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4. A Criação da Comissão Pastoral da Terra e a Fundação da diocese de itaguaí

4.1 Reflexões sobre o conceito de região

Bourdieu desenvolve em seu texto um estudo com a intenção de apreender a gênese do conceito de região e das representações que lhes são associadas, descreve, no processo, o jogo nos quais e por meio dos quais aquele conceito é produzido. Apresenta elementos como identidade e representação, fundamentais para uma reflexão crítica sobre a ideia de região. A região, sendo primeiro um lugar de representação, necessita do conhecimento e do reconhecimento. O interesse no estudo realizado por diferentes disciplinas do novo espaço delimitado irá lhe assegurar a garantia de legitimidade (BOURDIEU, 2006).

Segundo Bourdieu, os contratos de pesquisa através de políticas governamentais favoreceram um interesse mais amplo pela delimitação do território. A concorrência pelo monopólio do conhecimento da divisão territorial estabelecido entre as ciências também pode ser objeto de estudo do campo cientifico. A procura dos critérios objetivos de uma identidade regional ou étnica dever se fazer na prática social a partir

dos objetos de representação que podem ser simbólicos159: atos de percepção e de apreciação, de conhecimento e reconhecimento em que os agentes investem os seus interesses; e os seus pressupostos ou de representações objetivas, em coisas ou em atos, estratégias interessadas de manipulação simbólica que tem em vista determinar representação simbólica que os outros podem ter dessas propriedades e dos seus portadores. As características construídas pelos estudos científicos funcionam como sinais, emblemas e estigmas, logo que são percebidos e apreciados como o são na prática, as propriedades simbólicas, mesmo as mais negativas, podem ser utilizadas estrategicamente em função dos interesses materiais e também simbólicos do seu portador. Uma análise que conjugue a lógica da ciência e a lógica da prática no processo de construção das relações de conhecimento e reconhecimento de determinado território. Os defensores de uma identidade dominada geralmente aceitam os princípios de identificação de que sua identidade é produto160.

As lutas a respeito de uma identidade étnica ou regional, quer dizer, a respeito de propriedades (estigmas e emblemas) ligadas a origem através, do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes são correlativos, são um caso particular das lutas das classificações, das lutas pelo monopólio de fazer ver de fazer crer, de dar a conhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por esse meio, de fazer e de desfazer os grupos. O que nelas está em jogo é o poder de impor uma visão do mundo social através dos princípios de divisão que, quando se impõem ao conjunto do grupo, realizam o sentido e o consenso sobre o sentido e, em particular, sobre a identidade e a unidade do grupo.

A etimologia da palavra região conduz ao princípio da divisão propriamente social, que introduz por decreto uma descontinuidade decisória na continuidade natural (região do espaço, idades, sexos). O ato que consiste em traçar as fronteiras em linha reta, em separar o interior do exterior, o reino do sagrado do reino do profano, o território nacional e o território estrangeiro, é um ato religioso realizado pela personagem investida da mais alta autoridade, o encarregado de fixar as regras trazendo a existência aquilo por elas prescrito. Falar com autoridade, de predizer no sentido de chamar ao ser, por um dizer executório, o que se diz, de fazer sobrevir o porvir enunciado. A região e as suas fronteiras não passam do vestígio do ato de autoridade que consiste em circunscrever a região, o território, em impor a definição legítima,

159

Substitui o termo original do autor que era “mentais”. P 112 160 Ibid.

conhecida e reconhecida, das fronteiras e do território, o princípio da divisão legítima do mundo social161.

As fronteiras apoiam-se em características que nada tem de natural e que são, em grande parte, produto de uma imposição arbitrária, quer dizer, de um estado anterior da relação de forças no campo das lutas pela delimitação legitima. É fruto de um ato jurídico de delimitação, produz a diferença cultural do mesmo modo que é produto desta. Uma vontade política pode desfazer o que a história tinha feito (o que faz uma região, não é o espaço, mas sim o tempo e a história. (BOURDIEU, 2006).

O discurso regionalista é um discurso performativo, que tem em vista impor como legitima uma nova definição das fronteiras e dar a conhecer e fazer reconhecer a região assim delimitada, contra a definição dominante, portanto, reconhecida e legítima, que a ignora. As categorias étnicas ou regionais, como as categorias de parentesco instituem uma realidade usando o poder de revelação e de construção exercido pela objetivação no discurso. A eficácia do discurso performativo que pretende fazer sobrevir o que ele anuncia no próprio ato de anunciar é proporcional à autoridade daquele que o anuncia. A funcionalidade que o discurso exerce não depende apenas do reconhecimento consentido aquele que o detém, ele depende também do grau em que o discurso, que anuncia ao grupo a sua identidade, fundamentado na objetividade do grupo a que ele se dirige. O poder sobre um grupo que se trata de trazer a existência enquanto grupo é, a um tempo, um poder de fazer o grupo impondo-lhe princípios de visão idêntica da sua unidade. O mundo social é também representação e vontade, e existir socialmente é também ser percebido como distinto162.

Toda tomada e posição que aspire a objetividade acerca da existência atual e potencial, real ou previsível, de uma região, de uma etnia ou de uma classe social, acerca da pretensão à instituição que se firma nas representações partidárias, constitui um certificado de realismo ou um veredito, utopia o qual contribui para determinar as probabilidades objetivas que tem esta entidade social de ter acesso à existência. O efeito simbólico exercido pelo discurso científico ao consagrar um estado das divisões e da visão das divisões, é inevitável na medida em que os critérios ditos objetivos, precisamente e os que os doutos conhecem, são utilizados como armas nas lutas

161

Ibid. 162 Ibid.

simbólicas pelo conhecimento e pelo reconhecimento. Os vereditos mais neutros da ciência contribuem para modificar o objeto da ciência163.

A região que se torna em nação aparece retrospectivamente na sua verdade, quer dizer, à maneira da religião, segundo Durkheim, como uma ilusão bem fundamentada, através: de classificações objetivas, quer dizer incorporadas ou objetivadas por vezes em forma de instituições e a relação pratica ou representada, estratégias individuais e coletivas pelas quais os agentes procuram por a serviço dos seus interesses materiais simbólicos ou conservá-las e transformá-las: as relações de forças objetivas materiais e simbólicas, e os esquemas práticos graças as quais os agentes classificam os outros. Os agentes e apreciam a sua posição nestas relações objetivas. Estratégias simbólicas de apresentação e representação de si que eles põem as classificações e as representações deles próprios164.