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2 MARCO TEÓRICO: DA SOLIDEZ DOS AUTORES À FLUIDEZ DOS DAS

4.2 OS JOVENS E SUA CIDADE

4.2.2 Convergências e divergências encontradas

4.2.2.1 Espaços de convergência

4.2.2.1.2 Barra Shopping Sul

Já esperava que um dos espaços de convergência dos jovens sujeitos dessa tese pudesse ser um shopping center. Os shoppings são, por excelência, espaços de trânsito juvenil, uma vez que o consumo ali objetificado direciona-se, em tantos casos, ao público jovem. O fato de o Barra Shopping Sul ser o espaço privado de maior convergência juvenil do recorte da investigação teria me impressionado se eu não tivesse antes analisado os mapas dos bairros onde residem os jovens das

escolas “A” e “B”. Ao analisar esses mapas, percebe-se que há um quantitativo importante de jovens que vem de bairros da zona sul/leste (escola A) e da zona sul (escola B) para o centro, uma vez que suas escolas localizam-se, respectivamente, no Centro Histórico de Porto Alegre. Este shopping, portanto, fica em um espaço de alguns dos jovens de ambas as realidades.

Figura 9 - Fachada do Barra Shopping Sul

Fonte: Multiplan (2019).

Inaugurado em novembro de 2008, o Barra Shopping Sul é o mais importante da zona sul de Porto Alegre, uma vez que não existem outros com a dimensão deste que foi o primeiro shopping da construtora Multiplan a ser inaugurado em Porto Alegre, com uma proposta de integrar a construção ao lago Guaíba, a partir da vista que se tem do corpo d’água no nível “Guaíba”. Com diversas lojas âncoras, cinema, ampla praça de alimentação, entretenimento de jogos, corredores largos com vários pontos de sofás e espreguiçadeiras, o Barra configura-se, verdadeiramente, como um importante espaço para os trânsitos juvenis em Porto Alegre.

Assim como a Redenção é, para mim, também um espaço de pertença, o Barra foi tornando-se o mesmo, ao longo dos últimos anos. Mesmo que esteja longe de minha casa, confesso que gosto de dirigir-me ao shopping seja para aproveitar alguma sessão de cinema ou apenas desfrutar do caminho pela Avenida Beira-Rio, via que margeia o Lago Guaíba. Assim sendo, aproveitei várias das minhas idas ao

Barra17 para poder deambular sociologicamente e tentar captar algumas das notas que o cotidiano dos jovens imprimem naquele espaço.

Diferentemente do parque, no shopping pude notar uma inversão: os jovens (entre si) frequentam mais esse espaço nos dias de semana do que nos finais de semana, momento em que, quando vêm ao shopping, geralmente estão acompanhados das famílias. Nos dias de semana, a situação é outra: estão em grupos e geram, por assim dizer, vários movimentos naquele espaço.

Uma questão importante que observei, ao realizar observações/deambulações em um shopping, é como a segurança desses espaços, de fato, funciona. Observemos um trecho de um dos diários de itinerância:

Hoje, para disfarçar, vim com algumas sacolas de lojas do shopping (a maioria com caixas vazias ou jornais para fazer volume) e não chamar a atenção da segurança como da outra vez. Foi impressionante o modo como notei estar sendo seguido pelos seguranças, talvez porque estava há muito tempo no shopping, sem comprar nada, com um bloquinho na mão e anotando coisas. É impressionante como a ótica do consumo e da vigilância estão presentes aqui. O placebo funcionou: passei despercebido e pude deambular com mais tranquilidade (VHNO).

O fato de permitir-me, também, aproveitar minhas idas “normais” ao shopping e, então, deambular e registrar o que ali observava fez com que minha atuação talvez fosse se transformando e tornando-se menos vigilante e mais observadora do cotidiano em si. De que os shoppings destacam-se pelo conforto térmico, comodidades à mão, segurança e outros atributos, disso não tinha dúvida. O que não tinha percebido, ainda, era a eficácia da segurança, que passou a me seguir em uma das vezes que ali estava, muito mais na condição de observador do que de “comprador”. De fato, o capital fala bem mais alto do que a pertença ao espaço.

Não somente em relação a mim – quando não comprava nada e anotava coisas em um bloco – pude notar a insistência dos seguranças. Observemos um trecho de um diário de itinerância de uma deambulação sociológica em uma tarde de quinta-feira:

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Aqui pude constatar, em meu fazer metodológico, uma mudança importante: à medida que estava “preso” ao rigor teórico-metodológico e fui especificamente em datas determinadas para a Redenção, para poder “deambular”, notei que meu cotidiano também era, de alguma maneira, uma constante deambulação. Tendo isso em mente, juntamente com a leveza e a humildade que a autoridade intelectual nos configura, passei a aproveitar minhas idas habituais aos espaços e fazer dessas uma constante deambulação. Não foi uma mudança metodológica, mas, sim, uma mudança de olhar [...].

Vejo uma cena que se repete, a partir de um relato de um grupo de ex-alunos de uma escola pública: há um grupo de jovens brancos, vestidos com roupas que não identifico se são de marcas famosas, mas identifico que são roupas do atual momento da moda. Esses jovens transitam livremente pelo shopping. Já passaram duas vezes por mim, no sofá em que estou sentado, próximo ao cinema. Alguns deles carregam sacolas de compras, outros não. Há, também, mais de um grupo de jovens brancos, pardos e negros, com roupas mais simples. Nenhum deles carrega sacola de compras. Nenhum deles aparentaria poder comprar algo. Um desses grupos entra no cinema, olha vários cartazes de filmes nas máquinas de compra de ingresso e não compra nenhum. Ao mesmo tempo, comecei a observar que esse grupo que havia entrado no cinema passou a ser seguido por dois seguranças. Decido deslocar-me e, de longe, acompanhar o resto da ação, tanto dos jovens quanto dos seguranças. Em determinado ponto, os jovens perceberam que estavam sendo seguidos. Rapidamente conversaram entre si. Separam-se. Do grupo de 7 jovens formaram-se 4 pequenos grupos: 3 duplas e um que segue sozinho. Dispersaram-se pelo shopping. Os seguranças não souberam para que lado iriam os jovens. Acho que não esperavam essa reação dos jovens. Aparentemente os seguranças dispersaram-se também e deixaram de seguir os jovens. Eu não. Segui uma das duplas que havia se formado e alguns minutos depois o grupo se reencontrou novamente. Conversaram um pouco e saíram do shopping (VHNO).

A territorialidade juvenil expressa na cena registrada possui significantes muito profundos: ao se dispersarem pelo shopping, os jovens quebram a lógica de perseguição dos seguranças do estabelecimento, invertendo a postura comumente estabelecida, pois, ao invés de serem seguidos pelos agentes da segurança, dispersam-se e colocam os seguranças em uma escolha difícil: “Qual grupo seguir?”; ao não saber responder a questão, decidem deixar de seguir os jovens. O poder sobre o espaço, nesse momento, experimentou uma nova lógica, já que os “perseguidos” passam a ser os “perseguidores”, não de quem os perseguia, mas, sim, daquilo que tanto buscavam, a liberdade.

De fato, jovens que teriam poder de consumo também frequentam o Barra Shopping Sul, com menos ou nenhuma possibilidade de serem seguidos pelos seguranças, uma vez que suas territorialidades são outras: eles têm poder de compra, de consumo. O que une, então, os dois grupos juvenis é o ato de estarem juntos, de utilizarem o espaço do shopping como um espaço social praticado (STECANELA, 2010), além de manifestarem-se na coletividade (FEIXA, 2005), sendo, portanto, representantes de suas culturas juvenis contemporâneas.