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Do interpessoal ao intrapsíquico: as representações mentais de apego

Na definição de Bowlby (1969, 1988), o modelo funcional interno consiste não apenas na representação de si, mas, igualmente, na representação de si interagindo com uma pessoa significativa em um contexto com forte tonalidade emocional. Tal modelo exerce influência, diretamente, no modo como o ser humano se sente em relação a si mesmo, e também, em relação a seus genitores. Ele também influi na maneira como um indivíduo antecipa a maneira como será tratado pelos outros e na forma como tratará as pessoas durante a vida. Uma vez estabelecido, esse modelo tende a persistir ao longo do tempo e a operar a nível inconsciente (BESOAIN; SANTELICES, 2009).

A esse respeito, Ribas e Moura (2004) esclarecem que, na relação construída entre cuidador e criança, as respostas do adulto perante os sinais emitidos pelo bebê, tais como o choro, por exemplo, são determinantes para a formação de modelos funcionais internos. Logo, nas interações com as crianças, os cuidadores podem expressar diferentes tipos de responsividade e, assim, promover a consolidação dos modelos funcionais internos. Tais modelos estruturam-se tendo como base elementos como a confiança ou não na figura de apego, o sentimento de rejeição ou afeição, o sentimento de que o outro é ou não uma base segura para exploração do mundo.

A natureza dos modelos funcionais, por sua vez, será fundamental para a formação da qualidade do apego. Isso porque, o processo de internalização dos modelos funcionais influe no grau de segurança que os filhos dispõem para contar com suas figuras de apego nos momentos de ira, desamparo, temor e tristeza. Deste modo, quanto maior a acessibilidade dos cuidadores às necessidades das crianças, maior a probabilidade das crianças de prever, com grande margem de acerto, que podem usufruir o suporte emocional oferecido pelos adultos. Logo, em última instância, é possível compreender que, para a Teoria do Apego, como resultado do que se viveu na infância, os indivíduos constroem uma imagem internalizada que possibilita a organização da experiência subjetiva e intersubjetiva, assim como a conduta adaptativa frente aos outros e, de modo geral, frente ao próprio entorno social (BOWLBY, 1973).

Por esse motivo, Ramires (2003) defende que o conceito de modelo funcional interno estabelece uma intersecção importante entre os conteúdos da Teoria do Apego e da Psicologia Cognitiva. Isso porque, uma vez estabelecidos, os modelos funcionais coordenam as

experiências humanas, na medida em que regulam a percepção, a atenção e a memória. Dito de outro modo, as representações acerca do mundo e do próprio indivíduo passam a constituir regras que organizam as funções psicológicas superiores. Os modelos permitem, também, que o sujeito mantenha sua relação com a figura de apego entre certos limites de distância ou de proximidade, favorecendo a criação de esquemas de organização do comportamento (BOWLBY, 1988).

No entender de Cook (2000), a Teoria do Apego não se limita, portanto, a descrever como o modelo funcional interno afeta as relações interpessoais; o que ela possibilita, efetivamente, é a compreensão de como processos interacionais influenciam o desenvolvimento social e cognitivo da criança. Para esse autor, ao contrário da maioria dos psicanalistas de sua época, que sublinhava a dimensão intrapsíquica nas relações humanas, Bowlby ressaltou a dimensão interpessoal nos primeiros vínculos formados na infância, enfatizando a reciprocidade das trocas estabelecidas entre a criança e seu cuidador. Assim sendo, na leitura que Cook realiza da obra de Bowlby, o modelo funcional interno não seria, paradoxalmente, tão “interno” como se propõe, uma vez que ele se originaria de relações externas.

Melchiori e Dessen (2008) destacam, contudo, uma sutileza na obra de Bowby, que não se pode deixar de levar em consideração. Segundo as autoras, em conformidade com a Teoria do Apego, na medida em que a criança se desenvolve, o padrão de apego passa a ser um atributo seu, e não mais da relação. O que significa que houve interiorização das experiências vividas na infância e isso terá conseqüências para as relações que ela vier a estabelecer com outras pessoas ao longo do ciclo vital.

Para o fundador da Teoria do Apego, o grau de clareza e de coerência, presente na narração da história das próprias relações de apego de uma pessoa, constitui um indicador confiável do nível de desenvolvimento da organização representacional, ou seja, do modelo de funcionamento interno (BOWLBY, 1973). Deste modo, a plausibilidade da hipótese de Cook (2000) não suspende, por conseguinte, o fato de que, para Bowlby (1969), há um enlace entre a dimensão real das interações e o modo como a criança as vivencia.

No entanto, seria a relação inicial de apego mais forte que as demais? Uma relação segura poderia compensar outra insegura? De acordo com Melchiori e Dessen (2008), até o presente momento, as pesquisas científicas ainda não determinaram exatamente como os modelos funcionais internos agem.

Contudo, a falta de clareza a respeito do funcionamento desses modelos, não impede que eles sejam considerados, em termos pragmáticos, no campo das intervenções em saúde mental. Assim sendo, em um sentido bastante realista, Silva e Santelices (2007) esclarecem que, na atualidade, a psicoterapia só pode ter como foco a tomada progressiva de consciência dos

próprios modelos internos pelos indivíduos e, por conseguinte, objetivar a promoção da abertura de espaços para a construção de relações mais positivas com os outros.

Todavia, é bem provável que, em um futuro breve, a Neurociência possa contribuir com informações capazes de alargar a compreensão de processos ainda obscuros na Teoria do Apego. Algumas pesquisas contemporâneas já caminham nessa direção. É o que se pretende discutir a seguir.