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4. A educação bilíngue

4.1 Brasil: bilíngue desde o seu descobrimento

No Brasil, levando em consideração o compêndio Ethnologue: Languages of the World, há 236 línguas individuais listadas. Dessas, 216 são vivas e 20 são extintas. Das línguas vivas, 201 são indígenas e 15 são não indígenas. Apesar desses dados, há no Brasil

o mito do monolinguismo, herança deixada pelos colonizadores portugueses. Esse mito tem sido capaz de apagar as minorias linguísticas e dialetais existentes no país, isto é, as nações indígenas, as comunidades de imigrantes e as comunidades que falam variedades sem prestígio do português (MELLO, 2010, p.125).

Em contramão ao que ocorre em outros países, onde observamos línguas nacionalmente compartilhadas – como é o caso do Guarani no Paraguai – ou então regionalmente funcionais – como na Espanha –, o Brasil não apresenta, além da Língua Portuguesa e da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), nenhuma outra língua de abrangência nacional ou mesmo regional. Apesar de existerem diversos municípios onde se falam majoritariamente línguas indígenas ou de imigração, essas línguas não são reconhecidas como línguas oficiais (MORELLO, 2012). Esse patrimônio cultural é desconhecido por grande parte da população brasileira, que se acostumou a ver o Brasil como um país monolíngue.

Reconhecendo a diversidade linguística do país, sob gestão do Ministério da Cultura, foi implementado em 2010 o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL)39. O inventário foi promulgado “como instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 2010). Com a finalidade de examinar as propostas de inclusão de línguas no INDL, o Ministério da Cultura institui comissões técnicas integradas por representantes dos Ministérios da Cultura, da Educação, da Justiça, da Ciência e Tecnologia e do Planejamento, Orçamento e Gestão. Esta política nacional marca um novo papel do Estado no trato de suas línguas e daqueles que as falam e, ao mesmo tempo, propõe um debate sobre os desafios que se colocam para a construção de políticas públicas participativas, que respeitem e promovam o direito às línguas em sua diversidade.

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Em setembro de 2015, foi realizado, em Santa Catarina, o 1º Encontro Nacional de Municípios Plurilíngues (1ºENMP)40. O encontro foi um espaço de troca de experiências, discussão e formação para gestores, professores e agentes culturais, entre outros, de municípios brasileiros que cooficializaram línguas ou que potencialmente desejam ou podem fazê-lo. Segundo o encontro, desde 2010, 14 municípios de estados brasileiros cooficializaram 11 línguas, destas sete são indígenas e quatro de imigração.

Antigamente, de acordo com FLORY (op. Cit.) as escolas bilíngues no Brasil eram procuradas por famílias de imigrantes, como alemães, franceses e italianos, que desejavam ver seus filhos crescerem em contato com sua cultura de origem ou por famílias que queriam passar um período limitado no país e depois se mudariam para outros países (imigrantes em trânsito). Porém, hoje em dia, essa situação é diferente. Muitos pais brasileiros buscam por uma educação bilíngue para os seus filhos. Na análise do contexto educacional bilíngue brasileiro atual, Mello (2010) enfatizou que uma parcela muito pequena da sociedade brasileira tem acesso a esse tipo de educação, sendo, portanto, despido de qualquer representatividade no sistema educacional brasileiro e sem uma legislação nacional específica para esta prática.

Em sua página na Internet41 sobre Educação Bilíngue no Brasil, Selma Moura, destacou que muitos leitores apresentam dúvidas sobre os aspectos legais que regem as escolas bilíngues no país. Como notou Moura (2016), a Lei de Diretizes e Bases da Educação (LDB) reconhece a existência de um modelo de educação bilíngue: a educação intercultural indígena, o que pode ser considerado uma conquista valorosa dos povos originais de nosso país, e uma reparação pela violência linguística que sofreram durante cinco séculos. Geralmente a língua materna dos povos indígenas brasileiros é a língua indígena, logo, a língua portuguesa representa a segunda língua, e seu bilinguismo não é eletivo. Por isso, em seu processo de escolarização, a educação bilíngue consiste em uma forma fundamental que assegura o acesso à cidadania por meio da preservação de sua língua materna e de acesso à língua oficial do país.

Storto (2015) também frisou a necessidade de se promover discussões relacionadas ao ensino bilíngue no Brasil, uma vez que “essas escolas não são submetidas nem a uma legislação regulatória, nem à fiscalização periódica por parte dos órgãos educacionais brasileiros no que diz respeito à implementação, avaliação e desenvolvimento de programas educacionais bilíngues” (GARCIA, 2011, p.101 apud STORTO, 2015, p.8).

40 http://1enmp2015.blogspot.com.br/ 41 https://educacaobilingue.com/

Consequentemente, a maioria dessas escolas adota modelos educacionais bilíngues importados de outros países, como o Canadá.

Moura acrescentou que, no caso das escolas bilíngues particulares, o bilinguismo é opcional. Portanto, essas escolas são vistas pela legislação brasileira como qualquer outra do território nacional e estão sujeitas às mesmas regras e obrigações. Consoante à LDB, a educação deve se dar em língua portuguesa, a língua oficial do país, nas escolas de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, com exceção às comunidades indígenas. Por isso, a autora concluiu que, na prática, as escolas brasileiras devem oferecer 200 dias letivos e aulas dos componentes curriculares obrigatórios em língua portuguesa, com uma carga horária mínima de 4 horas diárias. Todavia, para que possam concretizar seu diferencial - o ensino em uma segunda língua – as escolas geralmente acrescentam um horário complementar e um currículo adicional. Grande parte desses colégios oferece cerca de 3 horas diárias a mais em seu período letivo. Dessa forma, procuram equilibrar o tempo de exposição à segunda língua com o tempo regulamentar no currículo brasileiro. Durantes as inspeções realizadas periodicamente nas escolas, as diretorias de ensino avaliam este período complementar como um “curso extra”, permitindo que a escola tenha bastante liberdade na condução deste modelo, e não sofra nenhuma cobrança externa a esse respeito. Na visão de Moura,

fica evidente que para que seja feita uma educação bilíngue séria, verdadeira e de qualidade, é fundamental o respeito às leis brasileiras, o oferecimento de um currículo normal, brasileiro, enriquecido pela oferta de um currículo que a ele se acrescente, de forma integrada. Para isso, a carga horária expandida é condição essencial (MOURA, 2016).

Apesar da ausência de normativas específicas para a execução de proposta curricular bilíngue e bicultural reconhecida entre o Brasil e outras nações, o Conselho Estadual de Educação do Governo do Rio de Janeiro deliberou, em novembro de 2013, por meio da Resolução CEE Nº 341, a respeito de normas para a oferta de Ensino Bilíngue e Internacional na Educação Básica, pelas instituições pertencentes ao Sistema de Ensino do Estado. O conselho assumiu, ainda,

a visão do mundo como uma comunidade globalizada, tornando necessário o uso de mais de uma língua e a necessidade de uma Legislação que explicite e normatize essa forma ou modelo de ensino bilíngue e internacional, estabelecendo critérios e requisitos para oferta e certificação dos alunos (RIO DE JANEIRO, 2013, p.1).

Notavelmente, esta deliberação, em seu Título I, diferenciou as escolas bilíngue e internacional. Consoante o disposto no Art. 1º, a Escola Bilíngue “é o ambiente em que se falam duas línguas, onde ambas são vivenciadas por meio de experiências culturais, em

diferentes contextos de aprendizado e em um número diversificado da disciplina” (IBIDEM). Assim, o aluno será capaz de incorporar o novo código como se fosse sua língua nativa, ao longo do tempo. Em contrapartida, a Escola Internacional, como versa o segundo artigo, “deve atender aos preceitos da Constituição Nacional e da Constituição do país que representa, ser reconhecida oficialmente pelo país estrangeiro [...]”(IBIDEM). Além disso, a Escola Internacional necessita prestar contas a órgãos internacionais e deve também ministrar aulas de imersão na língua do país representado, trabalhando e valorizando o pluralismo de ideias e culturas dos países envolvidos. No que concerne à concepção, a Escola Bilíngue deve manter a identidade cultural brasileira e oferecer a possibilidade do domínio da língua estrangeira, e a Escola Internacional deve manter a identidade cultural dos estrangeiros residentes no país. Finalmente, em relação aos objetivos, fica definido que a Escola Bilíngue deve ensinar a língua estrangeira como objeto de estudo, e a Escola Internacional obriga-se a ensinar a língua de origem como instrumento de estudo.

Em São Paulo, existe a Organização de Escolas Bilíngues (OEBI)42 que, desde outubro de 2000, reúne escolas e profissionais comprometidos com o desenvolvimento e a expansão do ensino bilíngue no Estado. Atualmente, essa organização possui 11 escolas associadas com os objetivos de a) buscar a excelência do ensino bilíngue mediante a formação e troca de experiências entre as Instituições de Ensino; b) qualificar instituições primando pela qualidade educacional e excelência acadêmica; c) agregar escolas bilíngues e profissionais comprometidos com a qualidade de ensino, promovendo o bem-estar, o estímulo do aprendizado e o crescimento humano; e d) promover a relação entre a comunidade bilíngue envolvendo pais, profissionais e alunos.

Apesar do caráter elitista da educação bilíngue do grupo dominante (HAMERS AND BLANC, 2000), em 2014, o Rio de Janeiro destacou-se como o primeiro estado a ganhar uma escola pública bilíngue no país. O CIEP 117 – Carlos Drummond de Andrade, em Nova Iguaçu, faz parte do projeto Dupla Escola e tem aulas ministradas em português e inglês. O Programa Dupla Escola43 dispõe-se transformar a unidade escolar convencional em um espaço de oportunidade para o aluno, onde ele entenda que o investimento nos estudos influencia diretamente o seu futuro. Além disso, a Prefeitura do Rio implantou, a partir de 2013, o programa Rio Criança Global, que oferece o ensino bilíngue em inglês e em espanhol. O projeto tem o objetivo de introduzir metodologia e práticas de ensino em duas línguas desde a Educação Infantil até o 6º ano.

42 http://www.oebi.com.br/

Em fevereiro de 2016, foi divulgada a primeira escola pública bilíngue de japonês e português no Estado do Amazonas. A Escola Djalma Batista44 tem capacidade para atender a 1.100 alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental em tempo integral. Quanto a Rossiele Soares, o secretário de Educação do Amazonas, a escolha pelo ensino de japonês ocorreu devido à existência de 87 empresas no Distrito Industrial, que têm origem ligada ao Japão. Portanto, o governo considerou necessário formar os amazonenses. Este acontecimento faz jus à justificativa para o desenvolvimento da educação bilíngue apresentada por Genesse (2010) ao retratar o crescimento da globalização dos negócios e do comércio. No início deste ano, foi divulgado que o Amazonas terá também a primeira escola bilíngue em Língua Francesa45. O formato de escola bilíngue será trabalhado com todos os estudantes do Ensino Fundamental. A instituição contemplada será a Escola Estadual José Carlos Mestrinho, localizada no Distrito Industrial, zona sul de Manaus.

A despeito dos exemplos apresentados acima, Mello (2010) enfatizou que a despeito da mudança de cenário em termos sociopolíticos, a orientação monolinguística ainda predomina em nosso país. Conforme relata o autor,

As escolas públicas seguem um currículo nacional que requer o ensino de uma língua estrangeira para os alunos do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e médio, porém o ensino dessa língua estrangeira tem sido, em geral, negligenciado, sem visar a um bilinguismo de fato. Essa língua estrangeira tem sido tradicionalmente o inglês, desde a reforma educacional (Lei de Diretrizes e Bases) de 1971, promovida pelo governo da ditadura militar e com o suporte do governo dos Estados Unidos (MELLO, 2010, p.128).

Ainda que a diversidade linguística de nosso país seja negligenciada, é evidente o crescimento da educação bilíngue no Brasil. No entanto, nem sempre pais de alunos tem clareza sobre a noção exata de educação bilíngue, sobre seus objetivos e orientações, modelos e tipos de programas e, principalmente, sobre sua relação com o desenvolvimento infantil. Além disso, restam dúvidas sobre como e por que os programas bilíngues funcionam da maneira como são.