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Mapa 1: Localização da Extremadura.

2.4 BI/MULTI/PLURILINGUISMO: CONCEITOS DE TRABALHO

Considerando a recorrência dos termos bilinguismo, multilinguismo e plurilinguismo no decorrer dessas linhas e seus usos nas seções que virão na sequência, considero importante abrir aqui um parênteses para defini-los em relação ao trabalho aqui realizado.

É extensa e não consensual a produção acadêmica e as noções populares em torno dos termos, pois a forma como são definidos diferencia-se em razão das variáveis implicadas em sua conceituação (geográficas, linguísticas, sociológicas, psicológicas, pedagógicas) e, também, no sentido de que podem abarcar tanto o nível individual quanto social. A variedade de situações sociolinguísticas, as características dos falantes e as diferentes perspectivas teóricas de que partem as formas de conceituação dão margem à proposição de tipologias diversas para classificar os usos de duas ou mais línguas em dada sociedade e o conhecimento e uso de duas ou mais línguas por um mesmo sujeito.

Os dados desta pesquisa são oriundos de um contexto em que não só diferentes línguas coexistem, mas estão em contato e interação no cotidiano das práticas sociais, constituindo o repertório linguístico diverso de muitos dos habitantes dessa fronteira. São pessoas que, independentemente da escolarização e desde a socialização primária28,

28 Socialização primária se refere aos primeiros contatos de um indivíduo (na infância) com a

sociedade, que consiste na exposição e vivência de processos básicos de integração e que o propicia a interação com o meio e com outros indivíduos, a aprendizagem e apreensão de valores e condutas, bem como noções de como agir e reagir em diversas circunstâncias, dado

estão expostas ao uso regular e alternante de duas ou mais línguas nos diversos espaços sociais. É regular no sentido de que o uso de mais de uma língua (ou elementos de línguas político-linguisticamente definidas) em diferentes espaços sociais faz parte do cotidiano dessas pessoas. É alternante no sentido de que, dadas as diferentes circunstâncias de interação e o contato dessas línguas na fronteira, os sujeitos desse contexto alternam os usos dessas línguas ou alternam em uma mesma enunciação elementos de línguas definidas politicamente, conforme será possível verificar em capítulos posteriores.

Decorre que esses sujeitos desenvolvem repertório linguístico formado de duas ou mais línguas, resultante da interação nessa/com essa realidade sociolinguística. Isso também implica no desenvolvimento de níveis de competência diversos nas diferentes habilidades linguísticas em cada uma das línguas.

Assim considerando, a compreensão de bilinguismo que utilizo aqui não se pauta na existência de falantes bilíngues perfeitos que tenham controle e fluência idênticos em duas ou mais línguas, ideias que permeiam as definições de Bloomfield (1933) e Thiery (1978) (apud GROSJEAN, 1982; APPEL; MUYSKEN, 1996), e que apresentam casos raros. Tais definições partem de uma perspectiva psicológica e pautam-se na competência linguística dos falantes, um aspecto de difícil mensuração. Em face da ótica construída nesse trabalho, a perspectiva a partir da qual se compreende bilinguismo é sociológica, ou seja, levando em conta a aprendizagem/aquisição das línguas no contexto social.

Nessa perspectiva, Grosjean (1982) define bilíngue como alguém que usa duas línguas29 na comunicação diária de modo regular e não

aquele que possui domínio e usa ambas as línguas com perfeição. Appel e Muysken (1996, p. 11), por sua vez, que propõem definir o termo da seguinte forma: “Cualquiera que emplee dos o más lenguas en alternância es bilíngue”30

.

Garcia (2009, 2012), define o bilíngue como uma pessoa que possui habilidade para usar línguas de forma diferente e que possui experiências diversas e incomparáveis com cada uma das línguas ou elementos linguísticos que compõem seu repertório linguístico. Ela o enquadramento cultural em que se inscreve. A partir desse processo inicial, o indivíduo se insere gradativamente em dada sociedade e em seu sistema de regras (BERGER; LUCKMAN, 1994).

29 Para Grosjean (1982), o prefixo bi faz referência ao uso de duas línguas.

30 “Qualquer um que utilize duas ou mais línguas em alternância é bilíngue.” (APPEL;

caracteriza a forma como os bilíngues fazem uso de seu repertório linguístico como translanguaging31. Segundo sua concepção, os bilíngues possuem repertório linguístico único a partir do qual selecionam estrategicamente e de modo flexível dessa base única elementos ou formas de comunicação de línguas descritas como independentes e diferentes para se comunicarem.

Em face dessa exposição e considerando as peculiaridades do ambiente sociolinguístico em que se procedeu à pesquisa, compartilho da colocação de Maher (2007, p. 79):

[...] existem vários tipos de sujeitos bilíngues no mundo, porque o bilinguismo é um fenômeno multidimensional. Somente uma definição suficientemente ampla poderá abarcar todos os tipos existentes. E talvez, esta fosse suficiente: o bilinguismo, condição humana muito comum, refere-se à capacidade de fazer uso de mais de uma língua.

No contexto da União Europeia, verifica-se a definição de pessoa plurilíngue apresentada por Coste et al (2009, p. 20) como aquela que possui repertório linguístico não estável, formado de diferentes línguas, com competências de diversos níveis nas línguas que compõem tal repertório. O plurilíngue configura-se como aquele capaz de gerir seu repertório, conforme as circunstâncias comunicativas em que se inscreve. Tal definição é semelhante à de bilíngue de Garcia (2009, 2012).

Ainda segundo Coste et al (2009), esse falante possui uma competência plurilíngue, conceito que deriva do conceito de plurilinguismo (habilidades de uso de várias línguas por um indivíduo) e que pressupõe não só o manejo de diferentes línguas e recursos linguísticos em diversos níveis de conhecimento como também um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que possibilitam agir e interagir em ambientes culturais diversos. Nesse sentido, a definição de pluralidade linguística de Altenhofen e Broch (2011) – a postura de se constituir plural frente à diversidade linguística – equivale à de plurilinguismo antes descrita.

Já no que se refere ao nível social, também são adotados os três

31 Considerando a dificuldade de tradução do termo, o que poderia ocasionar prejuízo de

termos (bilinguismo, multilinguismo e plurilinguismo). Os seus prefixos (bi/multi/pluri) oferecem a possibilidade de diferentes interpretações.

No que se refere ao bilinguismo, por exemplo, distingue-se entre bilinguismo social e bilinguismo de elite. O termo bilinguismo social refere-se, em geral, a sociedades onde são usadas duas ou mais línguas, abarcando uma variedade de graus e formas de bilinguismo entre os falantes em diversos espaços sociais (APPEL; MUYSKEN, 1996). Já o bilinguismo de elite, por sua vez, está relacionado à escolha dos sujeitos por aprenderem/adquirem uma língua de prestígio além de sua língua materna. Nesse caso, desenvolvem-se habilidades linguísticas geralmente em contexto de aprendizagem formal, visando agregar maior status ao falante. Conforme Maher (2007) não se trata de um bilinguismo compulsório ou presente em sociedades multilíngues, mas orientado por escolhas.

No âmbito oficial, por exemplo, o Paraguai é caracterizado em instrumentos legais como um país oficialmente bilíngue – entendendo bilíngue como dual – pois na Política Linguística explícita do país são duas as línguas oficiais (castelhano e guarani), apesar de mais de duas línguas (politicamente definidas ou não) coexistirem em território paraguaio. É nesse sentido que penso que os termos multilinguismo e plurilinguismo podem contribuir para as discussões.

Na literatura sociolinguística é recorrente a afirmação de que a maioria dos países é multi ou plurilíngue, ou seja, que em seus territórios (tidos aqui como a materialidade dos territórios nacionais) coexistem diversas línguas, ainda que não oficializadas e/ou promovidas. A coexistência de línguas não pressupõe necessariamente que os indivíduos sejam majoritariamente bilíngues em dado território. Pode haver casos de sociedades em que as pessoas declarem-se, em sua maioria, monolíngues na língua oficial majoritária, mas compartilham do mesmo espaço físico com bilíngues nessa língua majoritária e em mais outra, seja ela língua de herança ou língua autóctone, por exemplo.

Segundo definição apresentada pela Carta Europeia do Plurilinguismo32, o uso do termo multilíngue refere-se à coexistência de diferentes línguas em dada sociedade ou espaço, e o termo plurilíngue enfatiza a presença dos falantes em seus usos das diferentes línguas que compõem seu repertório linguístico. Dito de outro modo, o termo multilinguismo está para a sociedade, assim como o termo plurilinguismo está para os indivíduos.

Tomando como exemplos Paraguai e Brasil na aplicação dessas definições, quanto ao primeiro pode-se dizer que é um país multi e plurilíngue, pois além de coexistirem línguas diversas, a população é majoritariamente bilíngue, seja em castelhano e guarani, seja em castelhano e jopara33, seja em outras combinações com outras línguas existentes no território do país.

No Brasil, por sua vez, a Constituição Federal de 1988 institui o português como língua oficial majoritária, conforme se lê no Artigo 13: “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. No entanto, a Língua Brasileira de Sinais é também reconhecida como meio legal de comunicação e expressão no país34, e diversas línguas indígenas e de imigração marcam presença em diversas regiões, sendo algumas reconhecidas e cooficiais no âmbito de municípios. Em face dessa diversidade, o Brasil é notadamente multilíngue em razão da existência dessas línguas. Em algumas de suas regiões se verifica o fenômeno do plurilinguismo, no sentido que nesses espaços há grande densidade de pessoas que interagem em diferentes línguas, como é o caso de alguns recortes das fronteiras nacionais.

Dirigindo o olhar para o contexto fronteiriço de Ponta Porã – Pedro Juan Caballero, sobre o qual tratarei no capítulo seguinte, trata-se de um espaço multilíngue, dada a coexistência de várias línguas, mas também de um espaço em que verifica o plurilinguismo, devido à presença numerosa de sujeitos bilíngues que interagem cotidianamente nas línguas oficiais dos dois países e em outras que derivam do contato entre elas. É um espaço em que existe uma dinâmica particular de gestão do multi/plurilinguismo nas práticas cotidianas da comunidade transfronteiriça e nas práticas verificadas no recorte institucional das escolas brasileiras em que se procedeu a esse estudo.