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4. M ETODOLOGIA – CONSTRUÇÃO DO TEMA E DEFINIÇÃO DO CAMPO

4.1 A BORDAGEM METODOLÓGICA

Em nosso objeto consideramos um fator essencial: a observação e análise dos impactos psicossociais provocados pelo uso das tecnologias como recursos mediadores de dinâmicas de desenvolvimento pessoal.

Este é um campo ainda novo de estudo e, em permanente mudança, com possibilidades de ampliação e abertura de outros canais. Trata-se, portanto, de um saber que não se esgota em si mesmo e, tampouco, propõe um arcabouço teórico fechado.

Ao longo dos tempos, no ambiente escolar foi sustentado o modelo de relações verticalizadas, no qual o professor era o detentor de um conhecimento a ser transmitido, de maneira pré-definida, a partir da estrutura curricular, e o aluno, aquele a receber algo pronto.

Entretanto, na atual sociedade - a sociedade líquida de que trata Bauman (2001) – o aluno pode ter - e tem - acesso praticamente irrestrito não só a todo e qualquer tipo de informação, como também, às mais distintas pessoas. Com as redes sociais, é possível acompanhar em tempo real informações, declarações, opiniões, sugestões de pessoas que até algum tempo seriam inacessíveis (caso, por exemplo, de figuras públicas, políticos, artistas, celebridades) e também, interagir com elas. Dinâmica que talvez retire a aura de mistério que envolvia esses personagens, tornando-os próximos e familiares. E que, certamente, cria a possibilidade de aproximação com modelos inspiradores – seja assistindo uma aula ou conferência de alguém por quem se tenha admiração, mesmo que isso aconteça do outro lado do oceano, seja estabelecendo canais diretos de comunicação.

Realidade que permite aprender e ensinar em qualquer hora ou lugar, individual ou coletivamente; escolher os temas de interesse, integrar conteúdos diversos, algo quase como customizar a grade curricular. Talvez algo próximo do que acontecia na relação com preceptores (ainda que nestes casos raramente a definição dos temas fosse prerrogativa do estudante).

Ainda no pré-campo da pesquisa, escutei de um professor de matemática que leciona no Ensino Fundamental I e no Ensino Médio ―Hoje os alunos estão aprendendo um monte de outras coisas; há um ‗currículo oculto‘ [...] e o professor tem que acompanhar isso.‖

Na cultura digital são desenhadas novas formas de acesso ao conhecimento e também, de produção e divulgação de conteúdos.

A abrangência do tema, os permanentes avanços tecnológicos e os desdobramentos de aplicação destes recursos requerem um olhar voltado a uma (re) avaliação do potencial e dos limites das TICs; uma investigação em que alguns aspectos obrigatoriamente devem ser considerados:

 O contexto social, político, econômico e cultural,

 Os atores, as relações estabelecidas entre eles, influências e impactos do uso da tecnologia nestas relações,

 Reflexões sobre novas posições e lugares ocupados pelos sujeitos.

 O objetivo geral da pesquisa foi observar quais posições o professor ocupa - ou pode ocupar - neste cenário de crescimento da inserção de recursos tecnológicos nas escolas, especialmente o uso de computadores e o acesso a banda larga.

Delinearam-se como objetivos específicos:

 Identificar quais posições são demandadas do professor e quais ele efetivamente ocupa – foco central da pesquisa, a partir da definição de três perfis norteadores: professor, mediador e mentor;

 Observar como o uso de tecnologias interfere nas dinâmicas de aprendizagem;

 Identificar possíveis contribuições e limites no emprego das TICs, nos processos educacionais e de gestão das escolas.

Muitas e complexas variáveis. Mais do que o uso das TICs na educação, o que cabe pesquisar, discutir e refletir a respeito é o que acontece com a educação na cultura digital.

Trata-se de observar um cenário de mudanças e, mais do que isso, uma mudança de cenário e de época, cuja discussão, ainda que intensa, encontra-se em processo de construção. Muitos são os olhares, os questionamentos, os posicionamentos frente a este mundo. Algo que a teoria por si só não dá conta. E cria-se a necessidade de uma aproximação com os atores centrais de nossa questão – professores e alunos – não com a intenção de encontrar ou fechar respostas, mas de levantar tendências.

Nos relatos dos professores e alunos entrevistados, buscou-se uma visão de qual relevância está sendo atribuída ao instrumental, se o avanço do uso das TICs no cotidiano das

escolas está interferindo na relação entre os atores, se mudanças e novas demandas estão ocorrendo e, em caso positivo, como se manifestam.

A partir daí, o próximo passo seria identificar no universo pesquisado que posições são ocupadas pelos responsáveis diretos pela transmissão do conhecimento: os professores; mas também, quais são demandadas pelos alunos. Surgiria neste cenário uma nova posição, um novo semblante? Que lugares o professor passa a ocupar?

O ponto de partida foi a perspectiva de uma aproximação com o tema que provocasse a construção de um conhecimento que contemplasse os acontecimentos externos, públicos, considerando o contexto em que o objeto se constitui, em que o trabalho científico ocorre.

Uma abordagem de inspiração etnometodológica, na qual a interpretação inclui a representação que os atores fazem de si mesmos e da rede-ator em que interagem. Proposta de considerar as pessoas envolvidas, as inter-relações que se estabelecem, sendo necessário analisar tudo aquilo que atua e interfere no cenário e modifica o estado das coisas como, por exemplo, as inovações tecnológicas. Assim mundo das coisas e mundo dos homens não são universos separados – ambos surgem como efeitos de redes heterogêneas. (LATOUR, 2007). Ao estruturar sua concepção de ator-rede, o autor tomou como ponto de partida as reflexões sobre matéria e corpo apresentadas no século XVIII por Diderot, que introduziu o termo réseau (rede), ideia que contesta a dicotomia cartesiana matéria – espírito. Prenunciava-se aí uma nova visão da relação do homem com as coisas, com o mundo. Algo muito além da lógica binária e dicotômica.

Multiplicidade abordada por Deleuze e Guattari (1995) ao trazerem a metáfora do rizoma: dimensões que se ampliam na medida em que as conexões também se alargam; ―um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo.‖ (p. 37).

Quando se coloca como foco do trabalho o ser humano inserido em seu contexto social, político, econômico e cultural fica estabelecido um cenário de pesquisa que não comporta limites estanques ou pré-definidos. Oportunidade e necessidade de se estabelecer uma aproximação com o tema recorrendo a saberes diversos e múltiplos.

A sustentação de uma abordagem que considere a todo momento a expressão dos atores envolvidos requer então, a adoção da investigação qualitativa, abordagem que segundo Maxwell (2005) permite que o pesquisador trabalhe com ―proposições‖ e que desenhe a(s)

hipótese(s) depois que já começou o estudo. Um caminho que permite trabalhar com aspectos subjetivos e intangíveis, partindo de questões sobre ―o significado de eventos e atividades para as pessoas neles envolvidas; a influência dos contextos físico e social nestes eventos e atividades; o processo pelo qual esses eventos e atividades, e seus resultados, ocorreram.‖ 32 (p. 75, grifos do autor, tradução nossa).

Ao tratar do papel do pesquisador, afirma: ―[...] você é o instrumento de pesquisa [...] e seus olhos e ouvidos são as ferramentas que utiliza para dar sentido ao que está acontecendo.‖ 33 (p. 79, grifo do autor, tradução nossa).

A observação e discussão de possíveis impactos psicossociais provocados pelo uso das tecnologias como recursos mediadores de dinâmicas de desenvolvimento pessoal foi um fator essencial nesta pesquisa. A escolha deste método se deu por conta de entendermos que esta aproximação permite que se trabalhe de maneira reflexiva sobre temas e fatores previamente levantados com base nas análises teóricas e que, simultaneamente, seja possível abrir espaço para a manifestação espontânea do interlocutor, explorando valores, opiniões e percepções. (THIOLLENT, 1980).