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C.3 A boa-fé no Franchising

No documento FLÁVIO LUCAS DE MENEZES SILVA (páginas 109-124)

III – FORMAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO

III. C.3 A boa-fé no Franchising

Em que pese estar arraigado no que se entende por “condições gerais dos contratos”, o princípio da boa-fé tem sido recepcionado pelo Direito com maior ou menor rigor, de acordo com a cultura e a época em que se encontra inserido. Inicialmente pertencente ao vulgo, a expressão em destaque foi adotada pelo Direito Romano ainda em seus inícios e tem sua trajetória até hoje vinculada ao repertório jurídico.

As relações jurídicas, sem exceção, impõem aos seus participantes um dever de padrão de conduta orientado pela boa-fé. Etimologicamente, a expressão, “boa-fé”, pode ser entendida como um princípio de lealdade, fidelidade, de conformidade às suas origens latinas. Cláudia Lima Marques, em seus estudos a respeito da boa-fé, resgata a lição de doutrinadores europeus e conjetura:

... fides significa o hábito de firmeza e coerência de quem sabe honrar os compromissos assumidos; significa, mais além do compromisso expresso, a “fidelidade” e coerência no cumprimento da expectativa alheia, independentemente da palavra que haja sido dada, ou do acordo que tenha sido concluído; representando, sob este aspecto, a atitude de lealdade, de fidelidade, de cuidado que se costuma observar e que é legitimamente esperada nas relações entre homens honrados, no respeitoso cumprimento das expectativas reciprocamente confiadas. É o compromisso expresso ou implícito de “fidelidade” e “cooperação” nas relações contratuais, é uma visão mais ampla, menos textual do vínculo, é a concepção leal do vínculo, das expectativas que desperta (confiança).259

Neste sentido, e avançando a passos largos na história, pode-se resgatar as idéias relativas à boa-fé contidas no Código Civil francês, surgido em 1804 poucas décadas após a dissolução do ancien regime, que versava o quanto segue, in verbis: “as convenções devem ser contratadas e executadas de boa- fé”260. O Code Napoleon de 1840 manteve a proposta de seu ancestral e estabeleceu em seu art. 1.134 o seguinte:

Les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites.

Elles ne peuvent être révoquées que de leur consentement mutuel, ou pour les causes que la loi autorise.

Elles doivent être exécutées de bonne foi.261

Recorde-se, no entanto, que o período de instauração da chamada sociedade burguesa corresponde ao momento de deflagração das idéias de Kant na Prússia e, especialmente, Rousseau, na França. Daí que a alínea 3ª do art. 1.134 do período napoleônico praticamente tenha caído em desuso nas décadas seguintes, sendo negligenciada pela larga maioria dos doutrinadores. Ora, há muito se sabe que o aporte.teórico lançado por Rousseau em sua obra capital O contrato social deu azo, à época, para a transformação da política em contrato e a politização do contrato em torno do princípio da autonomia da vontade262. Com

efeito, naquele momento enxergava-se no instituto da boa-fé um instrumento conferido ao juiz para modificar aquilo que era desejado pelas partes, o que seria

259 MARQUES, Claudia L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Ed. Revista dos

Tribunais. 1999. p. 104.

260 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Editora Método, 2ª ed. p. 66. 261 Art. 1.134: As convenções legalmente formadas têm o valor de leis para aqueles que a fizeram. As

convenções legalmente formadas têm força de lei perante aqueles que a celebram... Elas devem ser executadas de boa-fé. (Tradução livre do autor.)

262 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. São Paulo: ebooksbrasil.com. 2002. p. 62.

inconcebível para uma geração na qual predominavam as propostas do pacta sunt servanda.

Luiz Guilherme Loureiro enfatiza o dogma da autonomia da vontade e de tudo que este representa, pois

...ocorre uma liberação não somente da forma, mas principalmente de fundo: a vontade é a expressão da liberdade humana. Ninguém pode se obrigar, a não ser por sua livre e espontânea vontade. É o reino do individualismo categórico: o direito não pode compelir ou impedir ninguém de contratar; a pessoa pode contratar com quem ela quiser e sobre o que ela pretender... os fundamentos filosóficos do contrato eram sustentados pelo liberalismo econômico e respondiam adequadamente às exigências do mercado existente no início do século XIX. Com efeito, a doutrina do laissez faire laissez passer permitia ao individualismo absorver a justiça e a solidariedade social. Conseqüentemente, um contrato livremente firmado era considerado justo e o Estado não podia intervir na relação privada formada pelas partes... 263

Ao se voltar os olhos para a história mais recente verifica-se que o século XX, contudo, pareceu estar marcado pela revisão desses conceitos, dado que ali sobreveio um declínio das doutrinas que defendiam o absolutismo do princípio da autonomia da vontade e da economia liberal. Para Luiz Guilherme Loureiro, os conflitos ganham força com a revelação da face oculta desses postulados, a saber:

...o absolutismo do princípio da autonomia da vontade e da doutrina econômica liberal foi objeto de críticas durante o século XX. Combatidos pela doutrina e pela jurisprudência, os postulados teóricos revelaram sua face oculta: a liberdade e a igualdade ideais do modelo humano abstrato que os fundamentavam ocultavam a dependência e a desigualdade material dos indivíduos e dos grupos sociais. Os desequilíbrios contratuais decorriam do excesso de individualismo e do voluntarismo. Perdendo seu estatuto de valor em si, a vontade deveria de agora em diante servir a justiça e a utilidade social sob o olhar vigilante do direito objetivo. A noção de ordem pública, limite tradicional da liberdade contratual, foi aprofundada. À ordem pública de direção – código moral e social de interesse geral – se acrescentou a ordem pública de proteção – leis de equilíbrio dos interesses particulares em luta contra as injustiças sistêmicas264.

Nesse processo de socialização do Direito ocorrido ao longo do século XX, na qual “valores como a equidade, a boa-fé e a segurança nas relações jurídicas tomam lugar ao lado da autonomia de vontade na nova teoria contratual”265, o princípio da boa-fé passa a despertar maior interesse da doutrina, particularmente

263 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 42. 264 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Ibidem. p. 43.

a partir dos anos sessenta266, ao se perceber nele um instrumento para se

alcançar o equilíbrio numa relação, protegendo a parte mais frágil. Em resposta à evolução doutrinária desenvolvida nesse período, a boa-fé passou a integrar o sistema jurídico de diversos países267, com destaque ao Código Civil de Québec

de 1994, cujo artigo 1.372 estabelece que ”a boa-fé deve governar a conduta das partes, tanto no momento do nascimento da obrigação quanto no de sua execução ou de sua extinção”.

No Brasil, sob forte influência do BGB268, a boa-fé foi introduzida de modo

expresso no Código Civil de 2002, conforme dispõe o artigo 422, segundo o qual “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. A positivação da boa-fé no novo sistema jurídico de Direito Privado brasileiro é um indicativo da sua relevância dentro do ordenamento legal brasileiro, dando-lhe status de cláusula geral, ou seja, em nível hierarquicamente superior aos princípios gerais do Direito, categoria em que a boa-fé enquadrava-se até então.

A jurista Judith Martins-Costa adverte que há quem entenda inexistir distinção entre cláusulas gerais269 e princípios, citando o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr.270 entre aqueles que compartilham este posicionamento. Para Christoph Fabian, a boa-fé, antes mesmo de sua positivação no ordenamento jurídico, já era interpretada como cláusula geral271, de forma mais contundente pela jurisprudência gaúcha mediante um engenhoso artifício criado que dava caráter e função de cláusula geral ao princípio que resultaria do conjunto de disposições do Código Civil de Clóvis Beviláqua (1916) em matéria

266 O crescimento dos estudos sobre a boa-fé nos anos sessenta é justificado, segundo a opinião de

LOUREIRO, Luiz Guilherme. “desenvolvimento do comércio internacional e as discussões em torno da lex

mercatoria, cujo núcleo central é a boa-fé”. In: Luiz Guilherme Loureiro. Op. cit. p. 68.

267 Pode-se citar ainda: “o Código Civil holandês, vigente desde 1 de janeiro de 1993, que contém a mesma

afirmativa no seu art. 6.2 al. 1, embora use a terminologia ‘razão e equidade’. Também os `Princípios Relativos aos Contratos do Comércio Internacional’, elaborados em Roma pelo UNIDROIT, estipulam no seu art. 17 que as partes devem se conformar às exigências da boa-fé no comércio internacional”. In LOUREIRO, L. Guilherme. Ibidem. p. 63.

268 O § 242 do BGB, que entrou em vigor em 1900, estabelece que “O devedor está adstrito a realizar a

prestação tal como a exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego” (tradução do autor).

269 A denominação ‘cláusulas gerais’ é assimilável à expressão italiana ‘clausole generali’, que teria se

originado do alemão Generalklausen. Ainda, Cláudio Luzzati cita dentre outras expressões as seguintes:

concetti elastici (Balossini), concetti valvola (Ventilbegriffe) (atribuído a Wurzel e a Lombardi Vallauri), organi respiratori (Polacco), concetti biancosegno (Perelman e Vander Elst) e fattispecie aperte (offene Tatbestande) (Wenzel). Apud Alberto Gosson Jorge Junior, p.22.

270 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p. 315.

obrigacional272. De qualquer maneira, não é possível afirmar que este venha a ser

o entendimento predominante da doutrina:

As cláusulas gerais são normas jurídicas, originadas de um processo legislativo constitucionalmente previsto, que as posiciona na categoria formal de leis. São normas jurídicas dotadas de uma função peculiar, diferenciada das demais normas, por carregarem uma amplitude semântica ou valorativa maior do que a generalidade das disposições normativas273.

Ademais, a autora em referência destaca as cláusulas gerais em comparação a outras normas, formadas através da técnica da casuística, pois, explica,

... a cláusula geral introduz no âmbito normativo no qual se insere um critério ulterior de relevância jurídica, à vista do qual o juiz seleciona certos fatos ou comportamentos para confrontá-los com um determinado parâmetro e buscar, neste confronto, certas conseqüências jurídicas que não estão pré-determinadas. Daí uma distinção fundamental: as normas cujo grau de vagueza é mínimo implicam que ao juiz seja dado tão- somente o poder de estabelecer o significado do enunciado normativo; já no que respeita às normas formuladas através de cláusula geral, compete ao juiz um poder extraordinariamente mais amplo, pois não estará tão-somente estabelecendo o significado do enunciado normativo, mas, por igual, criando direito, ao completar a fattispecie e ao determinar ou graduar as conseqüências274.

De igual percepção é o raciocínio de António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, que chamam a atenção para a prática judicial da boa-fé:

A existência de uma regra de conduta segundo a boa-fé e sua evolução permitem colocar o problema do controle do conteúdo dos contratos a efetuar pelo juiz. Tal problema enuncia-se com o saber se, e até que ponto pode o Tribunal, quando solicitado, examinar as cláusulas contratuais, e corrigir, suprimindo ou modificando, os aspectos que sejam considerados injustos275.

Na mesma direção vai o pensamento de Alberto Gosson Jorge Junior que ressalta o modo de funcionamento das cláusulas gerais:

As cláusulas gerais funcionariam como elementos de conexão entre as regras presentes no interior do sistema jurídico e, para alguns autores, caracterizar-se-iam por uma função bem mais ampla, qual seja, a de propiciar o ingresso de valores situados fora do sistema jurídico e que

272 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p. 382.

273 JORGE JR., Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo código civil. São Paulo: Ed. Saraiva. 2004. p.22 274 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p 330.

podem, através das cláusulas gerais, vir a ser nele introduzidos pela atividade jurisdicional276.

Já os princípios exercem função subsidiária às leis277, enquadrando-se no direito consuetudinário, que segundo Karl Larenz, abrange os institutos não normatizados, mas praticados e aceitos pela comunidade jurídica278. Para este mesmo autor,

Os princípios jurídicos não são senão pautas gerais de valoração ou preferências valorativas em relação à idéia do Direito, que todavia não chegaram a condensar-se em regras jurídicas imediatamente aplicáveis, mas que permitem apresentar ‘fundamentos justificativos’ delas279.

A aplicação complementar dos princípios à lei, no ordenamento jurídico brasileiro, é reconhecida no art. 4º da LICC, tal como se vê: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Assim, na aplicação da boa-fé é o julgador que, aplicando a norma, pesará os detalhes do caso concreto e determinará quais dos valores em jogo deverão prevalecer, viabilizando soluções as mais justas, de acordo às circunstâncias do caso específico. E isto é a concreção da transmutação de princípios outrora considerados metajurídicos, pertencentes ao campo das idéias, em deveres objetivos, a serem aplicados nas relações jurídicas, criando uma série de deveres às partes que participam dessa relação.

Tanto assim, que a boa-fé apresenta-se sob duas formas de compreensão: uma subjetiva e outra objetiva280. Enquanto a boa-fé subjetiva diz respeito a

dados internos referentes ao sujeito; a boa-fé objetiva se refere às normas de conduta que determinam como o sujeito deve agir281, sendo esta última a incorporada no Código Civil.

276 JORGE JR., Alberto Gosson. Op. cit. p.23 277 Ibidem. p.23.

278 FABIAN, Christoph. Op. cit. p. 47. 279 JORGE JR., Alberto Gosson. Op. cit. p.36.

280 RUBIO, Delia Matilde Ferreira. Op. cit. p. 90, citando a Giampiccolo, dispõe que o referido autor italiano

encontra no significado do termo fides a base para a distinção entre boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva: “en el uso moderno – afirma – la expresión ‘buena fe’ se presta a dos diversas acepciones; mientras en el lenguaje culto... denota honestidad, probidad y lealtad de comportamiento en el lenguaje común... designa la particular condición de espíritu de quien (erróneamente) está convencido de actuar rectamente”.

281 Em língua alemã as duas formas de boa-fé são designadas com expressões diferentes: a boa-fé subjetiva

corresponde a expressão guter Glaube ou guter Glauben (boa crença) a boa-fé objetiva, por sua vez, é designada pela expressão Treu und Glauben (lealdade e crença).

Para a doutrinadora Judith Martins-Costa, a boa-fé objetiva é um

...modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com lealdade, honestidade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do

standard, de tipo meramente subsuntivo282.

De acordo com a definição de Christoph Fabian,

a boa-fé demanda que os contratantes devem ter um comportamento fundado na lealdade. Cada um deve respeitar os interesses do outro, reconhecidos como valores. Pela boa-fé, a obrigação é entendida como uma ordem de cooperação. Credor e devedor não são apenas contraentes, mas colaboradores na consecução do objetivo comum, ou seja, do adimplemento283.

Assim, prossegue o mesmo autor, há uma tripartição da boa-fé nas seguintes funções:

a) a de completar uma obrigação mediante a criação de deveres anexos para completar ou concretizar os deveres primários de uma relação obrigacional.

b) a de controlar ou limitar direitos subjetivos, como é o caso do abuso de direito.

c) a de corrigir uma obrigação insuportável, aplicada principalmente às teorias da quebra da base do negócio, da cláusula rebus sic stantibus (teoria da imprevisão)284.

Judith Martins Costa também discorre sobre as funções da boa-fé objetiva, destacando três distintas funções: a de cânone hermenêutico-integrativo do contrato, a de norma de criação de deveres jurídicos e a de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos285.

E é principalmente nessa função de criação de deveres jurídicos é que a boa-fé exerce um papel singular no Business format franchising. Se para as relações contratuais de um modo geral as obrigações advindas da boa-fé são

282 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. Op. cit. p. 411. 283 FABIAN, Christoph. Op. cit. p. 61.

284 FABIAN, Christoph. Op. cit. p. 61 – 62. 285 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p. 427 e ss.

consideradas como deveres secundários, nas relações de franquia exercem papel preponderante. Segundo a doutrina, é possível distinguir dois grupos de deveres anexos: os deveres de prestação e os deveres de proteção. Os primeiros são explicados por Christoph Fabian como o dever assumido por uma parte de respeitar os interesses da outra.

... o contratante deve ajudar a outra parte contratual na realização da prestação. Ele deve evitar tudo o que poderia impedir ou dificultar a realização do contrato. Estes deveres denominam-se deveres (anexos) de prestação. Eles preparam e asseguram a realização da prestação e o proveito posterior286.

Já os segundos (deveres de proteção), dizem respeito à proteção de si mesmo e de seus bens contra quaisquer prejuízos evitáveis durante o processo da prestação287. São deveres que independem da vontade das partes de uma relação e surgem desde o primeiro contato realizado, na seara dos deveres pré- contratuais.

Na franquia, existem os exemplos de deveres de prestação e de deveres de proteção, o que torna o estudo do instituto da boa-fé aplicada ao sistema de franchising ainda mais relevante. Como exemplos de tais deveres, pode-se citar, de um lado, o do franqueador de repassar ao franqueado os novos métodos desenvolvidos para melhorar o desempenho da atividade franqueada. De outro, o dever do franqueado de guardar sigilo sobre atos ou fatos a respeito dos quais teve conhecimento em razão do contrato ou de negociações preliminares; e ainda, o seu dever de não praticar atividade concorrente à do franqueador utilizando o know-how dele adquirido após a extinção do contrato.

A propósito, vem-se discutindo a aplicação da boa-fé nas etapas pré- contratual e pós-contratual em razão da omissão do legislador, que menciona a aplicação dessa cláusula nos momentos de celebração e execução do contrato. Entretanto, se antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 a doutrina e a jurisprudência já aplicavam a boa-fé em tais situações, a tendência é que ela continue sendo aplicada nas etapas mencionadas, mesmo porque são deveres intrínsecos à conduta das partes em qualquer relação jurídica. E não poderia ser diferente, pois boa parte do valor econômico do franchising deriva do sigilo do

286 FABIAN, Christoph. Ibidem. p. 64. 287 FABIAN, Christoph. Ibidem.. p. 64.

know-how e, portanto, devem ser assegurados instrumentos de proteção a esse bem do franqueador.

Com efeito, a relação entre o franqueador e o franqueado demanda uma colaboração e respeito mútuo entre as partes durante todas as etapas (preliminares ao contrato, durante a execução do contrato e após o término do contrato), que são caracterizadores do negócio. Assim, os deveres ou padrões de conduta esperados destinam-se a preservar o bom andamento e conclusão do contrato tal como exige a boa-fé. A boa-fé, a seu turno, impõe às partes, independentemente de sua previsão contratual, porque emana da lei, um dever intrínseco de informação ou esclarecimento288, assim como de colaboração e de cooperação a serem perseguidos pelas partes.

III.C.3.a. A formação de rede

Derivado do latim rete, o termo rede significa, em sua acepção primeira, entrelaçamento de fios com aberturas regulares que resultam numa espécie de tecido. São concordes com tal origem etimológica do termo o filólogo português Silva Bastos289, como o espanhol Guido Gómez de Silva290, estudioso contemporâneo de gramática histórica das línguas neo-latinas. A partir de tal noção de entrelaçamento a palavra rede foi ganhando novos significados no decurso do tempo, passando a ser empregada em diferentes situações, sendo possível remontar, ao menos em parte, seu percurso histórico.

A idéia de rede como sistema organizacional, no campo histórico-social, existe há bastante tempo. Há pelo menos dois exemplos de articulação social solidária ou organização do corpo social em rede, historicamente inquestionáveis: o primeiro deles, data da época Medieval, momento em que a estrutura feudal dividia a sociedade em três ordens ou estamentos absolutamente hierarquizados. Diante de tal circunstância, o povo – homem comum, se organizava em "laços de

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