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2 MARCO TEÓRICO: DA SOLIDEZ DOS AUTORES À FLUIDEZ DOS DAS

4.2 OS JOVENS E SUA CIDADE

4.2.2 Convergências e divergências encontradas

4.2.2.1 Espaços de convergência

4.2.2.1.4 Os espaços nos quais o desejo converge

Para além dos espaços de convergência chamados “efetivos” ou “de fato”, pude constatar, tanto a partir do questionário quanto a partir das escritas nas cartas ao visitante, dois espaços que os jovens das escolas “A” e “B” ainda não conhecem, mas têm desejo de conhecer: a Arena do Grêmio e o Parque Germânia, conforme esquema que segue:

Figura 11 - Esquema Espaços de Convergência/Espaços que gostariam de conhecer

Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

Não sou nenhum pouco fanático por futebol, aliás, confesso que não gosto do esporte e das práticas sociais e políticas que se estabelecem a partir desse esporte. De todas as formas, busquei entender, nos grupos focais, por que a Arena do Grêmio19 emerge como um espaço de desejo de conhecê-la pelos jovens das duas escolas/realidades consultados. Após essas conversas, deduzi que essa preferência está relacionada à questão geográfica. A “Arena do Grêmio”, diferente do “Gigante da Beira-Rio”, localiza-se em uma área isolada da cidade, com difícil acesso e, consequentemente, atrai apenas os torcedores mais fanáticos para os jogos que ali são realizados.

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Mesmo que eu não goste de futebol e para qualquer gaúcho ou porto-alegrense que também não goste, é impossível desconhecer a ampla rivalidade entre os times Internacional e Grêmio, presentes no RS e, muito em especial, em Porto Alegre. Os “vermelhos” e os “azuis” dão, de alguma forma, prosseguimento às rivalidades históricas do Rio Grande do Sul, que vêm desde a Revolução Farroupilha, com os maragatos e os chimangos, por exemplo. Em dias de jogos da dupla de rivais, os famosos “Gre-nais”, a cidade transforma-se em uma impressionante divisão azul-vermelha, e todos (os que gostam identificam-se) mostram quem são.

Em relação ao Parque Germânia, a história é diferente [...]. Inicialmente, preciso afirmar que não é a primeira vez que esse espaço da cidade transpassa os meus estudos de doutoramento. Em 2017, eu e minha então orientadora decidimos realizar o pré-campo das minhas deambulações sociológicas no Parque Germânia, pois havia um evento no Facebook chamando “Encontro Emo Porto Alegre”; optamos, então, por conveniência, que ali seria o momento e espaço ideal para testar a metodologia. Essa deambulação nos gerou muitas discussões sobre esse espaço da cidade e sobre as práticas juvenis que ali se observaram (OLIVEIRA; LACERDA, 2018), uma vez que o referido encontro não aconteceu e nos permitimos conversar com outros jovens que estavam no parque como em qualquer outro final de semana.

O evento, organizado via Facebook, contava com mais de dois mil participantes confirmados, previsto para ser realizado justamente no Parque Germânia, em Porto Alegre – RS, no dia 30 de setembro de 2017, conforme captura de tela que segue.

Figura 12 - Captura de Tela do Facebook

Fonte: Facebook (2017).

Para realizar uma contextualização geográfico-social do espaço observado (retângulo amarelo), verifiquei os espaços circunscritos ao parque, quais sejam:

a) Country Club de Porto Alegre; b) Shopping Bourbon Country; c) Shopping Iguatemi;

d) Prédios e Condomínios de alto padrão.

Constata-se, assim, que o parque está incrustado em uma zona de alto poder aquisitivo de Porto Alegre.

Figura 13 - Demarcações de zonas próximas ao Parque Germânia

Fonte: Google Maps (2017).

Passavam poucos minutos das 14h quando chegamos ao local no qual o encontro estava marcado. A julgar pelo número de confirmações, via Facebook, pensávamos que o grupo seria facilmente visível no parque. Olhamos para todos os lados e não vimos ninguém. Esperamos por eles um bom período de tempo, visto que continuavam a ocorrer manifestações de adesão ao encontro pelo Facebook.

De repente, avistamos uma dupla, em um banco do parque. Fomos até eles para saber se estavam ali para o encontro convocado pela rede social e se estavam dispostos a falar conosco sobre os emos20. A oportunidade da escuta permitiu que nos dissessem acerca do estereótipo que cerca os jovens que pertencem ao grupo emo, talvez pelo rechaço a uma estética considerada diferente.

Ao concluir esta conversa, avistamos outro grupo e nos dirigimos a eles. Diferentemente da dupla anterior, estes eram muitos. Tínhamos agora diante de nós       

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Emo é uma tribo juvenil, ou seja, grupo que compartilha hábitos, valores culturais, estilos musicais e ideologias políticas semelhantes. (FEIXA, 1998). No caso específico dos emos, os temas da depressão, da dor, da música lenta, do vestir-se de cores escuras são os mais destacados.

um grande grupo de jovens, todos vestidos de preto, sentados na relva, próximo a uma árvore. Posteriormente entenderíamos o sentido da proximidade com aquela árvore. Sentamos também. Foi impressionante a reação deles a partir deste momento, pois, após nos apresentarmos e dizermos o que fazíamos ali, todos queriam participar contando sobre a sua vivência no parque.

Referiram que gostavam de estar ali, na árvore, no Parque Germânia, juntos. Reunidos estavam, próximos àquela árvore, a qual, para eles, era um lugar que demarcava um espaço de identidade e de pertencimento. Contaram que ali compartilhavam preocupações e também alegrias.

Ao perguntarmos sobre o encontro Emo (ou sobre sua não efetivação), a resposta foi certeira: “O evento está acontecendo, mas no Facebook”. Mal eles sabiam que estavam nos alcançando preciosas pistas para discutir a questão do ciberespaço como importante territorialidade juvenil do mundo contemporâneo. Nessa conversa/deambulação-participante, surgiu a temática das tribos urbanas, em que nos colocam, quase como uma bofetada analítica: “Não precisa mais de tribos, aqui é tudo junto e misturado, aceitamos todos”. Essa fala muito nos fez refletir sobre o quão maleável era o conceito de tribos (FEIXA, 1998) e como o tratávamos, até então, de maneira mais rígida e linear.

Por que, então, os jovens dessa investigação de doutoramento, tanto da escola “A” quanto da escola “B” apontaram o Parque Germânia como um espaço que gostariam de conhecer? Novamente a questão Geográfica vem à baila. Há, a partir do levantamento dos bairros onde residem os jovens, uma incidência quase nula dos jovens da escola “A” e uma baixa incidência de jovens da escola “B” que residem nas proximidades do Parque Germânia. O desejo de conhecer um Parque fora de sua rota e sabidamente de trânsito e pertença juvenil não nos causa, efetivamente, nenhum estranhamento.