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3. ESTADO DA ARTE E REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA …

3.3 Lacunas encontradas a partir do estado da arte e contribuição desta pesquisa

achados do Estudo 2 foi compreender, através da aplicação de instrumentos, que parece ser

“coerente pensar na hierarquia personalidade valores atributos do parceiro”, em que “os traços de personalidade são a base para os valores, que medeiam sua relação com a prioridade dada às dimensões que descrevem atributos do parceiro ideal” (ibidem, p. 139). Ademais, a maioria dos homens atraíram-se por mulheres entendidas fisicamente atraentes pela sociedade, enquanto as mulheres priorizaram homens como maiores capacidades de realização material; (c) o Estudo 3 ocorreu a partir da replicação do Estudo 2, agora em larga escala, com a participação de 3.124 pessoas distribuídas em nove estados do Nordeste, sendo um pouco menos da metade da amostra residente em cidades do interior e um pouco mais da metade do grupo residente das capitais desses estados. A média de idade das/dos participantes foi de 23,6 anos, com adesão de maioria feminina.

O principal achado do Estudo 3 confirmou o do Estudo 2, em que não se observou nem “diferenças expressivas entre dados dos diferentes estados nordestinos” (ibidem, p. 9) nem dessemelhanças entre capital/interior, no qual mulheres também privilegiaram homens com maior capacidade de realização material e homens buscaram mulheres socialmente atraentes no quesito “forma física”

em ambos os cenários.

que há uma relação estrita entre amor, relacionamentos e violência, engendrada pelas raízes patriarcais e sexistas que orientam as formas de amar em sociedade, profundamente adoecedoras e violentas para as mulheres.

Destaco que, dentre as 6 (seis) pesquisa supracitadas, somente uma delas trouxe para a análise uma discussão que envolva outras categoriais sociais (raça/cor, classe, gênero e sexualidade) para compreender os fenômenos investigados, isto é, aquela produzida por Borges (2016), que considerou a chave de leitura de gênero associada à raça, orientação sexual e classe para a produção de dados em sua dissertação de mestrado, gestada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal do Goiás. Ressalto que, mesmo a pesquisadora ter apontado as limitações encontradas quanto à diversidade das participantes em sua pesquisa, ela elaborou criticamente esta dificuldade, realizando discussão sobre o imbricamento de marcadores sociais da diferença quando da percepção dos achados da pesquisa.

Sabe-se que as Ciências Sociais, da qual faz parte a área da Sociologia, foi pioneira na investigação e produção acadêmica com/sobre grupos diversos. Se, em um período histórico, essa área do conhecimento, assim como as demais Ciências Humanas, foi um pilar constituinte da colonialidade14 (BERNARDINO-COSTA E GROSFOGUEL, 2016), ela vem se ressignificando ao longo do tempo para dar voz e vez a minorias sociais, com o chamado de novas pesquisadoras e novos pesquisadores para a construção de um conhecimento que dialogue com ou integre a perspectiva decolonial, transmoderna e pluri-universal15.

14 Conforme ilustra Segato (2013), o “colonial/moderno sistema mundo” funda-se sobre três eixos: a colonialidade, com a criação de fronteiras artificiais à revelia dos povos originários pela autoridade colonial; a etnicidade, com a invenção de categorias para distinguir as pessoas que habitavam este novo mundo (negros, índios, brancos); e o racismo, que organizou a exploração neste mundo, escalonando as coletividades supracitadas a partir da atribuição de valor desigual às pessoas e ao seu trabalho, para o funcionamento do inédito modo de produção capitalista. Lugones (2008) também compreende que a colonialidade e a modernidade são eixos fundamentais do “capitalismo eurocêntrico e global” (ibidem, p. 78), sendo a primeira responsável pela “classificação social universal e básica da população do planeta” (ibidem, p. 79). Isto quer dizer que foi mediante a colonialidade que houve a fundação da racialização da humanidade entre indígenas, negras/negros, brancas/brancos, inclusive situando cada grupo em um determinado local dentro da divisão social e sexual do trabalho, permeando “todos os aspectos da existência social” (ibidem, p. 79);

presencia-se também a constituição de “novas identidades geoculturais” (ibidem, p. 79): a “América” e a “Europa” são fundadas mediante o fenômeno da colonialidade.

15 Tais perspectivas dialogam com a a transmodernidade, “projeto utópico de Enrique Dussel” (BERNARDINO-COSTA E GROSFOGUEL, 2016, p. 21), que seria uma retradução dos conceitos modernos coloniais europeus à luz do resgate dos projetos epistêmicos políticos das comunidades inferiorizadas: a transmodernidade implica uma redefinição desses elementos, em diferentes direções, de acordo com a diversidade epistêmica do mundo, em direção a uma multiplicidade de sentidos até um mundo pluriversal (GROSFOGUEL, 2016, p. 44). Dessa forma, a transmodernidade propõe o enfrentamento do universalismo europeu mediante a construção de diversas propostas decoloniais emergidas no Sul Global e sentidas por todo globo, especialmente por territórios também vítimas da colonialidade. Nesse sentido, seria possível construir uma rede planetária em favor da justiça, da igualdade e da

Ademais, as 5 (cinco) outras pesquisas que consideraram somente gênero como um fio condutor da pesquisa até elencaram como critérios de seleção das/dos participantes aspectos como religião, escolaridade, naturalidade e etc. Todavia, não mobilizaram marcadores sociais da diferença como chaves de leitura para produção dos dados, sendo ignoradas mesmo quando houve a intenção de realizar uma pesquisa crítica.

Já as outras 5 (cinco) pesquisas restantes apresentaram pouco ou nenhum letramento de gênero (e muito menos aquele oferecido por outros marcadores sociais da diferença) para a produção de seus dados, sendo todas provenientes da área de Psicologia. As temáticas desses estudos envolveram os temas de atributos desejáveis quando da escolha de parcerias amorosas por indivíduos, aplicação de instrumentos de avaliação psicológica para relacionamentos amorosos, vigilância, apego, satisfação conjugal, retenção de parceira/parceiro, insulto dirigido a parceira/parceiro, competição intrassexual e ruptura amorosa, em que se foi levado pouco ou nada em consideração discussões necessárias de gênero para nomear punições e privilégios (COLLINS, 2015) vivenciados por homens e por mulheres heterossexuais quando se trata da temática de amor e relacionamentos.

Destaco que todas, de um modo ou outro, até mencionaram diferenças comportamentais, emocionais ou de percepção de fundo sociológico e/ou psicológico entre homens e mulheres, no entanto não explicaram tais fenômenos como derivados da ou relacionados à opressão estrutural de gênero e demais opressões sociais. Há que mencionar que pelo menos dois destes estudos colocaram como critério de exclusão de participantes pessoas LGBTQIAP+, dada que a centralidade de estudos ainda privilegia a realidade heterossexual (e, inevitavelmente monogâmica, patriarcal e sexista) sobre essas temáticas.

Zanello (2018) discute como a Psicologia foi historicamente instrumentalizada desde sua origem para justificar concepções sexistas e racistas sobre a realidade, herança que ainda permeia a produção de dados até os dias atuais. Dessa forma, a teórica evoca uma faxina epistemológica para esta área do conhecimento, com fins de que se percebam como as categoriais sociais que ordenam opressões contra grupos vulneráveis em nossa sociedade são fatores determinantes para a construção do “eu” e da sua relação com o “outro”.

diversidade epistêmica (BERNARDINO-COSTA E GROSFOGUEL, 2016), com vistas a resolver nossos grandes dilemas humanitários, como a dissolução do patriarcado, do racismo e dos demais efeitos produzidos pela colonialidade.

Se as pesquisas selecionadas por esse estado da arte não denotaram, quando da produção de seus dados, as diferenças e as diversidades presentes nas/nos participantes de seus estudos, essa pesquisa orientou-se por convidar mulheres não só em um largo espectro de diversidade como mobilizá-lo quando da produção dos dados. Por essa feita, a pesquisa aqui desenvolvida engaja-se, primeiramente, com um compromisso político que permeia as relações entre identidade individual e social, no qual não só acompanha um movimento mundial em inovação de pesquisa, com o crescimento de estudos baseados na imbricação entre raça, classe, gênero, sexualidade e demais marcadores sociais, mas também se guia pelos princípios de liberdade, equidade, justiça social, democracia participativa, emancipação e ética (COLLINS, 2017).

Dessa forma, intentou-se compreender as perspectivas de amor romântico e relacionamento amoroso produzidas com as mulheres da Universidade de Brasília em oficinas de extensão à medida que essas mulheres ostentavam um múltiplo imbricado de identidades, ordenadas por marcadores sociais da diferença. Assim sendo, a produção dos dados foi tão complexa quanto possível e levou em consideração aspectos raciais, de gênero, de orientação sexual, de classe, de corpo e/ou de idade. Destarte, considero que esta pesquisa supre lacunas apontadas por esse estado da arte, já que articula gênero a demais marcadores sociais da diferença quando da produção de seus dados.

É importante destacar também que o estado da arte demonstrou haver um pouco mais de uma dezena de pesquisas sobre amor romântico e relacionamento amoroso produzida com ou exclusivamente com mulheres provenientes de contextos universitários nos últimos dez anos. Por essa feita, essa pesquisa contribui para o debate, já que visa compreender quais são as perspectivas de amor romântico e relacionamento amoroso produzidas com as mulheres da Universidade de Brasília.

Em último, as pesquisas inscritas neste estado da arte foram desenhadas metodologicamente a partir de uma perspectiva mais tradicional, com destaque para o uso de técnicas de pesquisa que foram desde a realização de entrevistas semi-estruturadas (método qualitativo) e aplicação de questionários, com dados processados por análise estatística (método quantitativo). Verificou-se que as/os participantes exerceram um papel mais reativo na maior parte das pesquisas examinadas.

Todavia, esta pesquisa diferenciou-se por utilizar um escopo metodológico com caráter formativo, ativo, horizontal, democrático e focado nas histórias e narrativas de vida das participantes, o que se traduziu na seleção de técnicas de pesquisa (gameplay e trabalho biográfico com objetos) que

refletissem tal construção metodológica. Dessa forma, foram produzidos diálogos com as mulheres sobre as temáticas de amor romântico e relacionamento amoroso, em que elas não só participaram desta pesquisa, elas foram agentes e produtoras de conhecimento umas para com as outras.

4. O PERCURSO METODOLÓGICO E AS VEREDAS DESAFIADORAS PERCORRIDAS