• Nenhum resultado encontrado

A produção dos dados a serviço da percepção de diversidades e diferenças emergidas mediante

6. AMOR ROMÂNTICO E RELACIONAMENTO AMOROSO SOB A PERSPECTIVA

6.3 A produção dos dados a serviço da percepção de diversidades e diferenças emergidas mediante

Remeto essa intelecção a duas reflexões teóricas: primeiro à metáfora da “prateleira do amor” (ZANELLO, 2018, n.p), explicitada no Capítulo 3 dessa dissertação, e segundo ao argumento de Pereira (2019) sobre o fato de que “laços afetivos-sexuais são constituídos por meio de dinâmicas sociais” (ibidem, p. 142), em que mulheres brancas são escolhidas para relacionamentos amorosos, em desfavor de mulheres negras, sobretudo as retintas, uma vez que o colorismo pode favorecer mulheres negras pardas, por carregarem alguns signos próximos da branquitude.

Ressalvo que, apesar de serem duas histórias individuais, marcadas pela facilidade amorosa para uma e a rejeição amorosa para outra, nas quais essas situações específicaspodem não ter acontecido nesses casos concretos por questões étnico-raciais, deixo aqui essa reflexão sobre o tema.

6.3 A produção dos dados a serviço da percepção de diversidades e diferenças emergidas

solitude (Sheila, Oficina 0), da independência (Bárbara, Oficina 0) e da construção de relacionamentos em que a violência não se faz presente (Virgínia, Oficina 1).

Todavia, é importante destacar que a maior parte das jovens adultas que participaram oral e/ou visualmente e/ou pelo chat relataram episódios micromachistas (MÉNDEZ, 1995) ou violentos atrelados às expectativas sociais de amor romântico e de relacionamento amoroso tradicional. Destacam-se o comentário de Carolina (Oficina 1) quando ela afirmou que não consegue imaginar um relacionamento sem violência, assim como a fala de Tânia (Oficina 0), em que foi questionada por não se tornar amante de algum homem, já que não queria assumir um relacionamento amoroso oficial.

Apesar de essa relação entre idade e sexualidade não ter sido mobilizada pelas participantes em seus discursos, reflito se a identificação com uma orientação sexual disruptiva face aos valores conservadores da sociedade, aliado à juventude, seja um possível fator a ser considerado para compreender o fato de a vivência dessas mulheres seja mais centradas em si (autocentrada) do que centradas no outro (hetero-centrada), sendo esse entendido como possível/future parceire amorose46 (ZANELLO, 2018, n.p). Com isso, pontuo essa reflexão para futuros estudos que possam pensar a imbricação de juventude, sexualidades dissidentes, amor romântico e relacionamento amoroso com a comunidade universitária.

No que tange a possíveis inferências face a inter-relação entre as categorias sexualidade e idade, as mulheres adultas heterossexuais relataram o maior número de casos de violências, sendo um deles gravíssimo, com a ocorrência de uma ameaça de feminicídio percebida pela participante Eva (Oficina 2). Todavia, a concentração de excertos sobre desconstrução do conceito de amor romântico, construção de relacionamento saudável, superação ou superação de dificuldades em casal reside nas narrativas de mulheres pertencentes a esse grupo.

Produzir esses dados me fez refletir que as mulheres pertencentes ao grupo das mulheres adultas compreenderam em grande medida as armadilhas do amor romântico e procuraram mitigá-las, seja no fortalecimento de uma relação consigo mesmas, a exemplo de Dalila (Oficina 1) e de Eva (Oficina 2), seja na superação de dificuldades em casal (Lucrécia e Iasmim, Oficina 1), seja na construção de novos relacionamentos amorosos, agora saudáveis (Monique e Estela, Oficina 1), ou seja da não-aceitação de novos relacionamentos abusivos (Dalila e Monique, Oficina 1).

46 A linguagem neutra foi aqui utilizada em respeito a diversidade sexual presente entres a maioria das mulheres jovens adultas.

Aponto como futuros estudos a possibilidade de compreender se essa chamada atitude desconstrutiva sobre amor romântico, tão trazido em algumas narrativas das mulheres dessa idade e com essa orientação sexual, é abrangente em nossa sociedade, em que medida, de que forma e em quais grupos. Inspirei-me em Lucrécia, que não é uma mulher pertencente à comunidade universitária, a refletir sobre essa ramificação da pesquisa, já que ela foi uma das mulheres que mais mobilizou essa subcategoria analítica.

No que tange à situação de classe das participantes, nenhuma mulher relacionou-a na produção de discursos sobre si face às categorias analíticas de amor romântico e relacionamento amoroso. No entanto, Estela (Oficina 1) e Kênia (Oficina 2) fizeram relatos similares sobre terem presenciados situações e/ou ouvido relatos sobre a violência doméstica vivida por mulheres pobres em relacionamentos amorosos por conta da dependência financeira para com seus companheiros e/ou por conta da baixa escolaridade, em virtude da atuação profissional da primeira, que é assistente social, e da atuação da segunda, respectivamente, em projetos de caridade em um bairro periférico da cidade de São Paulo.

Ainda, Estela relatou ter nascido em uma periferia do extremo sul de São Paulo e hoje vive em um bairro nobre dessa cidade, portanto sabe “bem os dois lados da moeda”. Ademais, ao mesmo tempo que relata que as pessoas do bairro nobre supostamente têm mais consciência sobre a evitação de violência em relacionamentos amorosos, muitas dessas mesmas mulheres também passam por situações violentas nesses contextos:

E é engraçado quanto a questão social acaba dividindo de fato tudo isso que a gente tá falando, porque é como se eu visse dois mundos hoje, sabe? Das pessoas que vivem por aqui, que tiveram educação, que as mães já vieram de uma geração que puderam estudar e tem mais consciência das coisas e eu já estou há muito tempo morando aqui [...]

infelizmente, socialmente, aqui tem muitas mulheres que também passam por isso, mas, onde eu faço ação social, eu vejo acontecer muito mais da violência, do amor com violência, tá associado a parte social da história, infelizmente (Estela, áudio/vídeo, Oficina 1)

Nenhuma mulher participante das três oficinas era uma pessoa com deficiência. Durante as fases de inscrições para a Oficina 1, uma mulher com deficiência cadastrou-se na atividade, porém não informou qual deficiência tinha e também não pôde comparecer no dia do evento. No caso de mulheres indígenas, não houve indícios que de alguma tenha tomado ciência das atividades e/ou se inscrito.

Com relação à percepção do corpo, doze mulheres o perceberam como magro, seis mulheres como “nem gordo nem magro” e uma mulher como “gordo menor”. Apesar da relativa diversidade de corpos, o aspecto corporal não foi mobilizado junto às categorias de amor romântico e relacionamento amoroso.

Diante do que foi visto no Capítulo 3 mediante conceito da solidão da mulher gorda, em que amor, afeto e/ou sexo para pessoas gordas constroem-se, via de regra, entremeadas pela objetificação sexual e apagamentos, sinto-me pessoalmente feliz47 com o fato de não terem emergidos discursos violentos emitidos por mulheres nem gordas nem magras e pela única mulher gorda menor das três oficinas (Monique, Oficina 1), inclusive ela relatou ter superado um relacionamento abusivo e hoje se encontra em um relacionamento saudável.

47 Tal felicidade advém, sobretudo, por ser uma mulher gorda menor e já ter sofrido violências provindas da pressão estética e de gordofobia por parceiros amorosos, familiares e médicas/médicos.