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I. BEM AMBIENTAL E PATRIMÔNIO AMBIENTAL

4. O bem ambiental na visão do autor

4.3. Microbens ambientais não naturais

4.3.1. Bens culturais

4.3.1.2. O bem cultural

O art. 216, caput, da Constituição da República, tem a seguinte redação:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores

de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços

destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,

arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

De sua leitura, percebe-se que os bens integrantes do patrimônio cultural

brasileiro são aqueles “portadores de referência à identidade, à ação ou à memória

dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Logo, é nessa

representação ou evocação da identidade, da ação ou da memória de quaisquer dos

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grupos formadores do povo brasileiro que o ordenamento constitucional reconhece o

valor cultural desses bens.

Em razão desse valor cultural, a Constituição, no § 1.º do art. 216,

incumbe ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, a promoção e

proteção do patrimônio cultural, por meio de inventários, registros, vigilância,

tombamento e desapropriação, entre outras formas de acautelamento e

preservação.

Para que as gerações presentes e futuras possam fruir o valor cultural

desses bens, eles são submetidos a um regime jurídico especial de tutela, por força

do qual os seus proprietários, como também o Poder Público e terceiros poderão ser

submetidos a uma série de obrigações positivas e negativas.

Tendo em vista tais restrições ao direito de propriedade, por razões de

segurança jurídica, a incidência desse regime jurídico sobre um determinado bem

cultural deve ser precedida de sua individualização e do reconhecimento oficial de

seu valor cultural (com a consequente imposição de medida de acautelamento), seja

por ato administrativo do Poder Público (v.g., tombamento, inventário, registro etc),

seja por via legal (lei de zoneamento, tombamento legislativo etc) ou judicial (ação

civil pública declaratória de valor cultural)

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.

Embora o conceito constitucional de patrimônio cultural brasileiro, em

tese, permita nele inserir quase todos os produtos culturais que evoquem a

memória, a identidade ou a ação de algum grupo formador da sociedade brasileira,

não é possível submetê-los todos eles à tutela preservacionista, que, conforme

ressaltado no parágrafo anterior, pressupõe sua individualização e reconhecimento

oficial. Tal impossibilidade decorre quer de dificuldades práticas insuperáveis, quer

porque implicaria o total engessamento da vida cultural - que, por natureza, é

dinâmica – e o consequente empobrecimento do patrimônio cultural. Por isso,

cumpre preservar apenas aqueles produtos culturais mais relevantes, como também

43

MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro – doutrina –

jurisprudência – legislação, p. 53-56.

amostras daqueles mais rotineiros, de modo a evitar o empobrecimento cultural que

resultaria de seu desaparecimento

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.

Postas tais questões preliminares, cumpre enfrentar outro tema de relevo.

Não há dúvida que os bens integrantes do patrimônio cultural sejam bens culturais

tutelados pelo direito. Mas, será que apenas eles merecem o status jurídico de bens

culturais? Não haveria bens que, embora não amoldáveis ao conceito do art. 216 da

Carta da República, possuem valor cultural, e, por tal razão, têm guarida na ordem

jurídica? Ou seja, não existiriam bens que, embora não integrantes do patrimônio

cultural brasileiro, sejam protegidos de alguma forma, por seu valor cultural?

Reisewitz, acertadamente, afirma que sim. Segundo ela, bens culturais

são todas as coisas, materiais ou imateriais, que tenham valor cultural,

independentemente de integrarem ou não o patrimônio cultural

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.

De fato, não se pode atribuir o status de culturais apenas aos bens

incluídos no patrimônio cultural brasileiro. A propósito, conforme bem observa a

autora, a ordem constitucional não agasalha somente as manifestações culturais

amoldáveis aos contornos ditados no artigo 216 da Lei Maior, como também os

produtos das mais diversas fontes culturais, cuja valorização e difusão devem ser

incentivadas e apoiadas pelo Estado, conforme proclama o art. 215.

Aliás, o § 3.º desse dispositivo, introduzido pela Emenda Constitucional n.

48/2005, reforça tal conclusão, ao referir-se, no inciso I, especificamente ao

patrimônio cultural, ao passo que, nos incisos II e IV, simplesmente a bens culturais

ou bens de cultura:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais

e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a

valorização e a difusão das manifestações culturais.

44

RODRIGUES, José Eduardo Ramos.Estudos de Direito do Patrimônio Cultural, p. 93 e 94.

45

REISEWITZ, Lúcia. Direito Ambiental e Patrimônio Cultural – direito à preservação da memória,

ação e identidade do povo brasileiro, p. 99.

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,

indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do

processo civilizatório nacional.

§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta

significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,

visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do

poder público que conduzem à: (Incluído pela Emenda Constitucional nº

48, de 2005)

I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 48, de 2005)

II - produção, promoção e difusão de bens culturais; (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 48, de 2005)

III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas

múltiplas dimensões; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)

IV - democratização do acesso aos bens de cultura; (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 48, de 2005)

V - valorização da diversidade étnica e regional. (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 48, de 2005)

Frise-se, porém, que apenas os bens culturais individualizados e

reconhecidos pelo Poder Público como integrantes do patrimônio cultural brasileiro

estão sujeitos ao rigoroso regime jurídico de preservação decorrente da subsunção

ao artigo 216 da Lei Fundamental.