo Botafogo e por ter uma dispo- sição em transmitir e assistir os jogos junto a seus clientes aderi- ram ao pacote como chamativo para seu público e seu desejo de ver as transmissões. Os torcedores vislumbraram a possibilidade de encontrar um espaço semelhante às arquibancadas de um estádio de futebol, para assistirem seus jogos e em pouco tempo alguns estabelecimentos foram se tornando pontos tradicionais na transmissão de jogos de alguns times.

Ambientes de tamanhos diversos com mesas e cadeiras que nem sempre chegam a comportar o número de espectado- res, tem as famosas cadeiras de plástico como regra. As mesas são meros sustentáculos dos copos e garrafas de cerveja. A dis- posição das mesas e cadeiras costuma extrapolar os limites do estabelecimento. Normalmente duas horas antes do jogo costu- ma ficar empilhadas nas áreas adjacentes ao bar para logo depois tomarem posto em frente aos televisores ou telões. Forma-se um verdadeiro camarote, disposto em frente aos televisores.

Atrás deste forma-se uma verdadeira “geral” com os torcedores que chegaram atrasados e tiveram que ficar de pé. O fato é que nem sempre se pode encontrar assento no meio da

multidão apinhada em frente a um, dois, no máximo três televi- sores; e dependendo do local pode-se desfrutar da presença dos telões e até amplificadores de som para ouvir os comentários que com o volume dos televisores no máximo se perdem com o barulho comum dos bares .

Inicialmente, o que mais chamou atenção, foi o fato de que alguns bares recebiam torcedores de apenas um time ao passo que em outros verificamos a presença de torcedores ves- tidos com camisas de várias equipes e até de rivais que jogavam no mesmo dia. Pode-se perceber que alguns locais são mais tra- dicionais na transmissão dos jogos ao contrário de outros que apresentam um caráter sazonal.

No caso dos bares mais tradicionais tal associação se dá com base quase sempre no time de coração do dono do esta- belecimento que decide transmitir os jogos primordialmente de seu time por conta própria no caso do Só Drink’s e do Armazém Do Mineiro. Nos de caráter sazonal a transmissão ou não é mo- tivada pela adesão de determinada torcida que costuma procu- rar os locais. Em alguns casos, uma espécie de “contrato” é feito com os torcedores, muitas vezes, de torcidas organizadas, que procuram o dono do estabelecimento e explicitam seus motivos, a possibilidade de retorno financeiro, enfim.

A motivação dos torcedores em buscar o ambiente, inte- ração com os donos do bar, os laços de amizade desenvolvidos são importantíssimos para se compreender tais adesões. Como bem colocou Alexandre, proprietário do Alexandre’s bar:

“A torcida veio aqui e me perguntou se eu abria todos os dias e tal, e aos domingos e disse que abria sim. – Nós estamos procurando um bar que abra aos domingos e que acolha a torcida do Santos. Disseram que me dariam uma vanta- gem de ter uma freqüência grande da torcida deles de vir aqui gastar e acabei aceitando”.(Alexandre, proprietário do Alexandre’s bar).

No site de relacionamentos orkut existem diversas co- munidades de torcidas organizadas e as não organizadas com as chamadas para os jogos em diversos lugares do DF. Além das

vanas oferecendo vagas em carro para viagens tira às finais ou para jogo próximo à cidade, como em Goiânia. Tal site aparece como uma das possibilidades de interação e forma dos torcedo- res se encontrarem nos bares da cidade.

Nos bares que costumam comportar uma só torcida, qualquer rival que passe a pé próximo ao estabelecimento, nor- malmente identificado com a camisa do clube de coração, é logo hostilizado e provocações são logo anunciadas. Esse com- ponente explícito de intolerância para com rival, parece ser um dos códigos dos torcedores e que mostra essa não aceitação do rival em local tipicamente reservado a determinada torcida.

No caso dos bares de concentração sazonal acontece algo que, talvez, só se encontre, no caso dos estádios, nas cha- madas cadeiras, onde se percebem famílias com camisas de ti- mes opostos, torcendo sem constrangimentos. Essa tolerância para com o rival acontece em alguns bares, muitas vezes com constrangimento, troca de ofensas entre os dois lados, mas que não se encerra em briga na maioria dos casos, e encontra eco naquilo que Gastaldo (2006) chamou de “teatralização jocosa”, aspecto que será discutido no presente capítulo, na parte relati- va ao comportamento dos torcedores.

Atrelado ao levantado antes, no caso dos bares de aglo- meração sazonal, temos as interações dadas entre os torcedores organizados que através das suas “uniões” tendem a vir assistir jogos juntos em determinados bares. Esses locais também têm a característica de não ter, por parte dos torcedores, os vínculos de afetividade com os donos do bar antes citados, no caso dos bares mais tradicionais.

No dia de jogo devido ao grande número de clientes-tor- cedores, o pequeno número de garçons e a pouca organização faz com que sejam invertidas certas relações de consumo. Isso acontece quando os donos do bar, devido à impossibilidade de se atenderem todos os clientes, estabelecem novas regras para a permanência no bar: aqueles que quiserem consumir, cerveja em grande quantidade, devem pagar antes no caixa e apresentar

les que ficam de pé. Os torcedores mais conhecidos e que fre- qüentam o bar constantemente têm a “regalia” de continuarem a beber sem ter que ir pagar e até buscar cerveja no balcão. Tal atitude decorre do risco que se tem da “multidão” desvanecer. Cabe colocar também que alguns torcedores vão apenas para assistir o jogo, não consumindo nada, o que dificulta a identifi- cação por parte dos garçons.

O que se consome nos bares normalmente é muita cer- veja, e as doses de cachaça, quando não são pedidas as porções tira gosto: lingüiça, frango a passarinho, carne de sol. As filas para ir ao banheiro assemelham-se às filas dos estádios de fute- bol: filas longas, um banheiro masculino e um feminino é o mais comum o que congestiona o trânsito de pessoas na parte interna do estabelecimento e traz outro aspecto verificado com freqü- ência em estádios de futebol: o número reduzido de banheiros faz com que os torcedores urinem nas adjacências do estabeleci- mento, o que muitas vezes traz constrangimentos dos torcedo- res e do dono do bar para com os moradores e comerciantes do local. Outro ponto interessante: a fila do xixi traz esse momento de proximidade e de possibilidade de interação onde o efeito catalisador e desinibidor do álcool permitem “quebrar o gelo” e se conversar, analisar os lances da partida, paquerar as moças da fila feminina, falar do esquema tático do time ou reforço de estados emocionais, lembranças do passado do time, etc.

Nessa primeira fase de observações percebemos que o número de torcedores no dia de jogo costuma ser bastan- te variável, dependendo em grande parte do caráter da parti- da em questão e do time. Visitamos bares com 100, 200, 300 torcedores; outros com 500, 600. Alexandre, proprietário do Alexandre’s bar,quando indagado sobre o número de torcedores em dias de jogos :

“A média é de 70 torcedores por jogo, quando é contra times grandes aumenta para 150, na final deu umas 300 pessoas”. (Alexandre,proprietário do Alexandre’s bar).

dores que assistiram o jogo em outros lugares, eles vem pro Só Drink’s comemorar, porque eles sabem que aqui é tradi- ção mesmo”.(Nilton, proprietário do Só Drink’s bar, falan- do da final do Campeonato Brasileiro de 1995 conquistado pelo Botafogo).

Com as partidas dos campeonatos comumente sendo transmitidas nos horários da tabela abaixo, percebemos nos dias de semana que uma pequena parte dos torcedores chega horas antes. Alguns funcionários públicos que moram longe, outros que trabalham próximo dali e vão direto ao bar. Eles vão che- gando, colocando faixas, bandeiras, batendo papo e tomando a cervejinha. Uma movimentação que começa nas primeiras ho- ras do dia e que mantêm essa proximidade cliente- dono de bar, de acordo com o horário dos jogos.

O número de torcedores costuma ficar maior na faixa dos 30-40 minutos anteriores à partida e diminui ao fim da par- tida quando todos vão levantando as mãos e pedindo a conta. É claro que com a possível vitória, tem aqueles que ficam co- memorando até mais tarde e ficam no bar até à hora de fechar. Nota-se uma aglomeração maior aos finais de semana até por dificuldade de transporte na cidade e pelo fato de que nem todos vão de carro para o bar. É justamente nessa discussão que ire- mos entrar: pensar nos sentimentos mobilizados por torcedores que, às vezes, atravessam a cidade, muitas vezes sem ter veículo próprio, para assistirem os jogos de suas equipes de coração, em horários super complicados para quem trabalha e entender quais motivos mover esses corações apaixonados. Nota-se que tal processo segue toda uma lógica ritual onde tais torcedores parecem seguir rumo a um estádio de futebol e se comportarem de forma semelhante.