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Mapa 1: Localização da Extremadura.

2.5 A GESTÃO DE LÍNGUAS NA EDUCAÇÃO FORMAL

A determinação ou escolha da(s) língua(s) de instrução dos conteúdos de diferentes áreas do saber, das variedades envolvidas na

33 Para Meliá (1974 apud COUTO, 1994) e Lusting (1996) o jopara pode ser entendido como

uma interpenetração entre guarani e espanhol, ocasionando em uma castelhanização do guarani, uma zona de interferência entre o guarani paraguaio e o espanhol paraguaio. Compreendem, portanto, como um continuum entre uma língua e outra, uma espécie de língua geral, fenômeno que ocorre desde o período colonial e que compõe a história e cultura daquele país. Lusting (1996) chamará o jopara de terceira língua paraguaia.

instrução dessa(s) língua(s), do lugar atribuído para as línguas (língua materna, segunda língua, língua estrangeira, língua adicional, língua de herança, língua de acolhimento35), bem como a distribuição quanto à quantidade de horas destinadas à aprendizagem/exposição da(s) língua(s) nos currículos, a adoção de determinadas metodologias de ensino-aprendizagem para o ensino de/nas línguas são todas estratégias que fazem parte da gestão de línguas no âmbito da educação formal institucionalizada.

A autoridade sobre as decisões em torno das estratégias de gestão de línguas e do ensino-aprendizagem de línguas no âmbito da educação formal pode variar significativamente de um contexto para outro, de um país para o outro. Isso porque, além das decisões sobre as línguas estarem, de modo geral, vinculadas às ideologias e medidas em torno das línguas no contexto mais amplo da sociedade e, em alguns casos, à legislação sobre as línguas existentes, também a forma como os sistemas educacionais e de ensino se organizam, em seus diversos níveis de planejamento e administração, incidem sobre a autoridade para o desenvolvimento de ações no âmbito das escolas.

Partindo do questionamento sobre o que determina as políticas linguísticas das escolas, Spolsky (2009) se defrontou com uma variedade de situações e estruturas de gestão que o levaram a depreender que há, de modo geral, um grupo ou indivíduos externos à escola (mesmo que façam parte da comunidade) com a autoridade para estabelecer objetivos e métodos. Tal grupo pode ser o de pais dos alunos, com representação escolhida democraticamente entre os membros de dada comunidade; a escola pode estar sob a autoridade de alguma liderança ou organização religiosa local; pode haver algum corpo organizacional com autoridade sobre um número de escolas em dada região; as escolas podem ser geridas ainda por algum conselho ou por governos mais centralizados e sob o controle de sistemas federais, estaduais, departamentais, municipais ou provinciais.

No último caso, que se verifica de modo mais frequente, a forma como a presença de diferentes línguas é gerida nas escolas está relacionada/condicionada às políticas linguísticas de jure e de facto em dada sociedade, dentre as quais a maneira como dado sistema educacional e de ensino prevê os espaços e os lugares das línguas. Aludindo à governabilidade de Foucault (2004, p. 291), trata-se do “[...] conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e

reflexões, cálculos e táticas [...]” que conforma o território de gestão das línguas pela educação institucionalizada. Um território, porém, não fixo – consoante compreensão de território apresentada – já que as ideologias em torno das línguas e também a legislação que sobre elas versa são também passíveis de mudanças: certeza em que se sustenta o pensar sobre novas/outras formas de abordar a questão das línguas na educação institucionalizada no âmbito da Política Linguística.

No que se refere à escolha da(s) língua(s) que estarão presentes no processo de escolarização como línguas de instrução ou línguas-alvo, de modo geral, restringe-se o universo de línguas de modo que se opta em geral pela(s) língua(s) de maior prestígio naquela sociedade, como a(s) língua(s) oficial(s) do Estado – para o caso de haver uma política explícita que dê ciência dessa oficialidade – e pela(s) língua(s) que goza(m) de maior prestígio no âmbito internacional e para as trocas econômicas e comerciais.

Conforme mencionado na seção 2.3, a concepção e implementação de programas de Educação Bi/Multilíngue, por exemplo, faz parte do processo de gestão das línguas na educação formal. Considerando que um número de programas envolvendo mais de uma língua na escolarização é desenvolvido em contextos de bi/multilinguismo, penso que um olhar sobre essa temática contribua para as análises das ações desenvolvidas pelos educadores no âmbito do OBEDF. Além disso, as diferentes propostas e experiências de Educação Bi/Multilíngue existentes podem fornecer subsídios para proposição de políticas linguístico-educacionais voltadas para diferentes contextos de fronteiras nacionais.

Na literatura, o termo Educação Bilíngue, grosso modo, refere-se ao uso de duas ou mais línguas de instrução em alguma ou várias etapas da escolarização formal, visando ao ensino de conteúdos escolares por meio das línguas e não somente ao ensino das línguas. Cummins (2010) coloca que o termo traz consigo grande complexidade, já que diversos fatores, sejam eles sociopolíticos, sociolinguísticos, psicológicos, econômicos, administrativos e metodológicos, relacionam-se à proposição e estruturação de programas que envolvem o ensino de/em duas ou mais línguas.

As pesquisas em torno da Educação Bilíngue vêm sendo realizadas desde a década de 1920, fato que justifica o volume de publicações na área e a diversidade de pressupostos teóricos e objetivos, que orientam a proposição dos diversos modelos/tipos de programas escolares, que adotam o uso de duas ou mais línguas na instrução

(GARCIA, 1996; BAKER, 2006; CUMMINS, 2010). Isso faz do rótulo Educação Bilíngue por demais difuso, já que ele pode se referir a programas em que se promova o uso e a aprendizagem de duas ou mais línguas, bem como para aqueles em que a instrução é relativamente monolíngue em uma segunda língua, geralmente para crianças de grupos linguísticos minoritários inseridas em uma sociedade cuja língua majoritária precisam aprender (BAKER, 2006).

Mello (2010, p. 119, grifo do autor) coloca que é preciso superar as discussões acerca do significado de educação bilíngue para “[...] investigar como e por que os programas bilíngues funcionam da maneira como são num determinado contexto sócio-histórico”. De igual forma, entendo que problematizar o porquê de programas de educação bilíngue inexistirem ou serem raros em alguns contextos de intenso multi/plurilinguismo também contribui para depreender e compreender a gestão de línguas de dada sociedade.

Conforme Baker (2006, p. 208), podem ser diversos os objetivos que norteiam a educação bilíngue, dentre os quais destaco os seguintes: 1) a assimilação por indivíduos ou grupos da língua da sociedade em que se inserem; 2) a provisão de habilidades linguísticas em dada língua com vistas à empregabilidade e status em um mundo competitivo; 3) a preservação de identidades étnicas e religiosas; 4) o fortalecimento de grupos de elite e a preservação de suas posições linguísticas privilegiadas na sociedade; 5) a equalização de línguas em termos de prestígio na legislação.

Os tipos/modelos de Educação Bilíngue podem se distinguir de diferentes formas (Hornberger, 1996; Garcia, 1996, 2009b; Baker, 2006)36. Uma forma de classificação parte da distinção entre bilinguismo aditivo e bilinguismo subtrativo, proposta por Lambert (1975 apud GARCIA, 2009b). Garcia (1996) explica que alguns tipos/modelos de educação bilíngue têm por objetivo promover o bilinguismo aditivo, ou seja, ao longo do processo de escolarização outra língua é adicionada ao repertório linguístico dos alunos. Outros, por sua vez, envolvem o bilinguismo subtrativo, ou seja, de modo geral, alunos falantes de línguas diferentes da língua majoritária de determinada sociedade são instruídos tanto em sua língua materna quanto na língua majoritária e, ao longo da instrução, a língua materna é

36 Cabe pontuar que àquilo que Hornberger (1996) chama de modelo de educação bilíngue,

Garcia (1996, 2009b) e Baker (2006) irão chamar de tipo de Educação Bilíngue. Apesar da distinção terminológica, ambos referem-se à forma como os programas são estruturados a fim de se atingirem objetivos linguísticos, sociais e educacionais.

paulatinamente eliminada do programa sendo, aos poucos, substituída pela língua de maior prestígio social.

Outra forma de distinção dos modelos/tipos de educação bilíngue é caracterizá-los como abordagens de transição, manutenção ou enriquecimento.

A abordagem de transição, de forma geral, visa à assimilação linguístico-cultural de forma que os alunos – geralmente indivíduos de grupos linguísticos minoritários – integrem-se ao grupo linguístico de maior prestígio em detrimento de suas línguas. Por assimilação, portanto, entende-se o processo pelo qual um grupo é levado a estar em conformidade com uma cultura e língua dominantes, por meio de práticas de coerção com vistas à substituição de suas línguas e culturas pelas do grupo dominante (SKUTNABB-KANGAS; MCCARTY, 2010). O termo subtração também é empregado para classificar esse tipo/modelo, uma vez que é promovida a substituição da língua do aluno e, em longo prazo, pode provocar a perda linguística intergeracional. Nesse caso, a orientação (RUIZ, 1984) que permeia a concepção dos programas, conforme mencionado em seção prévia, é a de língua- enquanto-problema, já que os indivíduos perpassam um processo de substituição de suas línguas, tidas como um problema para a sociedade a ser contornado no sistema educacional, por meio do ensino e difusão da língua majoritária da sociedade em que se inserem.

O segundo tipo de abordagem, o de manutenção, conforme o termo sugere, proporciona a aquisição de uma segunda língua pelos alunos ao mesmo tempo em que os encoraja a preservarem suas línguas maternas, suas línguas de herança cultural, tidas como um dos elementos constitutivos de sua identidade. É, portanto, uma forma de reconhecer os direitos linguísticos como direitos civis. Baker (2006) coloca que dois modelos de educação bilíngue podem ser encontrados na literatura sob esse rótulo: um, visando à manutenção da língua do aluno no mesmo nível de proficiência quando do seu ingresso no sistema de ensino; outro, visando ao desenvolvimento de ambas as línguas – a materna do aluno e as demais que ele aprende como segunda língua na escola. Esse último objetivo se relaciona ao modelo de enriquecimento.

O modelo de enriquecimento, classificação proposta por Hornberger (1996), visa a atender grupos de comunidades linguísticas minoritárias ou majoritárias, e o objetivo não reside somente na manutenção da língua trazida pelo aluno, mas também, segundo as palavras de Hornberger (1996, p. 464), “[...] development and extension

of the minority language varieties, cultural pluralism, and an integrated national society based on autonomy of cultural groups”37

. Nesse caso, a educação bilíngue é norteada por uma orientação que vê, nas línguas, um recurso potencial para a promoção do desenvolvimento social.

O quadro a seguir, traduzido de Hornberger (1996), oferece uma síntese dos tipos/modelos de educação bilíngue mencionados:

Quadro 1: Modelos de Educação Bilíngue.

Modelo de Transição Modelo de Manutenção Modelo de Enriquecimento Substituição

linguística Manutenção linguística

Desenvolvimento linguístico Assimilação cultural Fortalecimento da identidade

cultural Pluralismo cultural

Incorporação à

sociedade Afirmação de direitos civis Autonomia social

Fonte: Hornberger (1996).

Os programas de Educação Bilíngue existentes podem também se distinguir no que se refere: a) ao tempo de instrução a que os alunos são submetidos para a aprendizagem das línguas; b) ao perfil linguístico do alunado-alvo (membros de grupos linguísticos majoritários ou minoritários); c) ao perfil linguístico que se espera que o alunado possua ao final da instrução (monolíngues em uma língua majoritária; bilíngues com limitações em termos de proficiência em uma das línguas; ou, ainda, bilíngues com desenvolvimento da habilidade oral e escrita em ambas as línguas); d) à organização curricular em torno das línguas (modelo dual ou sequencial) ; e) à(s) língua(s) de instrução usada(s) em sala de aula.

A título de ilustração, cito aqui o caso da Escola Columbus Elementary School, em Columbus, no Estado de New Mexico, Estados Unidos da América. Trata-se de uma escola situada próxima da linha de fronteira, outro motivo pelo qual considero pertinente abordá-la, de modo a buscar compreender o que ocorre em outros recortes.

Diariamente, crianças residentes em Puerto Palomas, Chihuahua, no México atravessam o controle imigratório da fronteira para assistir aulas nessa escola, na qual recebem instrução por meio de um modelo

37 “[...] desenvolvimento e enriquecimento das variedades das línguas minoritárias, pluralismo

cultural e de uma sociedade nacional integrada baseada na autonomia de grupos culturais.” (HORNBERGER, 1996, p. 464, tradução nossa).

dual de imersão, em que aprendem conteúdos gradativamente em ambas as línguas: espanhol e inglês. A proposta do currículo escolar é a de que as crianças desenvolvam ambas as línguas, sendo inicialmente mais expostas à língua materna (representada na figura 1 como L1) e, ao final do último do ensino fundamental38, possuam a mesma carga horária de exposição para ambas as línguas.

Figura 1: Programa de Ensino Bilíngue Dual da Escola Columbus Elementary

School.

Fonte: http://columbus.demingps.org/.

Segundo informações veiculadas pelo Washington Post39, aproximadamente três dentre quatro crianças matriculadas na escola são de nacionalidade americana, porém são filhas de mexicanos residentes em Puerto Palomas e não são falantes de inglês como língua materna40.

38 Em inglês, trata-se do 5th grade (Elementary School). 39 Ver Layton (2013).

40 Essas crianças são de nacionalidade americana em razão de políticas que concedem a

mulheres mexicanas terem seus filhos no hospital mais próximo, que, nesse caso, está localizado em Deming, no Novo México, EUA. Naquele contexto, na década de 1950, as crianças mexicanas não precisavam necessariamente ser de nacionalidade americana para frequentarem a escola pública em Deming. No entanto, 20 anos depois, o condado passou a requerer a cidadania americana para efetuar as matrículas embora as crianças não necessitassem viver em território norte-americano.

Embora a presença delas na escola encontre antagonismos por parte de muitos americanos devido a questões em torno do nacionalismo, da destinação de impostos pagos por cidadãos americanos, por exemplo, segundo informação encontrada na página da escola a missão da instituição de ensino é assegurar às crianças educação de qualidade, tendo como visão construir um ambiente bilíngue em parceria com a família e comunidade de modo a capacitar seus alunos a alcançarem seu potencial educativo e social, e garantir a eles as habilidades necessárias para que se tornem cidadãos responsáveis41.

Mapa 2: Região de Fronteira entre o México e os EUA, com destaque para as