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desempenho nessa instituição perpassa também pela seara dos sentimentos. Ademais, este trabalho denotou a potência da extensão universitária aliada à pesquisa, capaz de alcançar não só a comunidade externa à universidade, mas também exercitar a escuta e a elaborar conhecimento e acolhimento com a nossa comunidade interna. Apesar de a extensão ser um dos eixos mais marginalizados em contexto universitário, face aos investimentos institucionais e orçamentos que recebem os eixos da pesquisa, do ensino e da inovação, essa pesquisa valorizou esta estrutura ao cumprir seu duplo papel: a produção de dados e a formação política.

Dessa forma, a dissertação ofereceu uma proposta de conceituação crítica sobre os temas

“amor romântico” e “relacionamento amoroso”, interpelados pela construção do via-a-ser mulher no Ocidente: enquanto o primeiro edifica-se mediante três construtos (conformação de estereótipos de gênero, violência e desempoderamento) para as mulheres, o segundo demonstra-se mais abrangente, podendo representar situações violentas, desempoderadoras e estereotipadas para elas, assim como possibilidades de realização, satisfação, felicidade e liberdade. Tal conceituação também complexificou os temas para compreender como marcadores sociais da diferença, que ordenam opressões sociais, os atravessam, em que narramos as punições, privilégios e passabilidades que envolvem as experiências íntimas-afetivas sexuais de mulheres negras e brancas e gordas e com deficiência e velhas e LBGTQIAP+. Apesar de lidar com uma limitação ao entender não ser possível dar um panorama teórico profundo para todas essas experiências em um mestrado profissional, a pesquisa compromete-se eticamente com as diversidades e as diferenças em nível teórico, uma vez que criticamos o estado da arte conformado para essa pesquisa, em que identificamos que os artigos, as dissertações e as teses, ou produziram pesquisas com temas complexos somente a partir da lente de gênero, desconsiderando demais marcadores sociais da diferença, bem como as opressões sociais a eles associados, ou mobilizaram a primeira de modo incipiente ou nulo, ignorando demais aspectos sociais estruturais.

Em nível metodológico, a pesquisa embasou-se em perspectivas de pesquisa-formação e de metodologia de histórias e narrativas de vida para edificar três oficinas de extensão, indutoras de processos formativos, estruturadas a partir das técnicas de pesquisa chamadas “gameplay” e

“trabalho biográfico com objetos”. Ademais, as oficinas supracitadas constituíram-se no produto exigido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação – Modalidade Profissional para fins de obtenção do grau de mestra. Ainda, o compromisso ético com a diversidade foi primevo na construção das oficinas de extensão, a partir de convites emitidos para grupos/coletivos da UnB de

pessoas negras, de mulheres, de indígenas, de pessoas LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência. Ao fim, os encontros congregaram dezenove mulheres em um largo espectro de diversidade, destacando-se os aspectos de raça, classe social, idade, corpo e sexualidade.

As oficinas de extensão, realizadas entre setembro e outubro de 2021, constituíram-se em ricas experiências, porque uniram mulheres para falar de amor, mas não de forma encantada e fantasiosa, porém para conversar sobre um amor real, atravessado por desafios, potências e violências, íntimas, interpessoais e sociais. Aspectos íntimos sob à luz da produção do conhecimento entre iguais e entre aquelas que são expertas na matéria, que viveram em suas carnes, corações e mentes as consequências dessas experiências afetivas, sejam elas transformadoras ou soturnas. Ademais, realizar oficinas de extensão com essas temáticas é abrir um caminho que converse com nossa comunidade sobre temas silenciados pelas políticas institucionais da Universidade de Brasília: é olhar para as nossas mulheres saindo da lógica de que elas são somente servidoras, estudantes e colaboradoras. É corporificar essas mulheres e oferecer uma atenção mais holística a quem elas são, às suas emoções e às suas intimidades, mesmo que em um contexto laboral e/ou estudantil.

É nesse seio que se inscreveram os processos formativos. Inspiradas em círculos de conhecimento, as oficinas de extensão ensejaram aspectos críticos e reflexivos dentre aquelas que participaram, atingindo a instância da educação que toca o sensível, que se conecta com uma proposta de preparo para vida social rumo a uma existência emancipada, que oportuniza o desenvolvimento de uma inteligência emocional que diz não ao menor sinal de violência e de desempoderamento e que diz sim à felicidade e à paz, em íntimo, a dois ou a quantos se sentirem pertencer.

Ainda, é importante destacar que havia uma percepção preliminar de que o múltiplo imbricado de identidades, ordenadas por marcadores sociais da diferença, seria mobilizado na produção de discursos sobre si entre as mulheres participantes. Apesar de isso ter acontecido de modo pontual durante a realização das oficinas, compreendo que a produção dos dados foi tão complexa quanto possível e levou em consideração aspectos raciais e de sexualidade associadas à gênero. Ademais, também compartilho reflexões que construí ao apreciar os dados da pesquisa, que discutiram os temas centrais da pesquisa mediante a opressão social de classe, bem como mediante os marcadores sociais de idade, associado à sexualidade. Comento também sobre os

“vazios” da pesquisa, já que corpo, deficiência e etnia não emergiram sob nenhuma forma durante a realização das oficinas, nem na produção dos dados.

Com as potentes mulheres participantes das oficinas, vislumbramos os desdobramentos possíveis e emergentes que derivaram das categorias analíticas “amor romântico” e

“relacionamento amorosos”. Mesmo entre as dissidentes que não se vislumbravam no retrato do amor romântico, as armadilhas caracterizadas pelas tecnologias de gênero e pelo dispositivo materno parecem nos colonizar hodiernamente. Entretanto, aprendemos com as participantes que é nessa tensão que estamos construindo a antítese da dor e a síntese da felicidade possível mediante a desconstrução das concepções tradicionais sobre os termos, o rompimento com gatilhos indutores de violência, seja desde o abandono ou ressignificação de concepções advindas da religião cristã, seja edificando relacionamentos saudáveis, onde a dependência afetiva não tem vez. Dessa forma, é possível construir felicidade e paz concretas quando superamos, seja individualmente, a partir de um processo de decisão derradeiro, seja em casal, mesmo que tal superação ainda seja entremeada por desafios patriarcais cotidianos.

As subcategorias emergentes representam de modo concreto que intervenções pedagógicas são cruciais para induzir e/ou auxiliar mudanças concretas, mesmo que micropolíticas, na realidade de coletivos: essa pesquisa referenda que a construção de conhecimento e a troca de experiências são eficazes para a divulgação e construção de conhecimento que possam expandir horizontes, prevenir violências e contribuir para uma vida emancipada, saudável e mais feliz, sobretudo em uma comunidade universitária que está aprendendo a dar importância a aspectos íntimos e privados da vida. Portanto, acredito que essa pesquisa contribuiu para ser um de muitos trabalhos que alertam para a necessidade de discussão do sensível e da privacidade em um mundo patriarcal, sexista, racista, elitista, LGBTQIAP+fóbico, gordofóbico, etarista e capacistista, experiências muitas vezes carregadas por dores, violências e abandonos que não são vistos no rosto da colega sentada na carteira do lado ou na amiga de trabalho ocupante da estação de trabalho vizinha. Assim, fica o recado e o convite para a Universidade de Brasília: que tal falar de amor e relacionamentos de modo permanente e radical, mediante uma experiência extensionista educativa crítica, horizontal e democrática?