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Brasília é tida como uma cidade que, em seu planeja- mento e crescimento, se ergue sobre o tripé moradia-trabalho- lazer. Uma cidade jovem que desde o início teve no trabalho sua principal forma de gerar sociabilidade. Suas quadras residen- ciais eram caracterizadas por quadras “funcionais”, ou seja, lo- cais de moradia onde se concentravam servidores e funcionários de um mesmo órgão público. Aliás, ainda hoje é comum, apesar das transformações nesse tipo de configuração, expressões do tipo: aquela quadra é da Aeronáutica, do Banco do Brasil, etc. Nesta realidade, a sociabilidade do trabalho transcende o seu espaço e ocupa os próprios locais de moradia.

Outra característica é, dado o caráter de cidade admi- nistrativa, a quantidade de clubes recreativos de “servidores”, tendo como sócios os funcionários dos mais diversos setores públicos (Associação Atlética Banco do Brasil - AABB, Associa- ção dos Servidores do Banco Central – ASBAC, Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal – APCEF, Clube Oficiais da Polícia Militar do DF, entre outros) predominantes diante de outros clubes sociais “mistos”. O que indica ainda a influência do trabalho sobre a própria esfera e espaços de lazer.

Em termos de lazer, a cidade já conta com uma boa e diversificada estrutura. O Plano Piloto de Brasília1, segundo

guias turísticos e cadernos de lazer e cultura dos jornais locais, tendo por base o ano de 2005, concentra cerca de 20 casas no- turnas, 30 salas de cinema, 30 clubes, 27 museus, 10 salas de teatro, 15 galerias de arte, 4 parques e espaços para passeios ao ar livre e prática de atividades físicas, entre outros locais chama- dos específicos para a prática do lazer.

Entretanto, um outro espaço se firma como um dos principais ambientes de convivência e vivência do lazer na capi- tal. Nelson C. Marcellino (1995) se atenta nos seus estudos so- bre o tema para aqueles equipamentos não-específicos de lazer: a casa, a rua, a escola, o bar. São espaços que em suas essências não são ambientes de lazer, ou ainda, não foram construídos de modo particular para essa função, mas que eventualmente pode cumpri-la. Então eis que em Brasília surge e se estabelece cada vez mais o bar como um local de lazer.

Barral (2006)2, em pesquisa que entrelaçava os espaços

de lazer na capital com a juventude, modos de ser, representações e sociabilidades dos jovens brasilienses– “o espaço do lazer como indutor e desvelador de identidades e culturas jovens” (2006: 4) – percebe que em Brasília os bares são locais preferenciais para se ocupar o tempo livre. O bar enquanto local de lazer potencial- mente articulador de grupos diversos e como espaço de novas sociabilidades. Por isso, o destacamos como ambiente, além da vivência, de convivência de lazer, num sentido de que envolve um “lazer coletivo”, na sua essência, um espaço associativo. O bar “mostra-se propício a associações e configurações mais autôno- mas entre os freqüentadores” (2006: 5).

Dumazedier (1973, 1978) discorre sobre as funções do lazer (descanso, divertimento/ entretenimento, desenvolvimen-

1. Na estrutura político-administrativa do Distrito Federal, o Plano Piloto envolve Asa Norte, Asa Sul e as Regiões Administrativas do Lago Sul e Norte, Cruzeiro, Sudoeste, configurando a área mais centralizada, excluindo-se as chamadas cidades satélites.

2. Barral, Gilberto L. L. Espaços de lazer e culturas jovens em Brasília: o caso de bares. Dissertação de Mestrado, Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, 2006.

to pessoal) e sobre as formas e conteúdos do lazer (as formas: intelectuais, lúdico-musicais, físicas, manuais, turístico-ecoló- gicas e associativas-sociais, preenchidas ou realizadas das mais diversas maneiras). Desta forma, Barral (2006) em sua pes- quisa, a partir de questionários aplicados, entrevistas e obser- vação, sobretudo entre jovens em ambientes de bares, percebe a preponderância da função de divertimento, não excluindo o descanso e o desenvolvimento pessoal. Este último se daria, se- gundo o autor, principalmente pela essência associativa, coletiva e de sociabilidade do bar e pela forma associativa-social de lazer que se desenvolve nos bares:

“Também o lazer ligado a bares explora interes- ses culturais os mais diversos, sendo neste sentido não somente diversão ou entretenimento hedonista, mas espaço de construção e desenvolvimento de valores culturais e identitários, individuais e coletivos, como amizades, estimas, afetos. É onde jovens se encontram trocando seus sentidos e representações dos bens mate- riais e simbólicos que circulam em torno de suas con- dições juvenis” (Barral, 2006: 74).

O referido autor centra sua pesquisa no mundo ou cultura jovem, entretanto, podemos extrapolar suas considera- ções para grupos diversos, ou faixas etárias diversas. Ou seja, as interações que ocorrem nos ambientes de bares são poten- cialmente características desses espaços, independentemente de que grupo ocupe tal local. Assim, quando o autor afirma que “os grupos jovens, ao freqüentarem o espaço (neste caso, o bar), produzem e reproduzem nele seus valores, símbolos, interesses, modos de ser e agir” (Barral, 2006: 71) compreende a partir de Michel Maffesoli que o “lugar faz o elo” entre os indivíduos e os grupos. Desse modo, transcende-se o bar e suas características associativas, para além da cultura jovem, e tenta-se inserir ou mesmo verificar que outros fatores de trocas de valores, experi- ências e símbolos, num ambiente de bar geram sociabilidade e formação de grupos identitários.

É a partir daí que o futebol é incluído no espaço do bar e verifica-se que em Brasília, cada vez mais “a cerveja e o futebol” se firma como importante espaço de sociabilidades. O futebol em si já é carregado de valores, símbolos e significados, capaz de gerar grupos pautados em traços comuns de identidade, e em Brasília, cidade de torcedores de times das diversas regiões do país, onde o futebol local ainda ganha espaço ao mesmo tempo em que se constitui uma “cultura candanga”, o bar como espaço de futebol se reforça ainda mais nas suas características associativas. Nes- ses espaços em que se constituem as “arquibancadas virtuais”, percebe-se que em torno de um time, das paixões e significados, constituem-se grupos, indivíduos diversos que interagem mergu- lhados no bar, no time, no sentimento comum de torcer.

O ambiente dos bares em dia de jogo demonstram for- mas particulares de interação social. O simples fato de estar no ambiente do bar articula lógicas profundas referentes a esse es- porte. Estar vestido com a camisa do clube de coração é portar todo um conjunto de significados referentes à memória, história e tradição desses clubes de futebol, como descrito abaixo:

“É nesse espaço de convivência comunitária onde os padrões da ordem cotidiana parecem se romper, os in- divíduos assumem novos comportamentos com a im- posição de uma nova realidade que perduraria até o final do jogo” (Assumpção, 1992, p.21 ).