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4. A Criação da Comissão Pastoral da Terra e a Fundação da diocese de itaguaí

4.5. Ensaiando o contra teatro

Segundo Thompson (2001), os donos do poder representam seu teatro de majestade, superstição, poder, riqueza e justiças sublime. Os pobres encenam seu contra teatro, ocupando o cenário das ruas, dos mercados, empregando o simbolismo do protesto. Para o autor sugerir que o controle ou a dominação possa se revestir da roupagem teatral não significa dizer que seja imaterial, frágil demais para ser analisada. Definir o controle em termos de hegemonia cultural não significa renunciar ao intento de análise, mas arquiteta-las para os tópicos necessários: as imagens de poder e autoridade e as mentalidades populares de subordinação, ou como no caso estudado, de insubordinação gerando conflitos.

Os conflitos apresentados nesse estudo estão listados entre os que recebem assessoria da Comissão Pastoral da Terra, uma modernidade dentro da tradição religiosa reinventada no diálogo com uma teologia também reinventada dentro da perspectiva da modernidade, a Teologia da Libertação. As comunidades eclesiais de base e as pastorais sociais criadas pela Igreja católica funcionaram como espaços de mediação política através do incentivo, que por meio legais a população afetada pudesse se organizar e defender os seus direitos.

4.5.1 A Igreja e os conflitos de terra na região Sul Fluminense

Colocando questões que não se pode evitar, apresentando alternativas, ela força as Igrejas a formularem expectativas latentes em termos de escolha que excluem toda possibilidade de fugir do problema. A política não para de impor, de questionar, de provocar as igrejas e os cristãos, a título individual ou coletivo, obrigando-os a admitir que os atos que os compromete perante si mesmo e perante a sociedade (CONTROT, 1996, p. 335).

O registro de acompanhamentos de padres e bispos aos conflitos pela posse da terra são anteriores aos decretos presidenciais. O primeiro conflito registrado pela Pastoral da Terra foi em 1970, em Itaorca, com a desapropriação de uma área pela União para a construção da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, originalmente o

local era ocupado por uma aldeia de pescadores. A indenização recebida garantiu aquisição de novas terras170.

Um segundo caso registrado se deu entre 1973-74, em Caiçara da Trindade, portanto, após dos decretos presidenciais. A empresa ADELA BRASCAN (Agencia de Desarollo de Latino América), multinacional com sede em Luxemburgo, invadiu a Vila de pescadores visando expulsar os moradores e criar um condomínio de luxo e uma área de balneário destinando-a ao turismo. Neste caso, houve a intervenção de Dom Waldir Calheiro, então bispo na região, a favor do povo caiçara da Trindade, ameaçado por ordem de despejo e por indenizações injustas. A luta deste povo teve como desfecho um acordo entre posseiros e a empresa compradora171.

4.5.2 Sindicato: espaço de intermediação de conflitos

Em 18 de Janeiro de 1977,172 em nome do Sindicato dos trabalhares rurais de Paraty foi enviado um oficio o S. Exc. Paulinelli, ministro da agricultura com o objetivo de informar as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais do município. O relator do documento é o Sr. Amancio Felino Gonçalves, presidente do sindicato. O autor do texto recorda o passado de Paraty em suas diferentes fases: Engenho de açúcar voltado para produção de aguardente; café destinado ao consumo interno e a passagem para a produção de bananas. A dificuldade de transporte no passado também é lembrada pela falta de estradas e o transporte através de barcos que dependia de fenômenos naturais para se concretizar (tempo bom e mar calmo). Afirma que o transporte caro jogava os lavradores nas mãos de atravessadores que os exploravam ao máximo173.

Dentro deste passado, o município é descrito como pacato e desconhecido, posseiro, meeiros, pequenos proprietários plantavam suas lavouras, pescadores buscavam no mar os meios necessários para viverem, todos alheios à dinâmica da sociedade capitalista. Para Amâncio três fatores teriam mudado o destino do município:

170 ARQUIVO DA PASTORAL DA TERRA DA DIOCESE DE ITAGUAÍ. Levantamento as situação fundiária da diocese, 1987.

171 Ibid. 172

ARQUIVO DA PASTORAL DA TERRA DA DIOCESE DE ITAGUAÍ. Ofício do Sindicato Rural Parati ao ministro da agricultura, 1977.

a descoberta das suas reservas florestais; seu valor turístico com sua preciosidade histórica; e a construção da BR 1-1, Rodovia Rio-Santos174.

O relator afirma a “evolução” trazida pelos três fatores, porém, lamenta que o progresso ter chegado acompanhado do problema social desconsiderado pelas autoridades. Passando assim a expor segundo ele de forma sintética a situação real do munícipio, suas necessidades e também oferece sugestões no intuito de colaborar para a solução do problema.

A primeira área a ser apresentada é o Parque Florestal da Serra da Bocaina, com a implantação e a criação do parque, através do decreto nº 68172 de 04 de fevereiro de 1971. Segundo o relator, com essa medida centenas de trabalhadores ficaram sem benfeitorias (casa e lavouras) dentro da suposta limitação do referido parque. A falta de uma delimitação clara da área do Parque gera descontentamento entre os lavradores e um grande prejuízo à produção agrícola do município175.

Em princípio de 1972, o sindicato teria buscado ajuda junto a FETAG no envio de um relatório às autoridades. Destaca que o sindicato não é contrário ao Parque, reconhecendo sua necessidade diante das condições climáticas afirmando ser ele um privilégio do município como uma solução para o impasse apresenta a necessidade da delimitação do território do Parque e um aumento da sua área devido à quantidade de matas virgens presentes na região, inadequadas para a lavoura que poderiam ser incorporadas a área destinada ao Parque em detrimento das lavouras dos trabalhadores176.

O segundo fator apresentado são os grandes Projetos turísticos que estavam sendo implantados em Paraty e Angra dos Reis, o relator reconhece os benefícios para o mercado de trabalho, porém alerta para a contradição e o desequilíbrio provocado: postos de trabalho que geram aumento populacional e diminuição na produção agrícola do município. Alerta que a não intervenção do poder público tornaria ainda mais grave o êxodo rural que já estava acontecendo.

Alertando para o tempo (anos) de residência dos trabalhadores rurais no município, muitos nasceram e ali adquiriram famílias, criaram os filhos, classifica a situação como injusta a retirada dessas pessoas de suas terras. Afirma que não será uma

174 Ibid. 175 Ibid. 176 Ibid.

tarefa fácil. Ressalta a dificuldade em encontrar fonte de trabalho e sobrevivência em uma zona industrial.

4.6 Delineando o território religioso - preparando a fundação da diocese. A