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Blocos temáticos, áreas do conhecimento e abordagens teóricas

O bloco temático formado por estudos sobre desenvolvimento humano concentrou quase metade (46%) dos trabalhos obtidos nas bases consultadas, com destaque para pesquisas sobre o tema “representações internas de apego”, o que demonstra que, na segunda metade da primeira década do século XXI, há um grande interesse da comunidade científica em desvendar as mudanças desenvolvimentais, posteriores à infância, que ocorrem no contexto das relações de apego, já que tais pesquisas foram realizadas com população adulta. Contudo, nesse amplo leque de investigações, observou-se que pouquíssima atenção vem sendo dada ao estudo de um tema muito importante: a qualidade de vida na velhice.Trata-se de um dado alarmante, em virtude da grande porcentagem de idosos que, na atualidade, compõem a população mundial (BESSER; PRIEL, 2008). Além do que, não se pode considerar que todas as variáveis envolvidas no desenvolvimento infantil tenham sido exaustivamente pesquisadas e que, por esse motivo, tal tema de pesquisa já tenha sido esgotado. Muito pelo contrário, os trabalhos de Schore (2000, 2001, 2002, 2010) demonstram a necessidade de se investigar cada vez mais a infância, principalmente para que seja possível planejar ações preventivas diretamente voltadas à promoção de saúde nesta etapa do ciclo vital.

Do mesmo modo, apenas um artigo deste bloco versou sobre deficiência, o que não deixa de ser um dado importante em um momento histórico-cultural que se caracteriza, pela intolerância à diferença e que, simultaneamente, amplia paulatinamente as oportunidades de inclusão do portador de deficiência nos mais diversos contextos sociais (MENDES, 2006). Por outro lado, no ano de 2010, o papel do pai como uma importante figura de apego na infância passou a ser ressaltado (BRETERTHON, 2010; NEWLAND, L. A., COYL, D. D., 2010). Apesar da quantidade diminuta de trabalhos sobre a especificidade do vínculo pai e filhos (N=3), verificou-se, contudo, que as pesquisas sobre a relação entre casal parental e filhos (N=15) apresentaram maior frequência em comparação aos estudos que focalizam apenas a relação entre mãe e criança (N=13). Isso sugere que, no período considerado, o papel do pai vem sendo cada vez mais valorizado e, portanto, incluído nas pesquisas. Em contrapartida, apesar da controvérsia sobre o termo, o apego materno-fetal, incluído no grupo temático “apego e gestação”, apresentou-se como um tema gerador de quatro pesquisas no período investigado. Já no grupo temático “tópicos da sexualidade humana”, apesar da relevância social que esses assuntos vem adquirindo na atualidade, foram realizados poucos trabalhos sobre abuso sexual, violência na

relação conjugal e diferenças de gênero no desenvolvimento das relações de apego, visto que todos obtiveram frequência igual a um.

No bloco temático constituído por estudos sobre promoção de saúde, verificou-se o predomínio de trabalhos sobre intervenções terapêuticas nas relações de apego (57%), que, de modo geral, foi o assunto mais estudado no período de 2005 a 2010. Neste grupo temático, constatou-se a existência de uma grande valorização, por parte dos autores da área, de discussões acerca de aspectos gerais da psicoterapia dos vínculos (37%) e da importância da relação terapeuta-cliente (15%) no processo psicoterápico. Apesar da grande freqüência de trabalhos sobre relação entre casal parental e filhos (N=15) e sobre apego a parceiros românticos (N=10), verificada no bloco “desenvolvimento humano”, no bloco “saúde”, temas como terapia familiar (N=1) e terapia de casal (N=1) foram pouco abordados. Quanto às psicopatologias dos vínculos de apego, constatou-se que a depressão (N=5) é a condição psicopatológica mais estudada na atualidade. Alguns pesquisadores também vêm investigando a relação entre apego e duas psicopatologias específicas: os transtornos alimentares e o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

No bloco “fundamentos, histórico e medidas psicológicas”, dos 11 trabalhos sobre a relação da Teoria do Apego com outras teorias, 10 versaram sobre Psicanálise e apenas um sobre Teoria da Gestalt. No entanto, dos 11 artigos sobre a relação de Bowlby com outros teóricos, nenhum deles discorreu sobre a influência de psicanalistas na elaboração da Teoria do Apego, sendo que cinco desses trabalhos abordaram o vínculo de Bowlby com autores das áreas da Etologia e Psicologia Comparativa. Logo, percebe-se que os trabalhos que promoveram discussões de natureza conceitual focalizaram a inter-relação entre a Teoria do Apego e a Psicanálise, enquanto que as pesquisas que descreveram a influência de outros autores na constituição da obra de Bowlby enfatizaram seu vínculo profissional com teóricos que buscaram fundamentação nas Ciências Naturais.

No bloco que congregou estudos sobre apego e educação, verificou-se um maior volume de trabalhos sobre a relação educador-educando (N=7). No ano de 2009, foram publicados três trabalhos sobre desenvolvimento de líderes, sendo que, deste total, dois apresentaram resultados extraídos de uma mesma pesquisa realizada com soldados das Forças Armadas de Israel. Quanto aos estudos focalizando a Educação Infantil, constatou-se que, apesar da importância da qualidade dos cuidados e da educação na primeira infância (MELLUISH, 2000), apenas três trabalhos abordaram o desenvolvimento da criança em ambiente de creche. De modo geral, em comparação aos outros blocos, o bloco temático “educação” reuniu o menor volume de artigos. No bloco “outros” foram alocados trabalhos ainda pouco estudados, tais como apego a animais, apego e religiosidade e apego no contexto de competições esportivas. Por esse motivo, foi

possível observar que, os temas vinculados ao estudo do desenvolvimento humano e à pesquisa em saúde predominaram (70%) no período de 2005 a 2010.

A Psicologia foi a área do conhecimento que recebeu um maior número de contribuições, seguida das áreas de Medicina e Enfermagem. Em contrapartida, a Antropologia recebeu o menor número de contribuições. Em vista deste dado, é importante ressaltar que a Teoria do Apego contribui enormemente para a promoção de mudanças nos protocolos hospitalares e, especificamente, para a humanização do atendimento de crianças e de adolescentes, a partir da instituição de práticas tais como a permanência de um acompanhante adulto durante o período de internação de pacientes menores de 18 anos e o alojamento conjunto mãe-bebê após o parto (VAN DER HORST; VAN DER VEER, 2009).

Quanto às abordagens teóricas, verificou-se que a Teoria do Apego deu suporte a mais de metade (66%) dos trabalhos analisados. Por outro lado, a Psicanálise foi a abordagem mais associada à Teoria do Apego. Dez estudos teóricos focalizaram, inclusive, a relação complexa entre os conceitos das duas teorias. Além disso, é preciso ressaltar que, dos oito trabalhos que se fundamentaram nas teorias da Neurociência (4%), um deles, de autoria de Schore e Schore (2008), defendeu a compatibilidade entre Neurociência, Teoria do Apego e Psicanálise e, por conseguinte, a possibilidade de congregar essas três abordagens em uma mesma pesquisa. Em acréscimo, verificou-se, em um único trabalho, a associação entre Teoria do Apego, Teoria Sistêmica e Psicanálise. Em relação às tendências metodológicas, os resultados deste estudo demonstram que, embora haja um equilíbrio entre trabalhos teóricos (55%) e trabalhos empíricos (45%), em termos de porcentagem, os pesquisadores da área tendem a realizar mais investigações teóricas, sem diferenças significativas entre países.

Por meio da análise quantitativa dos temas abordados, que revelou a baixa freqüência de alguns assuntos no interior dos blocos elencados, e considerando sua relevância social na atualidade, detectou-se a necessidade de mais pesquisas sobre os seguintes tópicos:

(a) apego e qualidade de vida na velhice: o estudo deste tema justifica-se pelo fato de

que, no início deste século, houve um acentuado crescimento no índice de envelhecimento populacional no Brasil (PINHEIRO, TEIXEIRA, 2003), o que demanda uma maior atenção da comunidade científica para o desenvolvimento de investigações que possam contribuir para a criação de políticas públicas voltadas ao indíviduo idoso, visando a promoção de saúde dessa população específica e fomentando sua participação na esfera social.

(b) apego e deficiência: investir na pesquisa sobre apego e deficiência torna-se cada vez

mais necessário nos dias atuais, pois, segundo Mendes (2006, p.402), a ciência terá um papel essencial para que a sociedade brasileira busque contribuir, de maneira intencional e planejada, para a superação de uma educação que tem atuado contra os ideais de inclusão social e plena cidadania.

(c) relação entre criança e figuras de apego secundárias: o estudo deste tema é

importante em virtude da inserção crescente da mulher no mercado de trabalho, o que promoveu alterações na dinâmica familiar e, em específico, na criação dos filhos, que passaram a ser cuidados por outras pessoas, não necessariamente incluídas na esfera familiar (MELLUISH, 2001). Nesse cenário, então, destacam-se as educadoras de creche. Melchiori e Biasoli-Alves (2004) alertam para a necessidade de se investigar mais profundamente os vínculos de apego entre crianças e educadoras de creche, em função da tendência mundial desses ambientes coletivos serem cada vez mais frequentados por bebês, logo nas primeiras etapas de seu desenvolvimento.

(d) diferenças de gênero no desenvolvimento das relações de apego: de acordo com

Scheidt e Waller (2007), as diferenças de gênero no desenvolvimento do apego não foram estudadas minuciosamente nas últimas décadas do século XX. Os autores consideram que isto, talvez, tenha ocorrido em função de Bowlby ter conceitualizado o apego como um sistema inato de comportamento, que tem como objetivo principal oferecer proteção aos bebês de um determinado grupo contra perigos que os predadores representavam para a sobrevivência das espécies. Deste modo, para Bowlby, o sistema de apego desenvolver- se-ia de modo igualitário em ambos os sexos. Todavia, defende-se hoje que, pelo fato da sensibilidade materna estar diretamente relacionada ao estabelecimento de um apego seguro na infância, as diferenças na interação entre mães e filhos dos sexos masculino e feminino constituem um importante foco de pesquisa. Além do que, visto que homens e mulheres apresentam estilos peculiares de regulação e de expressão das emoções, faz-se necessário investigar, também, possíveis diferenças na interação entre pais e crianças de ambos os sexos.

(e) violência na relação conjugal: a abordagem da violência na relação conjugal remete

diretamente à qualidade da relação conjugal e, por conseguinte, à conceituação do que seria um casamento satisfatório (MOSMANN, WAGNER, FÉRES-CARNEIRO, 2006). Dada a complexidade do tema, e a visibilidade que ele vem obtendo nos meios de

comunicação, por constituir uma questão social que envolve os direitos humanos, a violência conjugal necessita de mais estudos na área (LOUBAT, PONCE, SALAS, 2007).

(f) terapia familiar: segundo Delucchi e cols. (2009) a importância de se investir mais

estudos sobre este tema deve-se ao fato de que os serviços de saúde pública e do sistema judiciário se vêem, na atualidade, confrontados com o complexo desafio de ajudar famílias altamente vulneráveis a variáveis como estresse, dependência química, desemprego e envolvimento em atividades ilícitas. Os autores salientam que, grande parte dessas famílias, em condição de risco social, são denominadas “famílias multiproblemáticas”, isto é, famílias que apresentam desorganização estrutural e comunicativa, tendência ao abandono de suas funções parentais e isolamento social. O desenvolvimento de intervenções psicológicas diretamente voltadas a diferentes grupos familiares demandará, por conseguinte, mais pesquisas sobre o assunto.

(g) terapia de casal: novas pesquisas visando a contribuir para a elaboração de novas

estratégias interventivas no processo psicoterapêutico de casais se fazem importantes na medida em que, problemas específicos dos casais podem interferir nas relações estabelecidas com os filhos, comprometendo, de modo geral, a qualidade das interações no grupo familiar (COOK, 2000). Além do que, a terapia de casal pode ser um primeiro passo na prevenção de violência conjugal (LOUBAT, PONCE, SALAS, 2007), justificando, portanto, a realização de mais estudos sobre o tema.

(h) apego e transtorno de ansiedade: um maior número de trabalhos que investiguem a

relação entre representações de apego e transtorno de ansiedade se faz essencial tanto para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas eficazes para o tratamento dessa psicopatologia, quanto para a elaboração de novos instrumentos diagnósticos capazes de detectar de forma mais simplificada e confiável os principais sintomas que configuram o transtorno em questão (CASSIDY et al., 2009).

(i) apego e autismo: de acordo com Sanini e cols. (2008), quando Kanner (1943) realizou

as primeiras observações clínicas sobre crianças com autismo, ele relatou uma ausência de comportamentos que sinalizassem apego a um cuidador. Na atualidade, os autores demonstraram a existência de uma relação de apego entre crianças autistas e suas mães e

salientaram a importância da realização de mais trabalhos no Brasil que investiguem as peculiaridades da interação dessas crianças com seus cuidadores.

(j) apego e estresse: em virtude da qualidade das experiências na primeira infância

influenciar na presença e na biodisponibilidade do cortisol, hormônio que participa diretamente no funcionamento do eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarenal, fundamental no enfrentamento de situações estressantes e na regulação do sistema imunológico (FARKAS et al., 2008), mais pesquisas sobre apego e estresse são necessárias no contexto atual.

(k) intervenções psicológicas no contexto escolar: em virtude do processo de

escolarização estar cada vez mais extenso no mundo atual, e, principalmente, diante da importância das relações que ocorrem em ambiente escolar para o bom desempenho acadêmico, mais investigações sobre este tema são necessárias para dimensionar como o psicólogo escolar pode fomentar o estabelecimento de vínculos de apego saudáveis entre educadores e educandos em diferentes etapas do ciclo de vida (CYR, VAN IJZENDOORN, 2007).

Na presente pesquisa, constatou-se, também, a ausência de pesquisas sobre outros tópicos importantes, tais como vínculos de apego no processo de adoção e psicoterapia de grupo. A título de exemplo, no Brasil, o primeiro tema foi discutido de forma original por Motta (2005), que focalizou os efeitos do rompimento dos vínculos de apego na subjetividade de mães que entregaram seus filhos em adoção, incluindo, também, o luto experienciado por essas mães. Pioneira na área, a autora salientou a necessidade de mais trabalhos para aprofundamento de outros ângulos desse assunto, ainda pouco explorado na atualidade.

O segundo tema foi discutido por Bowlby (1949) no século passado, em um trabalho fortemente influenciado pelas idéias do psicanalista inglês Wilfred Bion. Neste artigo, Bowlby defende que a terapia de grupos fundamentada pela Teoria do Apego pode ter uma vasta aplicação em instituições e organizações, visando à promoção do entendimento e da cooperação entre membros de qualquer modalidade de agrupamento humano, onde a intervenção terapêutica se fizer necessária. Apesar de ter exposto seu posicionamento em um único trabalho, as indicações de Bowlby constituem, ainda hoje, uma importante referência para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre estratégias de intervenção grupal.