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3. REVISÃO DA LITERATURA

3.4 BIODIESEL

O desenvolvimento demográfico mundial em paralelo com o desenvolvimento industrial da sociedade têm sido os principais norteadores da busca por combustíveis alternativos aos derivados do petróleo. Com a necessidade de reduzir a emissão dos gases causadores do efeito estufa, oriundos principalmente do consumo de combustíveis fósseis pelo setor automotivo e para a geração de energia em unidades fabris. Com isso, os biocombustíveis, quando derivados de matérias-primas renováveis e produzidos por processos de reconhecida sustentabilidade ambiental, surgem como alternativas de amplo interesse social e político, particularmente quando o seu uso não exige adequações significativas na tecnologia (CREMONE et al, 2015;

LOSSAU et al., 2015).

Um substituto natural do diesel de petróleo é biodiesel, que pode ser produzido a partir de fontes renováveis como óleos vegetais, gorduras animais e óleos utilizados para cocção de alimentos (fritura) (HOLANDA, 2004; PRATA, 2018).

De todos os óleos vegetais, enquadrados na categoria de óleos fixos ou triglicerídeos a produção de biodiesel pode ser proveniente. Portanto constituem matéria-prima para a produção de biodiesel, os óleos das seguintes espécies vegetais: amendoim, milho, soja, polpa do dendê, amêndoa do coco de dendê, amêndoa do coco da praia, caroço de algodão, amêndoa do coco de babaçu, semente de girassol, baga de mamona, semente de colza, semente de maracujá, semente de pinhão manso, polpa de abacate, caroço de oiticica, semente de linhaça, semente de tomate, entre muitos outros vegetais em forma de sementes, amêndoas ou polpas (JESUS, 2018).

Também tem sido investigado e utilizados para produção de biodiesel óleo proveniente de algas e fungos. As algas são os organismos vegetais de crescimento mais rápido na natureza e tem a capacidade de converter grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2) em oxigênio.

Microalgas e outros microrganismos oleíferos também têm sido propostos e amplamente

estudados como fonte de lipídeos para a produção de biodiesel (KARPAGAM et al., 2015;

BAUMGARDT et al., 2016).

Os óleos e gorduras de animais possuem estruturas químicas semelhante às dos óleos vegetais, sendo moléculas triglicerídeas de ácidos graxos. As diferenças estão nos tipos e distribuições dos ácidos graxos combinados com o glicerol. Desta forma, devido às semelhanças com os óleos vegetais fixos, as gorduras animais também podem ser transformadas em biodiesel. Alguns exemplos de gorduras de animais, possíveis de serem transformados em biodiesel, são o sebo bovino, óleos de peixes, óleo de mocotó, banha de porco, gordura de galinha, entre outras matérias graxas de origem animal, que podem ser obtidas em curtumes, frigoríficos e abatedouros de animais de médio e grande porte (SBRT, 2007).

Tem como definição química como sendo um éster monoalquílico de ácidos graxos derivados de lipídeos de ocorrência natural e pode ser produzido, juntamente com a glicerina, através da reação de triacilgliceróis (ou triglicerídeos) com etanol ou metanol, na presença de um catalisador ácido ou básico (SCHUCHARDT et al., 1998; RAMOS, 1999; ZAGONEL &

RAMOS, 2004).

Esta tem sido a definição mais amplamente aceita desde os primeiros trabalhos relacionados com o tema, porem alguns autores preferem generalizar o termo e associá-lo a qualquer tipo de ação que promova a substituição do diesel na matriz energética mundial, como nos casos do uso de: (a) óleos vegetais in natura, quer puros ou em mistura; (b) bio óleos, produzidos pela conversão catalítica de óleos vegetais (pirólise); e (c) micro emulsões, que envolvem a injeção simultânea de dois ou mais combustíveis, geralmente imiscíveis, na câmara de combustão de motores do ciclo diesel (MA & HANNA, 1999).

Pela ANP o biodiesel é um biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em motores a combustão interna com ignição por compressão ou, conforme regulamento, para outro tipo de geração de energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil (CORDELLINI, 2018).

Pode ser aplicado o termo biodiesel a qualquer combustível de origem renovável adequado ao uso em motores do ciclo-diesel, entretanto, apenas a mistura de monoésteres graxos, que pode ser obtida a partir da modificação química de óleos vegetais ou gorduras animais. Esses monoésteres graxos podem ser produzidos utilizando-se processos de transesterificação, esterificação ou interesterificação. É possível ainda o uso de processos híbridos, normalmente destinados a matérias-primas de maior complexidade, como a esterificação e transesterificação simultâneas, a esterificação seguida por transesterificação e a hidroesterificação (ANP, 2014). Naturalmente, cada processo tem virtudes e limitações e uma

delas é a sensibilidade à qualidade da matéria-prima, que pode levar a sérios problemas de processamento na usina (RAMOS et al., 2011).

A reação de transesterificação pode ser realizada em meio ácido ou básico e tendo normalmente um álcool empregado como solvente, o que favorece a formação deste novo éster.

Contudo, a presença de um catalisador acelera consideravelmente esta conversão, como também contribui para aumentar o rendimento da mesma (SCHUCHARDT, et al. 1998).

O processo mais utilizado na indústria para produção do biodiesel é a transesterificação em meio alcalino homogêneo. Nesse método (Figura 6), um mol de triacilglicerídeo reage com três mols de um álcool de cadeia curta para produzir três mols de monoésteres graxos e um mol glicerina (principal coproduto) (SCHUCHARDT et al., 1998).

Figura 6. Transesterificação de triacilglicerídeos com metanol em meio alcalino.

Fonte: (RAMOS et al., 2017)

O nucleófilo da reação é o íon alcóxido, comumente produzido in situ mediante o uso de bases de Brönsted Lowry, como os hidróxidos de metais alcalinos. Para cada mol de íons alcóxido gerado in situ, um mol de água também é produzido. A água provoca a hidrólise de ésteres e diminui o rendimento do processo. Sendo assim, sempre que possível, a adição direta de íons alcóxido no meio de reação deve ser considerada (SCHUCHARDT et al., 1998).

O ataque nucleófilo ao carbono carbonílico do triacilglicerídeo (eletrófilo) gera um intermediário tetraédrico, (Figura 6). A reação no sentido direto mostra que o colapso deste

intermediário produz uma molécula de monoéster graxo e a base conjugada de um diacilglicerídeo que após protonada dará origem ao próprio diacilglicerídeo. Esta sequência de reações é então repetida de modo que o diacilglicerídeo também é atacado pelo nucleófilo, dando origem a outra molécula de monoéster graxo e uma molécula monoacilglicerídeo que, ao reagir novamente pelo mesmo mecanismo, resulta em uma terceira molécula de monoéster graxo e uma molécula de glicerol. A análise do intermediário tetraédrico evidencia que esse é um processo de equilíbrio, pois o colapso do intermediário no sentido direto ou inverso seria acompanhado da eliminação de íons alcóxido, ou seja, espécies de basicidade semelhantes. Para deslocar o equilíbrio no sentido de produção do biodiesel, é comum o uso de álcool em amplo excesso estequiométrico, sendo comuns razões molares (RM) de até 12:1 (RAMOS et al., 2011).

O metanol é o álcool mais utilizado para produção do biodiesel, no Brasil e no mundo, por possuir vários fatores que contribuem para essa escolha. Um desses fatores é o custo do metanol no mercado internacional, é menor que o do etanol. Conforme observado no mecanismo de transesterificação em meio alcalino (Figura 6), a base conjugada do álcool utilizado como agente de transesterificação é o nucleófilo da reação e, por ser pouco volumoso, o íon metóxido é um bom nucleófilo para reagir com o carbono eletrofílico. Além disto, a temperatura de ebulição do metanol é relativamente baixa (~65 °C), o que facilita a recuperação do excesso por processos de destilação. Por outro lado, o etanol gera um nucleófilo com maior obstrução estérica, dificultando sensivelmente a reação. Embora a temperatura de ebulição do etanol (~ 78 °C) seja apenas ligeiramente superior à do metanol, a recuperação do excesso é dificultada pela formação de azeotrópos, fenômeno não observado quando do uso do metanol como agente de transesterificação. Apesar do etanol ter preço competitivo no Brasil, o metanol ainda é o álcool mais utilizado para produção do biodiesel no país (CORDEIRO et al., 2011;

RAMOS et al.,2011).

A partir da década de 90 aparecem a catálise enzimática para síntese do biodiesel como uma resposta aos aspectos de desvantagem da catálise alcalina homogênea tradicionalmente utilizada na indústria, principalmente pela perspectiva de utilização de materiais de partida com altos teores de água e de ácidos graxos livres e o apelo ambiental decorrente da utilização de processos mais brandos (RAMOS et al., 2017).

A principal vantagem do processo enzimático de síntese do biodiesel é que o material de partida não precisa ser livre de umidade ou de ácidos graxos livres, tendo em vista que lipases podem catalisar reações de esterificação e de transesterificação, em presença de água, em um mesmo processo de síntese. Além disso, como não são formados sabões, a purificação do

biodiesel é facilitada e o glicerol gerado como coproduto da reação de transesterificação pode ser recuperado com maior índice de pureza (CHRISTOPHER et al., 2014).

Esforços têm sido feitos para a utilização de biocatalisadores que sejam ativos e estáveis em meios livres de solventes. Uma desvantagem alegada do processo enzimático de síntese do biodiesel é o longo tempo de reação para se atingir altas conversões, o que geraria uma baixa produtividade do processo. Entretanto, vários trabalhos relatados na literatura mostram que quando são utilizados reatores de leito fixo operados em modo contínuo e lipases imobilizadas comerciais, conversões elevadas podem ser obtidas (acima de 67 %) em tempos de residência que variam de 8 a 136 min. Para reatores de leito fixo ou de tanques agitados, operados em modo de batelada, são relatados tempos de 3 até 88 h. Comparando aos tempos médios da catálise química (cerca de 1 h), verifica-se que, no quesito produtividade, o processo enzimático pode se equiparar ao processo químico, dependendo do tipo do preparado enzimático, do tipo de biorreator e do modo de operação utilizado (RAMOS et al., 2017).

O menor gasto energético (baixas temperaturas), a fácil remoção do glicerol e a simples purificação de ésteres alquílicos são evidências para os ganhos ambientais desse processo.

Possuem diversos benefícios na produção de biodiesel, haja vista que há redução de energia, no processo não há corrosão dos equipamentos, o custo no tratamento de resíduos é baixo, além de um aproveitamento maior, pois não se obtém formação de produtos secundários evitando assim o desperdício (GAMBA, 2009; SOUZA et al., 2015; SILVA, 2018; MAGALHÃES, 2019).

Não gera rejeito aquoso alcalino, possui menor produção de contaminantes, maior seletividade e reaproveitamento, causando menor impacto ambiental. No entanto, a enzima possui alto custo, se comparada com o catalisador químico, sendo a principal desvantagem do processo enzimático (URIOSTE, 2004).

Os primeiros estudos relacionados ao uso de óleos vegetais e seus derivados como combustíveis alternativos ao diesel de petróleo no Brasil tiveram início logo após a Primeira Guerra Mundial, por motivos de segurança nacional (RICO & SAUER, 2015). Com a criação do Programa Pro-óleo em meados da década de 70 esses estudos ascenderam, cujos resultados foram posteriormente registrados na forma de relatórios oficiais do governo brasileiro (MIC, 1985).

Após a crise do petróleo da década de 1970, discutiu-se alternativas energéticas em substituição às fontes de origem fóssil. Nesse sentido foi criado o Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL), com o objetivo de incentivar a produção e o consumo de álcool como combustível no Brasil (RICO & SAUER, 2015).

Da mesma forma, a produção e o consumo de biodiesel no Brasil foram determinados por meio da Medida Provisória nº. 214/2004, convertida na Lei nº. 11.097/05. Essa lei, contida no Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), pode ser considerada como um marco na história do biodiesel no Brasil, uma vez que é a partir dela que o biodiesel encontra sustentáculo jurídico na legislação brasileira. A principal diretriz do programa é implantar um modelo de energia sustentável, a partir da produção e uso do biodiesel obtido de diversas fontes oleaginosas, que promova a inclusão social, garantindo preços competitivos, produto de qualidade e abastecimento (WITT, 2018).

No início de 2004 foi realizado a mistura de biodiesel ao diesel fóssil, em caráter autorizativo. Em 2008, entrou em vigor a mistura legalmente obrigatória de 2% (B2), em todo o território nacional, de acordo com o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel PNPB. Com o perceptível amadurecimento do mercado brasileiro, esse percentual foi ampliado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) sucessivamente até atingir 5% (B5) em 2010, antecipando em três anos a meta estabelecida pela Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005 (RAMOS et al., 2017).

Dentre os biocombustíveis, o biodiesel é o que mais vem se destacando como substituto ao óleo diesel utilizado no setor de transportes (HOSSEINZADEH-BANDBAFHA et al., 2018). Além disso, ele vem se mostrado um dos biocombustíveis mais promissores, apresentando benefícios como biodegradabilidade, sustentabilidade e baixa emissão de poluentes (SYAFIUDDIN et al., 2020). Atualmente o biodiesel conta com um percentual mínimo no diesel de 13% (B13), sendo que, de acordo com o cronograma estabelecido, o teor mínimo será estendido 1% a cada ano, até atingir o percentual de 15% em 2023 (ANP, 2021a).

As desvantagens do processo químico convencional podem ser suplantadas com a introdução da rota enzimática de catálise do biodiesel. Sendo inúmeras as vantagens deste processo, tais como o emprego de condições brandas de temperatura, a conversão de ácidos graxos livres e triacilglicerídeos em uma única etapa, as baixas razões molares (álcool: óleo) requeridas, a obtenção de produtos mais puros e processos mais limpos que dispensam as etapas de lavagem dos produtos, evitando assim a geração de efluentes tóxicos, e a sua consequente sustentabilidade ambiental. Entretanto, ainda existem muitos desafios na implantação plena de processos industriais de síntese enzimática do biodiesel e para que ocorra um maior desenvolvimento na área, há necessidade de se ter enzimas robustas, com alta atividade e estabilidade em condições agressivas da produção de biodiesel. Isto pode ser atingido pelo isolamento de novos microrganismos produtores de lipases, por técnicas de melhoramento das propriedades de lipases já existentes ou ainda pela produção de lipases recombinantes com altas

atividades e estabilidades nos meios de reação (ZAKS & KLIBANOV, 1985; VILLENEUVE et al., 2000; CHRISTOPHER et al., 2014; KOCHEPKA et al., 2015).

Muitos trabalhos têm sido realizados na transesterificação catalisada por lipase de triglicerídeos. Pesquisadores de todo o mundo vêm tentando superar as limitações de uma produção de biodiesel catalisada por enzimas, tentando reduzir o alto custo da enzima, o baixo rendimento, o alto tempo de reação, a necessidade de solventes orgânicos e a necessidade de água na mistura de reação (BAJAJ et al., 2010; SAXENA, 2016; MENDES, 2019).

A transesterificação enzimática consiste na modificação lipídica realizada pelas lipases e tem vantagem de permitir maior controle sobre a distribuição posicional dos ácidos graxos no produto final, devido a seletividade e regioespecificidade das lipases (ANDRADE, 2012;

GODOY, 2019).

Ocorrem algumas etapas na reação de transesterificação enzimática, como a fase contendo o glicerol, denominada de pesada, que pode ser simplesmente separada da fase com o biodiesel, denominada de leve, sendo que após a separação não há necessidade de desodorização nem neutralização do produto final, reduzindo assim o tempo de reação.

Igualmente como ocorre no processo de transesterificação por catalise básica, o excesso de álcool utilizado, tende a deslocar a reação no sentido da formação do produto e desta forma, elevar o rendimento de biodiesel e o biocatalisador pode ser utilizado por várias vezes (MENDES, 2019). A (Figura 7) ilustra o processo enzimático da produção de biodiesel.

Figura 7. Processo enzimático da produção de biodiesel.

Alguns trabalhos encontrados na literatura utilizam reações enzimáticas para produção de biodiesel. Mendes (2019) selecionou fungos filamentosos de folhas decompostas no rio Buritizal, Estado do Tocantins onde foram rastreados para produção de lipase com atividade hidrolítica e esterificação. Fusarium solani apresentou a maior produção de lipase, com 2,37 U/mL e atividade de esterificação de 0,07 U/mL. Entre os óleos vegetais avaliados no trabalho, o óleo de algodão degomado induziu a produção de lipase em (1212,90%), 8,14 U/mL. Sendo que as lipases produzidas por F. solani tem potencial para aplicação e uso na produção de

biodiesel, podendo ser uma alternativa aos processos convencionais na produção de biocombustíveis.

Nos Estados Unidos, a empresa Blue Sun Biodiesel (St. Joseph, MI) desenvolveu um processo de síntese de biodiesel por transesterificação enzimática com capacidade de 30.000 toneladas por ano com uma lipase comercial imobilizada, no qual é possível usar praticamente qualquer matéria-prima sem limite para o seu teor de ácidos graxos livres (LANE, 2014).

Processos bifásicos que utilizam lipases livres (não imobilizadas) também têm sido amplamente investigados. Em 2012, a empresa Piedmont Biofuels (Carolina do Norte, EUA) desenvolveu uma nova tecnologia de síntese enzimática do biodiesel, na qual podem ser utilizados materiais de partida com elevados índices de acidez e lipases livres contidas na fase aquosa. Segundo a empresa, o processo também pode ser adaptado para lipases imobilizadas e, em ambos os casos, a enzima pode ser reutilizada por vários ciclos de reação (CHRISTOPHER et al., 2014).

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