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As disparidades de rendimento são um problema que afecta uma parte significativa da população mundial, não só nos países denominados “pouco desenvolvidos” como também naqueles cujas economias exibem, há longos períodos de tempo, padrões de crescimento sustentado. O problema das disparidades de rendimento surge como um alvo de políticas sociais. Como tal, focando o caso português, o Rendimento Social de

Inserção nasce como uma tentativa de inverter o problema. Tentando conciliar

objectivos de equidade e de eficiência, o RSI tenta garantir padrões mínimos de qualidade de vida a pessoas carenciadas, ao mesmo tempo que procura que isso não as

estimule à inactividade, mas sim à sua inserção na sociedade e na vida activa, caso tenham capacidades a desenvolver nesse sentido.

Ao longo dos tempos, sobretudo no século XX, as sociedades aprenderam que era necessário institucionalizar a solidariedade, a partir de mecanismos de redistribuição do rendimento que permitissem, pelo menos, atenuar as desigualdades, com o objectivo de preservar a dignidade humana, manter a coesão social e de garantir que as pessoas mais pobres tenham acesso a um limiar mínimo de recursos que lhes permita satisfazer as necessidades mais básicas ao nível da educação, saúde, habitação e outras.

Neste sentido, em 1997 foi introduzido em Portugal, um programa de combate à pobreza denominado de Rendimento Mínimo Garantido (RMG). Cumpriu-se, embora tardiamente, a recomendação de 1992 do Conselho de Ministros da União Europeia para que todos os Estados-Membros reconhecessem “o direito fundamental dos indivíduos a

recursos e prestações suficientes para viver em conformidade com a dignidade humana”. Portugal foi o penúltimo país da União Europeia a adoptá-lo.

Segundo Ramos (2005) o Rendimento Mínimo Garantido, criado em Portugal, em 1996, e aplicado a partir de 01/07/1997, que visa a promoção da coesão social, estabelece uma prestação do regime não contributivo da segurança social e um programa de inserção, com o objectivo de garantir aos indivíduos e seus agregados familiares, “quer recursos

para a satisfação das suas necessidades fundamentais, quer uma progressiva inserção social e profissional”.

O RMG baseava a sua intervenção num princípio de solidariedade nacional, apresentando-se como um direito de cidadania. A implementação deste tipo de medidas apresentava algumas características inovadoras. Em primeiro lugar, o RMG garantia o direito à subsistência de todos os que não têm recursos, independentemente do motivo ou de terem alguma vez contribuído para o sistema de segurança social. Esta componente vem reafirmar o papel protector do Estado no domínio da subsistência. Em segundo lugar, pelo facto deste direito ser acompanhado de uma contrapartida de esforço de inserção, o Estado está-se a comprometer a apoiar as situações de ruptura de rendimentos perante um esforço pessoal e familiar de Reinserção Social e/ou

profissional. Em terceiro lugar, era uma medida territorializada, isto é, as decisões eram tomadas a nível local. Segundo António Bagão Félix (2002), quando Ministro da Segurança Social e do Trabalho, na sua apresentação da proposta da Lei sobre o

Rendimento Social de Inserção “O Estado apela a uma estrutura de parceria alargada para que se encontrem os recursos de inserção, garantindo o “rendimento mínimo”, assistindo-se simultaneamente, a uma territorialização das políticas de protecção social e a um alargamento da base de responsabilidade colectiva no encontrar e accionar recursos face à exclusão social”.

Desde 1996, a experiência demonstrou que o RMG foi aplicado com muitas deficiências. Passados cinco anos de vigência do RMG, tornou-se necessário repensar alguns pontos desta medida, não pondo em causa a sua bondade social e muito menos os objectivos que visou atingir, mas tornou-se necessário modificar o que estava mal ou o que funcionava deficientemente. É desta forma que se propõe o Rendimento Social de

Inserção, de modo a aprofundar o carácter social da prestação e, ao mesmo tempo,

conferindo-lhe maior eficácia, maior transparência e uma maior exigência e rigor na atribuição e fiscalização. “Alteram-se a filosofia e as regras para se gastar melhor com

quem efectivamente mais carece de apoio. E procura-se melhorar a fiscalização para distribuir com mais qualidade social.” António Bagão Félix - proposta da Lei sobre o

Rendimento Social de Inserção (14-06-2002).

Assim sendo, o RSI vem reforçar a natureza social do Rendimento Mínimo Garantido, pois, vai no sentido de promover a inclusão dos mais carenciados, os mais vulneráveis, os mais fragilizados e aqueles em relação aos quais a pobreza afecta de forma mais severa. “A justiça social reforça-se apoiando diferentemente aquilo que é desigual e

não em igualizar o que carece de Tratamento diferenciado” (idem). Por outro lado, vem

realçar o carácter transitório da prestação, penalizando de forma mais severa o incumprimento dos compromissos assumidos pelos titulares e beneficiários, bem como qualquer comportamento considerado abusivo ou fraudulento e introduzindo condições mais restritas ao acesso e manutenção do direito à prestação; por isso, termina com a renovação automática do direito, instituindo a necessidade de apresentação de meios de prova legalmente exigidos para renovar o direito ao RSI e ao nível da fiscalização,

estabeleceu-se com o RSI um sistema complementar de fiscalização por sorteio, de incidência aleatória e periodicidade regular. Outra inovação prende-se com o facto de ter sido criado um novo sistema de responsabilização que possibilitam as Instituições

Particulares de Solidariedade Social (IPSS) de participarem no processo de

desenvolvimento de acções de inserção inerentes ao RSI, celebrando protocolos com as entidades distritais da Segurança Social, tendo como objectivo o envolvimento da própria sociedade no processo de inclusão dos beneficiários.

Instituído pelo Decreto Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio o Rendimento Social de Inserção vem substituir a Rendimento Mínimo Garantido, define-se como uma medida de política visando garantir às famílias mais pobres um rendimento que lhes permita aceder, por um lado, a um nível mínimo de subsistência e de dignidade e, por outro, a condições e oportunidades básicas para o início de um percurso de inserção social. O RSI é composto por duas vertentes: uma, consiste numa prestação pecuniária; a outra, está relacionada com um programa de inserção sócio-profissional que os beneficiários são obrigados a subscrever (excepto em geral por motivos de idade ou saúde). Por outras palavras, pode-se descrever o RSI como “uma prestação incluída no subsistema

de solidariedade e num programa de inserção, de modo a conferir às pessoas e aos seus agregados familiares apoios adaptados à sua situação pessoal, que contribuam para a satisfação das suas necessidades essenciais e que favoreçam a progressiva inserção laboral, social e comunitária”(Art.1º, Capítulo I, Decreto Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio). Os destinatários do RSI são todos aqueles indivíduos e famílias que se encontrem numa situação grave de carência económica. Para serem titulares do direito ao rendimento social de inserção, os indivíduos têm que ter idade igual ou superior a 18 anos, ou inferior se tiverem menores na sua dependência ou no caso de mulheres grávidas; não podem auferir rendimentos ou prestações sociais, próprios ou do conjunto dos membros que compõem o agregado familiar, superiores aos definidos na presente lei; devem fornecer os meios de prova necessários à verificação da situação da carência económica; possuir residência legal em Portugal e por último, devem assumir o compromisso de subscrever e prosseguir um programa de inserção social legalmente previsto, através da disponibilidade activa para o trabalho, para a formação ou para outras formas de inserção que se revelem adequadas. O valor da prestação encontra-se

indexado ao valor legalmente fixado para a pensão social. O seu montante é igual à diferença entre o valor do RSI correspondente à composição do agregado familiar (por cada pessoa maior até à segunda - 100%, por cada indivíduo maior a partir do terceiro - 70%, por cada indivíduo menor - 50%) e a soma dos rendimentos daquele agregado. Para efeitos de determinação do montante da prestação do RSI considera-se o total dos rendimentos ilíquidos do agregado familiar, independentemente da sua origem ou natureza, nos 12 meses anteriores à data de apresentação do requerimento, e não apenas no último mês como acontecia com o RMG. Apenas entram para o cálculo 80% dos rendimentos de trabalho, deduzidos os montantes referentes às contribuições obrigatórias para os regimes de segurança social. Durante o período de concessão do

RSI apenas são considerados 50% dos rendimentos de trabalho.

De maneira a realçar a componente social introduziram-se apoios especiais. Assim sendo, o montante é acrescido, quando existirem no agregado familiar pessoas portadoras de deficiência física ou mental profunda, pessoas portadoras de doenças crónicas e pessoas idosas em situação de grande dependência. Esta componente também tem como objectivo conceder apoios à maternidade. Nos termos do art. 18º do Decreto Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, o programa de inserção “tem subjacente o relatório

social e dele devem constar os apoios a conceder, assim como as obrigações assumidas pelo titular do direito ao RSI e, se for caso disso, pelos restantes membros do seu agregado familiar”. Estas acções devem consubstanciar-se em: “aceitação de trabalho ou de formação profissional; frequência do sistema educativo ou de aprendizagem; participação em programas de ocupação ou outros de carácter temporário que favoreçam a inserção no mercado de trabalho ou satisfaçam necessidades sociais, comunitárias (…). “Um dos grupos alvo a que se destina esta medida são os chamados “grupos portadores de especiais desvantagens”, tais como os deficientes, os ex- reclusos ou os toxicodependentes. O objectivo, neste caso, é o de criar “factores de integração” que permitam, entre outros fins, o acesso ao emprego a pessoas que são normalmente marginalizadas ou sobre as quais recai um estigma social que não lhes permite ter as mesmas taxas de actividade do resto da população”.

O RSI é conferido pelo período de 12 meses, podendo ser renovado mediante a apresentação dos meios de prova legalmente exigidos para a renovação. Cessa quando não se verificarem os requisitos e condições de atribuição, na falta de celebração do programa de inserção, no caso de entregarem falsas declarações e por morte do titular. A Comissão Nacional de Rendimento Social de Inserção é o órgão que trata do acompanhamento da actividade desenvolvida e da avaliação da execução da legislação do rendimento social de inserção e da sua eficácia social.

A implementação do programa no terreno cabe às Comissões Locais de

Acompanhamento que analisam caso a caso. Uma das grandes virtudes desta medida é a

sua actuação local e a tentativa de coordenação das políticas disponíveis nos diversos domínios de uma mesma base. Estes domínios são as chamadas áreas de inserção, estando previstas acções no âmbito do emprego, da formação profissional, da

educação, da saúde, da acção social e da habitação. Uma vez que o RSI pretende ser

um apoio temporário, o acordo de inserção celebrado entre o titular da prestação e os indivíduos que integram o seu agregado familiar e a Comissão Local de Acompanhamento envolvido no processo, deverá procurar soluções de inserção social que privilegiem uma futura autonomia do agregado familiar. O financiamento desta prestação pecuniária e respectivos custos é efectuado por transferência do Orçamento do Estado, nos termos previstos na Lei de Bases da Segurança Social.

Há outras disposições na regulamentação do RSI que tentam evitar o tipo de ineficiência atrás referido e promover a inserção social dos beneficiários. Com efeito, o Rendimento

Social de Inserção associa uma prestação pecuniária de apoio ao rendimento com um

programa de inserção negociado entre os beneficiários e as Comissões Locais de Acompanhamento. Esta relação tem em consideração duas dimensões que apesar de satisfazerem duas necessidades diferentes, são complementares no processo de autonomia face à medida. O percurso desta política social tem de ser encarado como um processo, onde se vão atingindo diferentes patamares e onde se vão exigindo recursos sucessivamente mais complexos. Para a maioria dos beneficiários e para a maior parte da população, a primeira imagem do RSI, é a prestação pecuniária. A experiência retrata a importância do RSI, quer pelo seu montante como também pelo facto de estabilizar e assegurar um rendimento às famílias atingidas pela instabilidade económica.

Desta forma, segundo um estudo para o Ministério da Segurança Social e do Trabalho – “Avaliação de impactes do rendimento mínimo garantido” (2001-2002), são propostas algumas recomendações que são essenciais para as populações em situação de fragilidade. Neste sentido, deve-se reforçar o carácter regular da prestação, de maneira a garantir a sobrevivência diária e a satisfação das necessidades básicas, só assim as pessoas mais carenciadas poderão estruturar os seus modos de vida, através de uma organização mais autónoma da vida quotidiana e desenvolver a sua auto-estima. A ideia de que o recebimento da prestação RSI é uma via de subsídio-dependência deve ser combatida, pois na maioria das situações estes rendimentos surgem como indispensáveis, sendo o único meio de subsistência para determinados grupos que dificilmente encontram as condições para se tornarem autónomos. Outra recomendação surge do facto dos beneficiários beneficiarem do montante da prestação em detrimento da dimensão de inserção do RSI.

Desta forma, deve-se intensificar o papel dos beneficiários nos programas de inserção, concedendo-lhes o estatuto de construir a medida e não como meros receptores da mesma, ou seja, este tipo de medida social deve ir ao encontro das necessidades de cada beneficiário. Deve ser feita uma reflexão sobre a forma como os indivíduos se comportaram e que estratégias mobilizaram para sobreviver até ao momento em que requereram o RSI, porque as propostas de solução que o próprio sugere de maneira a resolver os seus problemas serão, certamente, mais adequadas do que outras quaisquer. Outra proposta que o estudo nos dá é a de que se deve alargar a fase de negociação no tempo, de maneira a tornar compatíveis as necessidades do indivíduo e a medida. Para uma medida ser bem sucedida é necessário fazer um diagnóstico e adequar os recursos aos projectos de vida das populações. Este esforço exige um conhecimento aprofundado dos recursos existentes e uma reflexão sobre as lacunas em termos de respostas adequadas, de forma a permitir alcançar novas respostas e rentabilizar os recursos existentes. É indispensável conhecer o território local, nomeadamente os grupos desfavorecidos, de maneira a ter uma dimensão comunitária dos problemas e das soluções e é preciso entender o beneficiário no seu contexto de acção familiar, comunitário, laboral, sócio-cultural e verificar a adequação das respostas ao conjunto do

sistema de acção em que este se insere. A temporalidade da inserção deve ser repensada como um elemento estruturante dos programas de inserção a desenvolver, tendo em conta os percursos de vida dos indivíduos, os factores de ordem cultural/ética em função das próprias condicionantes ao nível do mercado de trabalho.