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2 MARCO TEÓRICO: DA SOLIDEZ DOS AUTORES À FLUIDEZ DOS DAS

4.2 OS JOVENS E SUA CIDADE

4.2.3 Outras percepções juvenis sobre a cidade

4.2.3.1 O que os jovens gostariam de mudar em sua cidade

Em um primeiro momento, perguntei aos jovens, no questionário, o que eles gostariam de mudar/construir em Porto Alegre e, quando iniciei as análises da questão e, consequentemente, do bloco de questões associadas a essa, pude constatar que havia respostas em comum entre os jovens das escolas “A” e “B” e respostas particulares de cada grupo. Optei por perguntar “O que você gostaria de mudar/construir em Porto Alegre?” para descobrir e analisar o que, naquele momento, estaria gerando incômodo ou desconforto, na cidade, para os jovens participantes da pesquisa. O esquema, em forma de elipses interseccionadas, evidencia as aproximações e as individualidades das respostas dos distintos grupos. Figura 18 - Esquema “O que você gostaria de mudar/construir

em Porto Alegre?”

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

Inicialmente, cabe ressaltar que me surpreendeu a quantidade de vezes que, nos dois grupos, surgiram respostas referentes à segurança, como algo que os jovens gostariam de mudar em sua cidade. Esse tema ressoou em outras tantas partes da coleta dos dados, pois surgiram respostas das mais variadas formas sobre

a questão da segurança não só no questionário, mas também nas cartas ao visitante e nos grupos focais.

Algumas das respostas dos jovens que me fizeram criar a categoria de segurança foram: “a segurança até a vinda para a escola”; “mais espaços para jovens com segurança”; “gostaria de melhorar a situação da segurança, trabalhando arduamente na educação das pessoas, o que geraria uma grande melhora futura”. Ou seja, os jovens de ambas as realidades têm noção de que precisam de mais segurança no trajeto até a escola, de que precisam de espaços com mais segurança e de que a educação configura-se como chave para resolver – em médio prazo, grifo meu – as questões relativas à segurança pública. Esse imaginário de que “a educação tudo pode” é muito explorado, por exemplo, em épocas eleitorais, já que as palavras de ordem nesses períodos são, em maioria, “saúde”, “segurança” e “educação”, essas duas últimas amplamente presentes nesse estudo e nas falas dos sujeitos.

A percepção de insegurança urbana pelos jovens é tão contundente que, ao apresentar a afirmação “Porto Alegre é uma cidade insegura”, a massiva maioria dos sujeitos assinalou, a partir de opções na escala Likert, as duas que se referem ao grau de concordância (plena ou parcial); vide o gráfico que segue.

Gráfico 14 - Escala Likert – Porto Alegre é uma cidade insegura

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

Com um pequeno percentual a mais na escola B, os jovens dos dois espaços assinalaram grau de concordância em relação à afirmação de que Porto Alegre é uma cidade insegura. O grau de indiferença foi nulo na escola B e baixo na escola A; já o grau de discordância foi muito baixo nas duas realidades. É imperativo lembrar não

apenas que o número de assaltos, sequestros e homicídios, por exemplo, é muito elevado nas grandes metrópoles brasileiras, mas também que Porto Alegre vem despontando como uma das cidades mais violentas do país, com índices tão alarmantes, conforme constatado no Atlas da Violência (2019), ou mais do que cidades tidas como muito violentas, como Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo.

A ampla percepção de violência pelos jovens também tem um componente que a reforça constantemente: as mídias. A quantidade de notícias de mortes e violência urbana que são veiculadas em programas de televisão sensacionalistas é estratosférica. Manchetes de reportagens sobre violência urbana que circulam nas redes sociais às quais os jovens têm acesso não são poucas. Acima de tudo, o mais impactante é que a imagem dos jovens está fortemente vinculada ao cenário da insegurança e da violência na cidade. Ao fazer um experimento para verificar os algoritmos e a randomização de sites de busca como o Google, colocando-se a palavra “jovens” no buscador e selecionando-se a opção “notícias”, este é o quadro que se encontra.

Figura 19 - Pesquisa por “jovens” no Google notícias

Fonte: Google (2019).

A relação direta dos jovens com matérias que os associam a assassinatos, por exemplo, vincula esses sujeitos ao que de mais violento nossa sociedade é capaz de produzir: tirar a vida de outro. A sensação de insegurança, principalmente nas grandes cidades, por esses sujeitos, não é, portanto, invenção ou alarmismo, mas, sim, é a dura e triste realidade de quem, muitas vezes, está na mira dos alvos

das balas “perdidas”, as quais muitas vezes são “encontradas” nos corpos dos jovens brasileiros.

Nessa perspectiva, a questão da segurança configurou-se como um tema convergente apontado tanto pelos jovens da escola “A”, quanto pelos jovens da escola “B”. Outros aspectos foram apresentados de maneira “divergente”, ou seja, ou apenas pelos jovens de uma realidade ou pelos jovens da outra realidade.

Os jovens da escola “A” expuseram, como aquilo que gostariam de mudar ou construir em Porto Alegre, argumentos relacionadas aos seguintes temas: política; equipamentos urbanos; educação e cultura. Alguns exemplos de afirmações, por categoria levantada, foram.

Quadro 11 - Respostas dos jovens da escola A sobre o que gostariam de mudar/construir em Porto Alegre

Categoria Respostas

Política

- mudar o Prefeito, para tentar melhorar a cidade - mudar o atual Prefeito

- mudar a forma de privilégios para quem não tem dinheiro (e o Prefeito kkk)

- mudar as atitudes da prefeitura/governo

Equipamentos Urbanos

- construir pequenas praças em todos os bairros - mais lugares de lazer mais espaços verdes - reformar os prédios históricos

- mais lugares públicos

- pintura de monumentos e construções

Educação

- melhorar as escolas públicas

- aulas de música para jovens nas escolas - mais escolas em bairros pobres

Cultura

- mais eventos abertos apoiando a cultura - mais shows ao ar livre nos parques - entrada grátis em todos os lugares

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

Os jovens da escola “B”, por sua vez, trouxeram, como aquilo que gostariam de mudar ou construir em Porto Alegre, respostas relacionadas aos seguintes temas: mobilidade urbana; questões sociais; meio ambiente. Alguns exemplos de afirmações, por categoria levantada, foram.

Quadro 12 - Respostas dos jovens da escola B sobre o que gostariam de mudar/construir em Porto Alegre

Categoria Respostas

Mobilidade Urbana

- a estrutura do transporte público - ter linhas de metrô

- melhores estruturas de paradas de ônibus, melhores ruas e mais sinalizações

Questões Sociais

- ter menos moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade social

- melhorar a vida precária de muita gente de Porto Alegre - mudar algumas situações de extrema pobreza

Meio Ambiente

- uma coleta de lixo mais eficiente - mudar o estado atual do Lago Guaíba - prezar mais o cuidado com a natureza

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

O que os jovens nos trazem, para além de suas preocupações de suma importância, em relação à sua cidade, é, também, a construção da ideia de que, conforme a realidade de cada grupo, as necessidades não são, necessariamente, as mesmas. À medida que os jovens da escola A (pública) apontam que gostariam de mudar questões na política – e vários explicitaram “o atual Prefeito” 27 –, igualmente colocam questões relacionadas a melhorias em equipamentos urbanos, melhorias estas de responsabilidade da Prefeitura. Estes jovens apontam, do mesmo modo, a necessidade de melhorias nas áreas de educação e cultura, explicitando o que mais lhes falta: escolas públicas de melhor qualidade – afinal, são esses jovens que sofrem com o desmonte da escola pública em andamento no país – e um mais amplo acesso à cultura gratuita, por meio da demanda de mais eventos públicos na área da cultura.

Como são realidades diferentes, as demandas próprias de cada grupo também tendem assim ser. Dessa forma, os jovens da escola B (privada) elencaram outras necessidades, para além da que está em comum com os jovens da escola A, que era a questão da segurança. Os jovens da escola privada trazem necessidade de melhorias ou mudanças na cidade nos campos de mobilidade urbana, questões sociais e meio ambiente, afirmando a necessidade de um transporte público adequado, dando o exemplo do metrô, transporte público inexistente na capital       

27

Quando da coleta de dados para a presente tese, o atual prefeito de Porto Alegre era o senhor Nelson Marchezan Júnior, amplamente criticado pela ausência de obras públicas como capina e roçada de matos e gramas em vias públicas e pela demora excessiva em tapar buracos de ruas e avenidas da cidade. Foi lançada a campanha “fora, prefake”, em alusão que a sua gestão, pois seria uma gestão “fake” ou falsa, em português.

gaúcha. Argumentam que, sem dúvida, melhoraria muito a qualidade de vida, se a população tivesse acesso a esse modal de transporte público urbano. Apontam, ainda, a necessidade de atuar em questões sociais, o que denota uma sensação de entendimento de que vivem em uma condição social distinta de muitas outras pessoas e que a dignidade humana deveria ser de acesso universal. Por fim, apontam importantes questões ambientais a serem mudadas em Porto Alegre, como a questão do lixo, o cuidado com a natureza e, em específico, com o Lago Guaíba, corpo d’água que margeia a cidade e já tratado anteriormente nessa investigação.