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Nos cantos entoados através da parodização tenta-se pela jocosidade sempre desmoralizar o adversário. Exemplos significativos dessas relações jocosas são cantados respectiva- mente pelas torcidas do São Paulo e do Flamengo contra o Co- rinthians e o Botafogo. Cita-se aqui primeiro o canto original e depois as paródias:

Corinthians, Galinha Corinthians minha vida Galinha sem história Corinthians minha história Galinha sem estádio Corinthians meu amor Freguês do tricolor! A primeira estrofe da paródia (galinha sem história) nos remete a dois fatos importantes no sistema de rivalidades: alu- de ao fato do gavião, símbolo da torcida Gaviões da Fiel, ter “virado” galinha e também ao fato de o Corinthians jamais ter conquistado um título internacional de “peso”, como a Taça Li- bertadores da América ou o Mundial Interclubes. Trava-se uma longa discussão entre torcedores de São Paulo e Corinthians e torcedores de outros clubes também sobre a legitimidade do título de campeão do mundo de 2000, conquistado pelo Corin-

thians. O clube entrou como convidado na competição e sagrou- se campeão ganhando na final do Vasco da Gama. Os que não aceitam tal título argumentam que para ser campeão do mundo uma equipe deveria se sagrar campeão da Taça Libertadores da América . O Corinthians fora convidado para participar de tal competição que pela primeira vez contaria com campeões de todos os continentes. Torcedores de outros clubes também dis- cordam da posição de legitimidade de tal título mas o fato é que a entidade máxima do futebol a FIFA reconhece o título.

O fato é que isso sempre vai ficar na lembrança e dias após a conquista os torcedores do São Paulo estendiam um grande faixa no Morumbi com os dizeres “Para conquistar o mundo é preciso atravessá-lo”, uma alusão ao fato de o Corin- thians jamais ter conquistado uma Libertadores da América ou ter ido ao Japão para disputar uma final. Acrescenta-se ainda o fato de que à época o São Paulo Futebol Clube conquistará duas Libertadores e chegara a outras duas finais.

Na segunda estrofe outro elemento de rivalidade entre os dois clubes: ter estádio próprio. A Sociedade Esportiva Co- rinthians ao longo de sua história sempre mandou seus jogos na Fazendinha, estádio próprio que posteriormente seria vetado por problemas de segurança para os torcedores e por necessi- tar de uma capacidade maior. E o Estádio do Pacaembu , que pertence à prefeitura de São Paulo, e que até já foi palco de grandes jogos de Copa do Mundo. O que acontece é que por não ser dono de um estádio que comporte seus jogos, faz com que muitas vezes o Corinthians tenha que mandar seus grandes jogos no estádio do Morumbi, de propriedade do São Paulo, o que gera um lucro para este clube e entre os torcedores traz esse elemento de superioridade, de submissão de um ao outro. Outro fator de jocosidade são os projetos de construção de es- tádio próprio do Corinthians com suas parcerias frustradas que nunca dão certo. O que ilude os corintianos e fazem com que os torcedores de Palmeiras e São Paulo principalmente riam da cara de seus rivais.

Cabe ressaltar outras denominações que são dadas aos estádios dos rivais: o estádio Palestra Itália é comumente cha- mado de chiqueirão, por não comportar grandes jogo e pela associação do Palmeiras com o porco, apesar de seu mascote ser um periquito. E a Vila Belmiro que é carinhosamente cha- mada de “Várzea Belmiro”, em razão de ter tido alguns sérios problemas de drenagem em seu campo em dias de jogos chuvo- sos, ficou marcada como um espaço de ira dos adversários que jogavam em um péssimo gramado, além da jocosidade por parte dos torcedores rivais.

A última estrofe retrata o longo período de jejum de vi- tórias do Corinthians sobre o São Paulo: foram 14 jogos sem perder para o rival o que trouxe uma certa superioridade no pe- ríodo. Jejum que fora quebrado com um gol de Betão no Cam- peonato Brasileiro de 2007 e que fora comemorado quase como se fosse uma final pelos corintianos.

Os autores da brincadeira fizeram-se conhecer no jogo do Flamengo contra o Cienciano do Peru pela Taça Libertado- res da América. O “chororô” da segunda feira se fez ecoar no estádio do Maracanã e parece ter contagiado Souza, jogador do Flamengo, que com as duas mãos parecia enxugar lágrimas quando da comemoração do gol de seu time e que relembrara o chororô do Botafogo no domingo:

E ninguém cala! E ninguém cala! Esse nosso amor Esse chororô E é por isso que eu

canto assim Chora o presidente,chora o time todo, É por ti fogo chora o torcedor. Ô ô ô ô Ô ô ô ô Ô ô ô ô Ô ô ô ô!

O mesmo gesto de Souza seria repetido mais tarde por Valdívia do Palmeiras e outros jogadores Brasil afora. Tal gesto além de apimentar a semana do futebol trouxe de volta a riva- lidade e o acirramento de ânimos. Ao ser informado por um repórter de tal gesto após um jogo do Botafogo no mesmo dia e horário o jogador Túlio, do Botafogo, indignado comentou – “

É, vindo do Souza era de se esperar”. O técnico Cuca , também indignado, disse: “Ele não pode fazer isso, isso é uma falta de respeito, não existe só o Flamengo no mundo, tem que haver respeito”. O canto parodiado por várias torcidas foi cantado de várias formas quando da lembrança do chororô do Botafogo.

O ritual se torna mais evidente com a demarcação do am- biente dos bares. Naqueles que são bares comuns e que não há nenhuma identificação explicita que lembre certo clube, decora- se o bar com faixas, bandeiras e as camisas que passam a demar- car o recinto que vira Bar do Botafogo, Bar do São Paulo, Bar do Flamengo. A funcionalidade do dia a dia dá lugar, em muitos restaurantes, bares de encontros de amigos, ao bar dos clubes.

Alguns torcedores se envolvem de forma tão profunda nesse ritual que alguns acompanham durante o dia inteiro, no trabalho, no carro, a programação de rádio, querem saber no- tícias fresquinhas da final, a escalação, algum fato curioso da concentração da equipe, alguma briga, os bastidores, números, estatísticas, enfim. Alguns se transformam em verdadeiras enci- clopédias do futebol: sabem escalação, placar de jogos anterio- res, confrontos da história, relembram jogos do passado como se estivessem lá, alguns têm agendas onde anotam horário dos jogos, renda, público, artilheiros, enfim.

O espaço que é dedicado ao futebol nas conversas di- árias é muito significativo, nos jornais, meios de comunicação. As discussões são calorosas e parece que nenhum dos lados tem razão, qualquer justificativa vale para defender seu clube de co- ração: relembrar grandes momentos do passado, vitórias antigas sobre rivais. E são dessas discussões que vem à tona a famosa frase dos boleiros: “Quem vive de passado é museu”.

Conclusão

De uns tempos para cá com a popularização dos sistemas de televisão pay per view houve um crescimento do número de bares de torcedores em Brasília na medida em que se passou a ser mais um produto a ser explorado comercialmente por boa parte dos donos de bares. Há uma parcela da população que mi- gram rumo aos bares por não ter condições financeiras e outra parte que mesmo tendo o sistema em casa vai mais pela movi- mentação e energia proporcionada nos encontros de torcedores nos bares.

Dada a característica “secundária” do futebol de Brasí- lia no cenário nacional as partidas de futebol dos clubes daqui são deixadas de lado o que leva os torcedores, em sua maioria vindos de outros estados, a buscarem os bares da capital como alternativa de lazer e poder acompanhar o seu clube de cora- ção.

Inseridos nestes espaços, os torcedores têm a oportuni- dade de vivenciar comportamentos variados, que vão de rituais de adoração ao seu clube à jocosidade com os torcedores rivais.

Enfim, o bar torna-se um ambiente mágico capaz de transportar os torcedores para o estádio e criar laços de solida- riedade, rituais identitários, formas de sociabilidade e rivalida- des que permitem a compreensão do futebol como um fenôme- no que mobiliza paixões as mais inexplicáveis.

Referências Bibliográficas

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