I. BEM AMBIENTAL E PATRIMÔNIO AMBIENTAL
2. Patrimônio ambiental espeleológico
2.1. Espeleologia
Antes de abordar o patrimônio espeleológico propriamente dito, mister versar
sobre o significado da palavra espelologia.
O vocábulo “espeleologia” é formado a partir da composição do radical latino
spelaeum ou do grego spelaion, que significam caverna, com o radical grego logos,
que quer dizer estudo.
54
Segundo Gèze, a espeleologia pode ser definida no modo mais amplo como
uma “disciplina consagrada ao estudo das cavernas, de sua gênese e de sua
evolução, do meio físico que elas representam, de sua população biológica atual ou
passada, como também dos meios e técnicas que são próprios para seu exame”
55.
Lino vislumbra nessa disciplina um “caráter predominantemente
interdisciplinar e científico, ao qual se aglutina, como meio, instrumento fundamental
de trabalho, a atividade esportiva inerente à exploração de cavernas”
56.
Auler e Zogbi, em compasso com Lino, consideram a espeleologia uma
“ciência-esporte que lida com a exploração e o estudo das cavernas”
57.
O Decreto n. 99.556/1990, em sua versão original, no seu art. 5.º, III, definia
as “atividades espeleológicas” como “as ações desportivas, ou aquelas
técnico-científicas de prospecção, mapeamento, documentação e pesquisa que subsidiem a
identificação, o cadastramento, o conhecimento, o manejo e a proteção das
cavidades naturais subterrâneas”. Nota-se, em tal definição, ligeira diferença em
relação às concepções de Lino, Auler e Zogbi, já que, ao contrário deles, a norma,
ao empregar a disjuntiva “ou”, admitia a atividade meramente desportiva, sem
finalidade técnico-científica, como espeleológica. Na sua atual redação (alterada
pelo Decreto n. 6.640/2008), a norma não mais define as “atividades
espeleológicas”.
Em que pese às conceituações acima expostas, pensamos que a
espeleologia deve ser tida como atividade técnico-científica, mas não como esporte.
Conforme já salientado, os radicais formadores do vocábulo “espeleologia”
carregam os significados de “caverna” e “estudo”. Logo, não há dúvidas que o
propósito técnico-científico seja indissociável da atividade espeleológica.
55
Tradução livre do autor. No original: “..une discipline consacrée à l’étude des cavernes, de leur
genèse et de leur évolution, du milieu physique qu’elles représent, de leur peuplement biologique
actuel ou passé, ainsi que des moyens et des techniques qui sont propres à leur examen”. GÉZE,
Bernard. La Spéléologie Scientifique, p. 6.
56
LINO, Clayton F., op. cit, p. 44.
57Diferentemente, não nos parece que a exigência de destreza e preparo físico,
que, sem dúvida, são inerentes à atividade do espeleólogo, sejam suficientes para
classificar a espeleologia como esporte. Afinal, são essenciais às práticas
desportivas os fins de competição ou de superação dos próprios limites, propósitos
esses que são perfeitamente dispensáveis na espeleologia. Demais disso, diversas
outras atividades profissionais também demandam habilidade e preparo físico, e,
nem por isso, podem ser consideradas modalidades esportivas (p. ex., as
desempenhadas por bombeiros militares, eletricistas que trabalham com postes e
redes de alta tensão, mergulhadores a serviço de empresas petrolíferas etc).
Por tais razões, pensamos seja melhor circunscrever o campo da
“espeleologia” ao estudo das cavidades e de seus componentes bióticos e abióticos
sob os mais diversos prismas científicos, tais como o geográfico, o geológico, o
hidrológico, o climatológico, o biológico, o paleontológico, o arqueológico ou o
antropológico.
Para as demais atividades, cremos seja conveniente adotar classificação
sugerida por Figueiredo, que, ao lado das atividades afetas à espeleologia (fins
científicos/estudos sistemáticos), sugere a existência de outras, dispostas no âmbito
“espeleoturismo” (atividades turísticas) e do “cavernismo” (atividades esportivas,
exploratórias ou técnicas)
58.
Superado o conceito de espeleologia, não é demais tecer um breve histórico
de seu exercício em nosso país. Conforme já anotado alhures, a primeira referência
a uma caverna, em território nacional, foi realizada em 1717, e consiste na descrição
feita pelo padre Francisco Soledade sobre uma visitação religiosa que estaria sendo
realizada à lapa de Bom Jesus, na Bahia, desde 1690. Entre 1717 e 1936, tanto
brasileiros como estrangeiros atuaram no país, com vistas à descrição e
cadastramento de cavidades naturais. Dentre os nacionais, destacaram-se Ricardo
Franco (1786), Alexandre Rodrigues Ferreira (1790 e 1791) e João Severiano da
Fonseca (1882), na descrição de grutas da atual região do Mato Grosso do Sul;
58
FIGUEIREDO, Luiz Afonso Vaz. O ser espeleólogo: geopoética e as representações de um discurso
coletivo, p. 370. Disponível em: <http://www.sbe.com.br/anais31cbe/31cbe_365-378.pdf> Acesso
em: 27.10.2011.
João Vieira Couto (1803), no estudo da obtenção de salitre em grutas do Rio das
Velhas (MG); e Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1805), que descreveu grutas
do Vale do Ribeira. Entre os estrangeiros, os mais memoráveis são Peter Lund, que
fez prospecções paleontológicas nas grutas da região de Lagoa Santa, em Minas
Gerais, no período de 1835-1844, e Sigsmund E. Richard Krone, que realizou
levantamentos paleontológicos, descrição e cadastro de cavernas no Vale do
Ribeira, no período de 1897-1909
59.
Embora a exploração e o mapeamento de cavernas, em solo nacional,
tenham começado ainda no século XVIII, tais atividades ainda não eram tidas como
ciência. Isso somente ocorreu no século seguinte, quando a espeleologia foi
concebida pelo francês Edouard-Alvred Martel, autor da exploração de numerosas
cavernas na Europa e na América. No Brasil, essa ciência se institucionalizou a
partir do século XX, quando, em 1937, inspirados no modelo francês, estudantes da
Escola de Minas fundaram em Ouro Preto o primeiro grupo espeleológico das
Américas: a Sociedade Excursionista e Espeleológica (SEE). A partir de então, a
espeleologia avançou significativamente no território nacional. Configuram
importantes marcos de sua evolução a realização do primeiro Congresso Brasileiro
de Espeleologia, em 1964, no pórtico da Gruta Casa de Pedra; a fundação da
Sociedade Brasileira de Espeleologia, em 1969; a formação de grupos de pesquisa
em universidades brasileiras, a partir da década de 1980; a criação, em 1997, no
âmbito do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), do Centro Nacional de Proteção, Manejo e Estudos de Cavernas (CECAV),
órgão voltado à proteção das cavernas brasileiras; e a fundação, em 2003, da
Redespeleo Brasil, instituição sem fins lucrativos, também dedicada ao estudo,
documentação e proteção de cavidades naturais subterrâneas.
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No documento
Tutela do Patrimônio Ambiental Espeleológico no Direito Material Brasileiro
(páginas 69-72)