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2 MARCO TEÓRICO: DA SOLIDEZ DOS AUTORES À FLUIDEZ DOS DAS

4.2 OS JOVENS E SUA CIDADE

4.2.2 Convergências e divergências encontradas

4.2.2.1 Espaços de convergência

4.2.2.1.1 Parque Farroupilha

O espaço de convergência praticamente unânime nos apontamentos dos jovens foi o Parque da Redenção, nome popular para o Parque Farroupilha, que é

um dos principais parques da cidade de Porto Alegre, tornando-se uma das mais importantes áreas verdes do núcleo urbano do município.

Figura 8 - Parque Farroupilha/Espelho d’água

Fonte: Loch (2019).

Espaço da antiga Vila de Porto Alegre, o Parque Farroupilha já foi área de Várzea, que ficava fora dos muros e dos portões da cidade. Espaço de criação de gado, de embates da Revolução Farroupilha, de comemorações – precoces – da abolição da escravatura, apenas em 1927 foi declarado parque e, muito depois, em 1997, tombado pelo Município de Porto Alegre como patrimônio histórico-cultural da cidade.

Este espaço já havia sido levantando, quando de meus estudos de mestrado no qual jovens da então maior escola pública do Rio Grande do Sul, o Colégio Estadual Júlio de Castilhos o haviam elencado como um dos principais espaços de lazer e pertencimento juvenil (OLIVEIRA, 2015a). O desafio, naquele estudo, foi verificar as potencialidades que o ensino de Geografia e as Culturas Juvenis contemporâneas relacionavam entre si. Havia escrito, naquele estudo, sobre a Redenção, conforme o apontamento de Oliveira (2015a, p.95):

O Parque Farroupilha é um espaço de convivência e manifestações das culturas juvenis em Porto Alegre. Não nos surpreendeu essa resposta no questionário da pesquisa, quanto perguntamos sobre os espaços da cidade que são utilizados/ocupados/vividos pelos jovens urbanos contemporâneos.

Em quatro anos, pouco ou nada mudou em relação a este espaço, que continua sendo uma das preferências das juventudes porto-alegrenses. A tese de

doutoramento de Pereira (2011), intitulada “Domingo no Parque: notas sobre a experiência de ser jovem na contemporaneidade” destacou as vivências de jovens no Parque Farroupilha, principalmente a partir da ótica das tribos, dos corpos e da diversidade. Em um recorte temporal breve, esse espaço tem, efetivamente, se mantido como território e lugar dos jovens na cidade de Porto Alegre.

Hei de confessar que o Parque Farroupilha, para mim, também é um espaço de pertencimento, visto que é um espaço agradável de estar em Porto Alegre. Foi difícil, portanto, inicialmente, separar-me da figura de pesquisador em campo, em minhas visitas ao Parque Farroupilha. Para tanto, para além das observações do cotidiano, que é “onde tudo passa, sem que nada pareça passar” (PAIS, 1993), dediquei-me a ir ao parque, em dois momentos (um em dia de semana e outro em um final de semana), unicamente para deixar-me levar pelos movimentos das deambulações sociológicas (PAIS, 2006) e poder, então, redigir os diários de itinerância (BARBIER, 2007) propostos nos estudos metodológicos da presente investigação.

Confesso, igualmente, que me permitir direcionar os olhares e ouvidos para um foco em específico, alargou-me as visões que tinha em relação ao referido espaço, o Parque Farroupilha. É necessário entender, em algum momento, que estar em determinado espaço na qualidade de pesquisador também começa a “fazer parte do meu cotidiano”, mesmo que possa ter estado nesse espaço já por muitas vezes. Eis um trecho de meu diário de itinerância, a partir de uma deambulação sociológica na Redenção em uma quarta-feira pela tarde, em torno de 15h:

Quando cheguei ao Parque Farroupilha, optei por sentar-me entre o monumento Arco ao Expedicionário e o espelho d’água, uma área central do parque, digamos. Poucas pessoas estão na Redenção nesse momento, afinal, só um pesquisador em coleta de dados de campo pode se dar ao luxo de estar em um parque, em plena quarta-feira de tarde. Engano meu! Existem muitos trabalhadores que vendem desde comidas (pipoca, algodão doce, refrigerantes) até brinquedos por aqui. E sim, os jovens escolarizados que não estão em aula neste momento, podem certamente estar por aqui! Vejo poucos jovens caminhando, alguns sentados ou deitados na grama conversando com outros, ou ainda andando de bicicleta ou patinete eletrônico, a mais nova febre dos jovens (e adultos, e crianças...) em Porto Alegre (VHNO).

A surpresa de encontrar jovens escolarizados no Parque Farroupilha em uma tarde no meio da semana foi tão grande quanto encontrar uma massa de jovens no final de semana. Aos finais de semana, o parque muda suas feições, pois, aos sábados de manhã, ocorre a “Feira Orgânica da Redenção” e, aos domingos,

acontece o “Brique da Redenção”, dois espaços que já fazem parte da rotina de muitos porto-alegrenses, haja vista as condições democráticas de acesso, pois apenas basta “circular pelo parque”. Para além dos movimentos habituais do final de semana, é na parte da tarde (tanto do sábado quanto do domingo) que as juventudes se fazem mais presentes – ou mais notáveis – no parque:

Posso notar uma importante diferença da deambulação sociológica que realizei durante a semana: em que pese naquele momento houvesse um trânsito maior das pessoas, neste momento noto os jovens sentados em bancos, na grama, em pequenos ou médios grupos e conversando, cantando, tocando instrumentos, tomando chimarrão, tirando fotos, fumando, bebendo, enfim... deixando “tudo passar sem que nada assim o pareça” (VHNO).

É a atuação dos jovens que faz com que suas presenças sejam notadas. Tal atuação não é, necessariamente, a realização de uma performance ou algum evento escandaloso. A atuação juvenil a que me refiro aqui é, justamente, o fato de ser, de existir. As juventudes que pude observar no parque, através de sua existência, de seus corpos, de seus afetos e suas relações é a juventude que faz do mundo um lugar mais leve e mais agradável de se viver.

Os jovens que territorializam um lugar que já é seu, o Parque Farroupilha, unem, por suas práticas sociais, os dois conceitos máximos dessa investigação: território e lugar. O parque é, como já apontado, um espaço de pertença desses jovens, sejam da escola “A” ou da escola “B”, o qual elencamos como “espaço de convergência”. Além dessa identidade que caracteriza o lugar, a presença dos jovens em grupos, nos mais diversos espaços do parque, territorializa o lugar, na medida em que gera novas relações de poder sobre o espaço: “A cidade é minha, portanto, tenho o direito de utilizá-la”, afirmou-nos uma jovem no grupo focal da escola “A”.