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2. AS MEDIAÇÕES ENTRE A RELIGIÃO E A POLÍTICA: as Comunidades Eclesiais

2.6 Municípios de Mangaratiba-RJ e Itaguaí-RJ

2.6.3 Batatal – Entrevista coletiva

No assentamento do Batatal realizamos uma entrevista coletiva como os moradores que foram contemplados com um pedaço de terra no assentamento. Na narrativa desses moradores pudemos observar como foi realizado o trabalho do INCRA para cadastro e divisão dos lotes, o processo de migração interna dentro dos municípios vizinhos, as formas de prestação e serviço para quem não possui a propriedade da terra e a felicidade na conquista de certa autonomia, através da posse da terra. O órgão governamental oferecia a terra, porém, não garantia a infraestrutura e as condições financeiras para a permanência e a produção, bem como para a comercialização dos produtos, dos assentados nas áreas destinada à produção agrícola.

Fonte: Acervo da pesquisa

O primeiro a narrar suas lembranças foi Josimar Oliveira Pacheco, que é produtor rural e acompanhou todo o processo de criação e desenvolvimento do assentamento. Registrou em sua entrevista o entusiasmo e orgulho seu trabalho realizado no campo e no período da entrevista como representante dos produtores rurais da região. Ele é uma liderança local e nos conduziu até o assentamento.

[...] sou produtor da reforma agraria aqui da INCRA ... e eu acompanhei essa história de assentamento desde o início que foi as divisões de lote eu que não era nem assentado como vim falando no carro eu estava na praia do saco trabalhando nessa fazenda e ... também e nós ... conhece desde de pequenininho desde pequeno ... Itaguaí, eu vim de Itaguaí pra cá em 89, dia 12 de setembro de 89. Eu vim pra fazenda Santa Justina fazer a lavoura de milho, trabalhar de meia com cara lá Itaguaí ele ... a fazenda ai nesse período que eu estava trabalhando me envolvi com a filha dela, começamos a namorar e mas eu não tinha ...nessa época seu ... ele se inscreveu e ele foi contemplando pelo INCRA no seu lote aqui e a gente trabalhando e eles também. Ai quando foi em 90 e alguma coisa assim aí surgiu o INCRA ia fazer a distribuição dos lotes quem tivesse já cadastrado ia ser comtemplado, eu me lembro direitinha o dia que foi dia 9 de julho de 1991 quando começou a história da associação99.

A experiência vivida no Batatal, diferente de outros assentamentos, não ficou registrada nos noticiários. O que temos são os depoimentos orais e as atas das reuniões realizadas pela Comissão Pastoral da Terra, nos assentamentos acompanhados em

99

PACHECO, Josimar Oliveira. Josimar Oliveira Pacheco depoimento sobre a trajetória da diocese de Itaguaí-RJ [Julho de 2011] Entrevista consentida para o grupo de pesquisa da diocese de Itaguaí. Rio de Janeiro. Entrevista concedida para a pesquisa.

Mangaratiba-RJ. Também nessas atas não foram registrados conflitos violentos pela posse da terra. As maiores dificuldades enfrentadas, a partir dos depoimentos orais, foram ás barreiras naturais e a falta de infraestrutura na região. No relato sobre as dificuldades para estudar, encontramos os desafios naturais:

As pessoas estudavam por vontade mesmo, sonhando mesmo, porque tinham duas cachoeiras... moro do outro lada da linha....quando chovia tinha que sair de casa amarrado na corda, atravessar a cachoeira e depois que tivesse do outro lado e volta com a corda e de noite se tivesse chovendo a mesma coisa, porque as duas cachoeira não tinha como passar, não tinha ponte, então tinha que passar... ela não faltava um dia de aula100.

A saga diária dos moradores foi superada com a ajuda da CPT que, nesse assentamento, assumiu a função da organização da população para enfrentar os desafios e garantir a sobrevivência a partir da produção na terra. Uma primeira reunião aparece agendada em 1990, quando foi constatada a necessidade de criar uma associação com a presença dos recém-assentados, dos antigos posseiros ou nativos no local, fazer uma agenda com reuniões regulares, a necessidade de visitas ao assentamento regularmente e promover a sindicalização.

De forma mais sistemática, a CPT começou a acompanhar a comunidade em 1991, com criação da associação e de um estatuto que, de forma positiva, foi avaliado pela CPT que era do conhecimento de todos. Adriana, que descreveu a situação acima de dificuldades para estudar, se formou como professora e passou a atuar no assentamento, alfabetizando crianças e adultos, afirma:

A CPT ela começou aqui no assentamento desde 1991 e caminha com a gente e antes da escola eu estava lembrando ali na época das carroças que as pessoas iam fazer, comprar, naquela época não tinha carro, não tinha ônibus, não tinha nada, então o que foi proporcionado não me lembro se foi só a CPT... que doou, duas carroças e 3 burros, e isso foi em 92... E a escola foi ... as pessoas só estudavam as que estudavam até a quarta série, principalmente as mulheres que não continuavam com os estudos a partir daí e tinham que caminhar daqui a entrada101.

O contato com a CPT, porém, que ocorreu com ressalva, com dificuldades e desconfiança, “não sei...pode enrolar a gente... que não tem experiência nenhuma...por

100 Ibid.

101 PACHECO, Adriana. Adriana Pacheco depoimento sobre a trajetória da diocese de Itaguaí [Julho de 2011] Entrevista consentida para o grupo de pesquisa da diocese de Itaguaí-RJ. Rio de Janeiro.

que a gente tem que criar uma associação pra usar...pra vocês conquistar os bens não sei o que...” Sr. Daniel os incentivou a aceitar a parceria com a CPT e já contava com a assessoria da Pastoral da Terra nas Fazendas Rubião. Ele falou como alguém que já fazia parte da CPT e afirmou: “precisa ficar com medo não... nós não estamos aqui para tomar a terra de ninguém”.

Em ata da CPT, encontramos a seguinte informação:

No Batatal foi avaliado em outubro que eles têm estatuto, que todos conhecem o estatuto. Precisam melhorar a prestação de contas, as atas precisam ser mais detalhadas. A ata é para ajudar na memória. O presidente estava muito entusiasmado. Ele deve falar menos e deixar os outros falarem. A comissão cuida dos burros e houve um pequeno rodeo para amansar os burros. Todos os 24 lavradores que receberam terras no assentamento, são membros da associação. O 24º ingressou durante a reunião foi aplaudido com palmas, alegria e acolhimento102. A essa parceria e à criação da associação é atribuída uma série de conquistas como a estufa, carroças, charretes para transportar a produção de banana do assentamento até aos lugares de comercialização. Segundo eles, antes os atravessadores pagavam valores irrisórios pela produção: “a gente não tinha experiência de venda no mercado”. Com a associação, chegaram até ao CEASA com a União de Associação de

Cooperativa Pavilhão 30. “Eu hoje eu represento eles no Estado do Rio de Janeiro, sou

o presidente dessa entidade”, afirmou (PACHECO, 2011).

Em 2010, já contabilizavam 18 anos de presença no Pavilhão 30, com agricultura familiar no CEASA (Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro)103 . A escolinha, a sede da associação, construída em mutirão, e a luz elétrica também foi uma conquista coletiva atribuída à assessoria da CPT e ao funcionamento da Associação dos Produtores Rurais Unidos do Assentamento da Fazenda Batatal. Com orgulho, afirmaram a conquista, em primeiro lugar, da medalha Paulo Freire104, prêmio recebido em 2008, quando Adriana era diretora da escola local e implementou um projeto inovador.

102 ARQUIVO DA PASTORAL DA TERRA DA DIOCESE DE ITAGUAÍ. Relatórios encontros diocesanos CPT Itaguaí.

103

Ligado a Secretaria Estadual de Agricultura Pesca e Abastecimento.

104 Prêmio que valoriza as experiências inovadoras e relevantes de alfabetização e educação de jovens e adultos no Brasil. Prêmio criado em 08 de setembro de 2003, dentro do Programa Brasil alfabetizado.