• Nenhum resultado encontrado

De acordo com a primeira parte desta investigação, a droga e todas as categorias sociais que a tornam um objecto não decorrem apenas da estrita relação indivíduo/substância, mas emergem numa construção social pela qual as substâncias se transformam em

droga, ou seja, num objecto de que se partilham efeitos culturalmente induzidos.

Os conhecimentos sobre a droga e o toxicodependente constroem-se a partir de um processo de subsunção das inerentes âncoras empíricas do objecto em causa no âmbito das representações sociais que produzem e fazem circular o conhecimento dessa realidade.

Neste sentido, temos como objectivo analisar as representações sociais da droga e da

toxicodependência e a forma como os próprios técnicos que intervêm na área da toxicodependência a problematizam e conceptualizam. As representações sociais são

marcadas por uma componente funcional significativa, na medida em que interferem nos processos cognitivos do sujeito e em que orientam a forma como se processa a informação. Por outro lado, as representações sociais influenciam o sujeito a agir de determinada forma em relação ao objecto em questão, neste caso a droga e o sujeito

toxicodependente.

De acordo com Abric (1994), pode considerar-se que em determinadas situações as representações sociais orientam as práticas, especialmente se os sujeitos dispõem de algum grau de autonomia de acção e desempenham tarefas complexas.

Outra questão que se coloca é a de saber em que medida nos técnicos de saúde, existem características específicas que os diferenciam (ou não) da sociedade em geral na forma como encaram o objecto droga e o toxicodependente. Será que estes técnicos possuem um conjunto de motivações específicas, para desempenharem a sua actividade, que os

diferencia da sociedade em geral? Ou, pelo contrário, será que é a sua atitude perante esta problemática que conduz aos discursos e às práticas sociais e quotidianas que se observam e na forma como evoluem.

No quadro desta problemática pudemos, assim, sistematizar como objectivos desta investigação os seguintes:

1. Conhecer as representações sociais da droga e da toxicodependência nos diferentes técnicos (profissionais de saúde) que se confrontam privilegiadamente com o objecto em causa;

2. Identificar a variabilidade das representações sociais em função dos grupos observados (médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e técnicos psicossociais);

3. Dissecar a relação entre dimensões das representações sociais, comparando eventuais correlações entre os modos de pensar as drogas e as atitudes sociais e as evoluções políticas e institucionais que foram emergindo ao longo das várias épocas.

7.2-METODOLOGIA

Segundo Fortin (2003, p. 131) a fase metodológica “consiste em precisar como o

fenómeno em estudo será integrado num plano de trabalho que ditará as actividades conducentes à realização da investigação”. Neste capítulo pretende-se descrever o

conjunto de métodos e técnicas que nos guiaram no processo de pesquisa, de forma a dar resposta à questão de investigação.

Método é uma palavra de origem grega - Methodos que significa: caminho para (…) Levando-nos a pensar nas diferentes opções de estudo que o investigador pode fazer, perante o seu objecto de estudo.

Em qualquer investigação sistemática ou pesquisa científica, a definição do objecto a ser investigado, das vias metodológicas ou dos caminhos e estratégias de abordagem que se fazem necessárias e dos sujeitos ou dos elementos com os quais se processará a investigação, exige a explicitação dos pressupostos teóricos que a norteiam. São estas referências que balizam a delimitação do objecto a ser investigado, definem os caminhos mais pertinentes para a sua apreensão, estabelecem o universo e os sujeitos da pesquisa nos seus espaços, tempos e relações.

Esta pequena introdução revela-nos os caminhos percorridos ao longo desta investigação. Este percurso e as estratégias adoptadas não foram aleatórios ou neutros, nem tão pouco opções apriorísticas. Assim, existiu sempre um esforço de coerência entre a teoria e os pressupostos da mesma, tal como foram delimitados, como garantia de consistência à própria investigação.

Nesta investigação não fomos alheios a alguns dados quantitativos, já que pensamos que poderão contribuir para um aprofundamento da nossa análise. Assim, poder-se-ão encontrar os dados relativos aos utentes em Tratamento, ao longo dos diferentes anos nas estruturas que pertencem ao Ministério da Saúde. Com efeito, alguns objectos de investigação sugerem a utilização de métodos e técnicas de carácter mais quantitativo

(quando o universo em estudo é muito vasto). A lógica extensiva é caracterizada pelo uso dominante de técnicas quantitativas. A sua principal vantagem é o facto de permitir o conhecimento em extensão de fenómenos e, é com base neste propósito que vamos apresentar alguns resultados que foram recolhidos a partir dos diferentes relatórios de Actividades do ex-Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência e do

Instituto da Droga e da Toxicodependência.

Esta informação só foi possível ser obtida, pelo privilégio que a própria investigadora teve, uma vez que na sua prática profissional quotidiana é responsável pelo Tratamento destes dados, já que desde 2000 trabalha no Núcleo de Apoio Técnico do Instituto da

Droga e da Toxicodependência.

Podemos, de uma forma reduzida, desenhar os estudos em apenas dois tipos: quantitativo ou qualitativo. A opção tomada para este estudo foi a de um caminho qualitativo, pois estes, “baseiam-se na presunção de que a realidade é socialmente

construída” (Quartilho, 2001, p. 45). Na perspectiva deste autor, neste tipo de

metodologia, as pessoas não serão um número ou uma variável, mas sim, uma história, pessoas num determinado contexto social e cultural. Não é uma escolha de o mais certo ou o mais indicado, mas sim e, com certeza, que poderá ter a ver com as escolhas da própria investigadora em termos teóricos. Escolher a metodologia qualitativa significa seguir alguns passos, ou seja, utilizar um tipo de ferramenta para recolha de informação que será diferente da metodologia quantitativa. Esta recorre a uma ferramenta que é a análise de conteúdo das próprias entrevistas. A investigação qualitativa aceita as sensibilidades pós-modernas, reconhecendo que o mundo é povoado por múltiplas histórias, convivendo entre si, apesar das diferenças. Talvez por esta razão, a investigação qualitativa é também um reino de diversidade, onde se escondem múltiplos paradigmas, ainda em desenvolvimento, num espectro multidimensional e pluralista. Assim, optou-se pela realização de entrevistas junto dos técnicos que trabalham no

Instituto da Droga e da Toxicodependência, como método de recolha da informação.

A opção pelas entrevistas semi-estruturadas partiu do princípio de que a conversação é um dos espaços privilegiados do surgimento da representação social e que este tipo de instrumento, apesar das suas limitações, é o que se aproxima de estabelecer algo

semelhante a uma conversa. Ao longo desta investigação não houve necessidade de realizar um pré-teste, já que o que se pretendia era perceber o discurso dos diferentes técnicos sobre o objecto em estudo. Por outro lado, a revisão bibliográfica e conceptual permitiu-nos ultrapassar esta fase e passarmos automaticamente para a aplicação das entrevistas. Assim, realizámos algumas questões/tópicos que eram importantes serem abordados ao longo das entrevistas (anexo n.º 1).

Neste caso, as entrevistas foram gravadas para posterior transcrição integral, ou seja, não foram apenas as palavras proferidas que tivemos em conta, mas as hesitações, gaguejos, correcções, repetições, risos, pausas e sua duração. Assim, a análise dos processos discursivos teve como pressuposto apreender e relacionar as transformações que foram dando forma ao objecto, nas articulações dos temas e das formas.

O tratamento das transcrições pressupôs a leitura exaustiva e atenta de cada entrevista. Esta leitura veio permitir a progressiva emersão do investigador no material, facilitando a demarcação de temas e a captação das suas transformações ao longo do processo discursivo.

Não esteve em questão separar temas em compartimentos estanques mas captar, na entrevista, o encadeamento do que ia sendo abordado, as formas pelas quais se dava a abordagem e as transformações que se iam operando. Depois, partiu-se para a realização do Tratamento comparativo dos discursos, procurando captar não só as variâncias e invariâncias, mas, sobretudo, indícios da reconstrução selectiva do objecto e da sua inserção em contextos próprios aos valores, modelos e símbolos característicos às pertenças e referências dos sujeitos, dos núcleos figurativos ou imaginéticos de diferentes ordens, presentes no conjunto do material, dando contorno ao objecto de estudo.

O tratamento comparativo do processo discursivo de entrevistas veio permitir que se chegasse à captação dos momentos da objectivação e da ancoragem das representações do objecto droga e do toxicodependente, considerando-os nos indícios presentes nos discursos.

A interpretação não foi automática nem fácil. Ela não aconteceu automaticamente ao fim da análise de dados. Ela teve que ser preparada com detalhe e antecedência, caso contrário não tínhamos material para interpretar.

Assim, a consistência teórica não podia faltar, uma vez que se trabalha sempre a partir de uma referência conceitual e foi preciso apoiarmo-nos nela para a interpretação. Por outras palavras, os conceitos da teoria vieram clarificar as respostas que fomos obtendo junto dos técnicos entrevistados. É preciso dominar os conceitos e conhecer as aplicações prévias dos mesmos, de modo a ser possível chegar a conclusões relevantes e pertinentes sobre o objecto em estudo.

As sínteses a que se pôde chegar pela consideração do processo discursivo pretende dar conta das marcas do sujeito no social, no mesmo movimento pelo qual o social marca aqueles que o fazem e constituem. Por fim, é importante salientar que a interpretação também ela sofre os condicionalismos de quem a faz.