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Por fim, à luz dessa visão sintética de Elias, o EDT consiste em um produto das interdependências entre um con-

junto de indivíduos na sociedade, em especial para o esporte.

O próprio jogo seria um modelo de regramento construído a

partir de tais relações, de tal forma que as permissões, proibi-

ções e limites teriam uma função social a desempenhar, que

é o controle das tensões e dos impulsos violentos dos indiví-

duos no estádio de futebol. Nesse espaço das relações entre

torcedores, policiais, dirigentes esportivos e outros agentes

do espetáculo é que os mecanismos regulatórios do EDT fo-

ram construídos e nesse espectro serão aplicados.

12. - Um modelo histórico de Elias é o da “Caça a raposa” onde caracteriza os há- bitos, os comportamentos e relações de interdependência entre os indivíduos por intermédio da dinâmica desse passatempo. As regras e normas sociais criadas pelos indivíduos traduzem as tensões sociais e a própria função social dos jogos e passa- tempos na sociedade. C.f. Elias, Norbert. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992. P. 223-256.

Conclusão

Diante do exposto, a considerar as exaustivas relações en- tre o consumo do espetáculo de futebol, o trajeto pelos artigos principais do EDT e os contrapontos sociológicos apresenta- dos, faz-se importante apontar algumas questões acerca desse dispositivo legal e sua aplicabilidade.

Em primeiro lugar, ainda que se alegue que o EDT foi criado para salvaguardar uma relação de consumo, um proble- ma comum é o seu desconhecimento por muitos espectadores de futebol, fato que aliás acompanha a população brasileira em relação a outras leis básicas e em relação ao exercício de seus próprios direitos; dentre os quais, o de consumidor.

Para além da relação de consumo, acredita-se ser relevante, considerar a história social das torcidas organizadas para com- preender a própria história das cidades e de seus locais de diverti- mento. Também, a denominação “torcida organizada”, ainda que hoje transpareça uma questão que causa uma certa indignação nas pessoas, serve, sociologicamente, para demonstrar que há nesses grupos uma certa lógica de organização, com hierarquias, relações de poder, etc; que precisam ser consideradas.

Uma crítica ao EDT é o fato de que a questão não pode simplesmente se reduzir apenas à solução espacial e arquitetôni- ca, e da segurança e proteção dos torcedores pela via da norma e do consumo do espetáculo. A questão do custo do futebol como entretenimento e lazer para o espectador de baixa renda e também das oportunidades de lazer da população constituem fatores a serem considerados.

Acredita-se, então, que além da responsabilização das entidades organizadoras dos eventos esportivos (clubes) e de torcedores, seriam necessários a conscientização e o diálogo com dirigentes, o torcedor comum, com os “torcedores orga- nizados”, policiais que fazem a segurança, organizadores de es- petáculos, etc., no sentido de que tomem ciência do que prevê o EDT. Tal iniciativa poderia levar a uma mudança de atitude em relação ao espetáculo, entendendo-o não apenas como um serviço comercial, mas como um serviço público voltado para o

lazer, a diversão, o entretenimento, a educação, o bem estar e a cidadania. Afinal, trata-se aqui de enfatizar que o esporte possui um valor social relevante, uma significação social e faz parte do desenvolvimento humano do país.

Em que pese as dificuldades encontradas hoje enquan- to teorias explicativas operacionais das abordagens teóricas de Durkheim, Foucault e Elias, além dos breves contrapontos aqui considerados, percebe-se claramente que a publicação de uma norma jurídica como o EDT produz reflexos na sociedade que encontram interpretações nas teorias supracitadas. Há que se pensar também no ponto de vista diferenciado acerca da relação entre indivíduo e sociedade; pois, Elias, de certo modo, se afasta das formulações de Durkheim e de certo modo se aproxima de Foucault. Para Durkheim as preocupações com a coesão social e a moral da sociedade conferem às regras, normas e ao Direito, uma interpretação de base impositiva e coercitiva, como fatos exteriores às consciências individuais. Já para Foucault, o poder é produzido e exercido nas relações sociais, como também en- tende Elias.

Nestes termos, algumas idéias de Durkheim como consciência coletiva (média de comportamento dos indivídu- os) e anomia (ausência de regras) podem ser tomadas como referências elucidativas e ao mesmo tempo opostas para uma compreensão do EDT. De um lado, a consciência coletiva pode traduzir tanto a própria coesão dos torcedores ou torcidas or- ganizadas quanto a garantia do bom comportamento dos torce- dores nos estádios.

Para Foucault, a percepção do sujeito em relação à nor- ma está vinculada aos mecanismos de sujeição do poder e suas tecnologias específicas, controle e resistências que estão a servi- ço da normatização e disciplinamento dos indivíduos na socie- dade. Daí, a vigilância e o controle dos indivíduos nos espaços do estádio por câmeras de vídeo e por um ouvidor, traduziriam faces pós-modernas de “esquadrinhamento” ou alocação de torcedores “ cada uma em seu lugar”, com mecanismos reais de sujeição a serviço das normatizações do EDT .

Já para Elias, fica clara a sua recusa em colocar o indiví- duo em oposição às normas e ao poder social; pois, antes destes estarem em oposição e fora do raio de ação dos indivíduos, con- vivem de forma integrativa e baseadas em relações de interde- pendência. Tais relações podem ser tanto de aproximação, ge- ralmente dentro do próprio grupo ou da própria torcida, como de hostilidade entre os grupos ou torcedores rivais. É nesse es- paço relacional ainda, que para Foucault o poder é produzido e para Elias os regramentos e as normas, da mesma forma que nos jogos e passatempos, têm uma função de equilíbrio das ten- sões e regulação dos comportamentos dos indivíduos. Aí, pode- se, encontrar elementos explicativos para o controle das tensões dos torcedores a partir de uma norma como o EDT.

Há que se levar em conta, por fim, o fato de que tais contrapontos teóricos, embora incipientes e não diretamente li- gados às relações de consumo, são úteis para novas discussões e aprofundamentos sobre as normas jurídicas e sociais em es- tudos futuros. Também, não se pode interpretar os torcedores de futebol de forma unilateral como grupos sociais promotores da violência; mas, como figurantes do espetáculo. Do mesmo modo, o EDT enquanto expressão de uma relação de consumo tem no torcedor um consumidor que não pode ser desconside- rado em seu direito, sob pena de ser “secundarizado” no espe- táculo. Por ora, tem-se claro que o EDT ainda não confirmou ser uma condição plena de garantia de proteção e segurança dos torcedores que participam dos espetáculos de futebol nos estádios, mas se aplicado, de fato, pode constituir um poderoso instrumento jurídico que pode salvaguardar os torcedores dos efeitos da falta de uma regulamentação específica para os atos violentos de outros torcedores e até mesmo servir como legisla- ção aplicável às relações de consumo no esporte.