I. BEM AMBIENTAL E PATRIMÔNIO AMBIENTAL
2. Das normas federais específicas
2.3. Decreto n. 99.556/1990 modificado pelo dec. n. 6.640/2008: novo paradigma
2.3.4. Licenciamento ambiental
Sejam ou não geradores de impactos negativos irreversíveis, os
empreendimentos considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou
degradadores das cavidades naturais subterrâneas ou de suas áreas de influência
devem submeter-se ao licenciamento ambiental
92.
2.3.4.1. Competência e questões assemelhadas
Não existem normas específicas sobre competência para o licenciamento
ambiental de obras que afetem cavidades naturais subterrâneas. Muito embora elas
sejam bens sob o domínio da União, tal circunstância não influi na determinação do
órgão competente para o licenciamento ambiental dos empreendimentos e
atividades que as impactem. Portanto, em regra, tal competência recairá sobre os
Estados, salvo se presente alguma hipótese legal que a remeta à União ou ao
91
Art. 12 da instrução normativa. Quanto à análise sob enfoque local, vale a mesma ressalva feita em
relação ao exame sob o enfoque regional, ou seja, apesar do silêncio das normas, é evidente que,
para caracterização da importância baixa do atributo, mister que ele também não esteja entre os
atributos capazes de outorgar às cavidades o grau de relevância máximo.
92
Município.
93No caso da União, o órgão competente será o IBAMA.
É fato que a Portaria IBAMA n. 887/1990, no § 1.º do seu art. 3.º, dispõe
que as atividades ou pesquisas que possam ser lesivas às cavidades naturais
subterrâneas, ou que impliquem em coleta de vegetais, captura de animais e/ou
apanha de material das mesmas, dependem de prévia autorização do IBAMA ou de
instituição por ele credenciada. Em que pese a respeitáveis entendimentos em
contrário
94, não se pode inferir desse dispositivo a necessidade de submeter
licenciamentos ambientais de competência dos Estados ou Municípios a prévia
anuência do IBAMA. A propósito, o art. 13 da Lei Complementar n. 140/2011
95prescreve que “os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados,
ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições
estabelecidas nos termos desta Lei Complementar”. Logo, a incidência do
dispositivo da portariado IBAMA deve ser restrita a atividades em que ele próprio for
o órgão licenciador, não se aplicando aos casos em que os órgãos licenciadores
forem estaduais ou municipais. Interpretação diversa, ademais, importaria quebra do
princípio federativo, por ensejar ingerência indevida da União competência restrita a
outros entes da federação.
Por outro lado, antes mesmo do advento da Lei Complementar n.
140/2011, o inciso II do art. 2º e o §1º do art. 4º da Res. CONAMA n. 347/2004
condicionaram a prévia autorização do IBAMA o licenciamento ambiental de
atividades que afetassem negativamente cavidades consideradas relevantes. Essa
norma derrogou a Portaria IBAMA n. 887/1990, no que dizia respeito à
93
Conforme as regras gerais de repartição de competência para licenciamento ambiental gizadas na
lei complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011.
94
É o caso de Marcos Paulo de Souza Miranda, para quem, por se tratar de bens da União, e com
base na citada Portaria, sempre será necessária prévia anuência do IBAMA antes da emissão de
licenças prévias para intervenções em áreas de patrimônio espeleológico. Cf. Mineração em áreas de
ocorrência espeleológica, p. 58. Disponível em
<http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/repositorio/id/18184>. Acesso em: 22.08.2012.
95
Que fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da
Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das
paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de
suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei n
o6.938, de 31 de agosto
de 1981.
obrigatoriedade da anuência desse órgão em relação a toda e qualquer cavidade.
96Posteriormente, a Res. CONAMA n. 428/2010 revogou os citados dispositivos da
Resolução CONAMA n. 347/2004, de modo que não mais haveria como sustentar a
obrigatoriedade de prévia autorização do IBAMA sequer em se tratando de
licenciamento de atividades impactantes de cavidades relevantes, salvo,
evidentemente, se o próprio IBAMA fosse o órgão, nos termos da legislação
específica, competente para o licenciamento.
Importantíssimo, neste ponto, fazer um esclarecimento. O sustentado
acima não equivale a defender que o empreendedor pode intervir em cavidades
naturais subterrâneas independentemente de autorização da União. Na verdade,
sempre que o empreendedor não for a própria União, necessitará de prévia
autorização desse ente federativo, porquanto as cavidades naturais subterrâneas,
nos termos do art. 20, X, da Constituição da República, são bens da União. O que se
sustenta, porém, é que o licenciamento ambiental não é a sede adequada para a
análise da disponibilidade patrimonial do ente federativo. Ora, a autorização da
União para que terceiro utilize seu patrimônio é matéria de Direito Admistrativo, ao
passo que o licenciamento ambiental é instrumento voltado à tutela do direito difuso
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Daí que a autorização federal deve
ser obtida em procedimento administrativo distinto.
Interessante anotar, ainda, que o licenciamento ambiental dos
empreendimentos que impactem negativamente cavidades naturais subterrâneas
tampouco dependerá de autorização do Centro Nacional de Pesquisa e
Conservação de Cavernas – CECAV, por ausência de previsão legal.
Se o empreendimento, porém, for de significativo impacto ambiental, e
afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento,
dependerá de autorização do órgão responsável pela administração da unidade,
96
Analisando tais dispositivos, Carolina Anson, com precisão, ponderou que “A prévia anuência do
Ibama se justifica não pela dominialidade do bem, mas sim proque, em caos que tais, dada sua
relevância, o impacto será de âmbito nacional ou regional, subentendendo-se a concorrência de
interesses entre a União e o órgão licenciador”. Cavidades Naturais Subterrâneas, Patrimônio
Espeleológico e Ambiente Cárstico: Proteção e Implicações Jurídicas, p. 220.
conforme estabelece o § 3.º do art. 36 da Lei do SNUC.
97Tal norma, porém, só
incidirá naquilo em que não colidir com o superveniente art. 13 Lei Complementar n.
140/2011, que impõe que os empreendimentos e atividades sejam licenciados ou
autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo. Em regra, tal risco de
incompatibilidade não existirá, pois a lei complementar outorga a competência para
o licenciamento ambiental dos empreendimentos localizados ou desenvolvidos em
unidade de conservação ao ente federativo que a instituiu, salvo no caso das áreas
de proteção ambiental (APAs)
98. Portanto, normalmente, a competência para
licenciar tais atividades será do mesmo ente federativo que abrange o órgão
responsável pela administração da unidade, não havendo ofensa ao art. 13 da lei
complementar. A exceção resta por conta dos licenciamentos de empreendimentos
localizados ou desenvolvidos fora das unidades de conservação, mas nas suas
zonas de amortecimento, ou naqueles desenvolvidos em APAs. Nesse caso, a
competência para o licenciamento não está vinculada ao ente instituidor da unidade,
de modo que há o risco, eventualmente, de que seu órgão gestor integre ente
federativo diverso daquele competente para o licenciamento. Em se concretizando
tal divergência, não haverá como aplicar o art. 36 da lei do SNUC, sob pena de
ofensa ao comando do art. 13 da lei complementar. Logo, nessas situações
específicas, o licenciamento haverá de ser feito independemente da autorização do
órgão responsável pela administração da unidade.
2.3.4.2. Instrução
É no bojo do procedimento de licenciamento ambiental que o órgão
ambiental competente – órgão licenciador - procederá à classificação do grau de
relevância da cavidade, bem como estipulará as condições para a emissão da
licença
99. Para que isso seja possível, o responsável pelo empreendimento ou
atividade deve instruir esse procedimento com estudos espeleológicos que reunam
todas as informações pertinentes às cavidades e à sua área de influência,
97
A Res. CONAMA n. 428/2010 regulamenta essa autorização, e dispõe, no § 1.º de seu art. 1.º, que,
para os fins estabelecidos na resolução, os órgãos responsáveis pela administração das unidades são
os órgãos executores do SNUC. A propósito, segundo o inciso III do art. 6.º da Lei do SNUC, tais
órgãos, no âmbito federal, são o ICMBio, e, supletivamente, o IBAMA.
98
Art. 7.º, XIV, d; art. 8.º, XV; art. 9.º, XIV, b; e art. 12.
99
imprescindíveis para a classificação
100. Esses estudos devem ser custeados pelo
responsável pelo empreendimento ou atividade
101.
Considerando que, nos termos do inciso I do art. 8.º da Res. CONAMA n.
237/1997, a viabilidade ambiental, a localização e a concepção do empreendimento
são aprovados na licença ambiental prévia (LP), é mister que os estudos
espeleológicos já instruam o procedimento de licenciamento ambiental previamente
à emissão daquela licença. No mesmo sentido recomenda o inciso II do art. 10 da
mesma resolução, que, ao dispor sobre o procedimento do licenciamento, reza que
o requerimento da licença ambiental pelo empreendedor deverá estar acompanhado
dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes.
Ademais, é imperioso que tais estudos permitam identificar a natureza
dos impactos a serem produzidos sobre cada uma das cavidades e respectivas
áreas de influência. Afinal, apenas em se conhecendo não apenas os atributos das
cavidades, como também as características dos impactos que as afetarão, é que se
poderá avaliar se a localização e a concepção do empreendimento ensejarão
impactos irreversíveis sobre cavidades de relevância máxima
102.
100
art. 14 da instrução normativa.
101
§ 2.º do art. 5.º do Decreto. O CECAV elaborou um termo de referência com “Orientações básicas
a realização de estudos espeleológicos”. Disponível em: <
http://www.icmbio.gov.br/cecav/orientacoes-e-procedimentos/termo-de-referencia.html >. Acesso
em: 22.08.2012.
102
A insuficiência desses estudos já foi considerada, por analistas do IBAMA, impeditiva para a
avaliação ambiental anterior à licença prévia. Foi o que ocorreu no licenciamento ambiental para
exploração da mina de ferro S11D, na face sul da Serra de Carajás, requerido ao IBAMA pela
mineradora Vale S/A. O empreendimento, orçado em 20 bilhões, é anunciado no “site” da vale na
internet como sendo “o maior volume de investimento privado no Brasil nesta década”. Disponível
em:
<http://www.vale.com.br/pt-br/o-que-fazemos/destaques/Paginas/video-projeto-ferro-carajas-s11d.aspx>. Acesso em: 02.08.2012. No caso, técnicos do IBAMA, em razão de uma série de falhas no
estudo de impacto ambiental (seja pela insuficiência dos dados coletados para a classificação da
relevância das cavidades, seja pela ausência da identificação dos prováveis impactos sobre cada uma
delas), emitiram, em 19.06.2012, parecer técnico-espeleológico indicando a necessidade de
complementação do estudo antes da análise do mérito da licença prévia (LP). Apesar disso, o
presidente do IBAMA, apenas uma semana depois, com estribo num despacho do Coordenador de
Mineração e Obras Civis do instituto, e numa lacônica autorização do ICMBio, desconsiderou aquele
parecer, e emitiu a LP. Os documentos estão disponíveis em:
<http://www.ibama.gov.br/licenciamento/index.php> clicando-se, em seguida, nas janelas
“consulta”, depois em “empreendimento”, e preenchendo-se os argumentos de pesquisa “licença
prévia” no campo “licença emitida” e “436/2012” no campo “Número/Ano licença”. Acesso em:
02.08.2012.
Outro ponto aconselha que tais estudos antecedam a licença prévia. Uma
vez ela concedida, se, ao depois, forem identificados fatos aptos a desaconselhar,
do ponto de vista ambiental, à implantação ou operação do empreendimento num
dado local, ou sob determinada concepção, corre-se o risco de que a reabertura das
discussões sobre localização ou concepção do empreendimento seja refutada.
Sobretudo se houver interesse do Administrador – interesse público secundário – na
aprovação do projeto (motivado, por exemplo, pela necessidade de implantação de
uma grande hidrelétrica ou pelos dividendos políticos da geração de empregos por
empreendimento privado), poderá haver pressão sobre o órgão licenciador para que
se declare preclusa a análise daquelas questões, o que, em se concretizando,
representaria verdadeiro reconhecimento a um “direito adquirido de poluir”.
No documento
Tutela do Patrimônio Ambiental Espeleológico no Direito Material Brasileiro
(páginas 150-155)