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A EDUCAÇÃO BILÍNGUE EDUCA PARA QUE? UMA ANÁLISE DE PESQUISAS ACERCA DO BILINGUISMO NA INFÂNCIA

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LARISSA DE SOUZA MELLO

A EDUCAÇÃO BILÍNGUE EDUCA PARA QUE? UMA ANÁLISE DE PESQUISAS ACERCA

DO BILINGUISMO NA INFÂNCIA

Niterói 2017

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A EDUCAÇÃO BILÍNGUE EDUCA PARA QUE? UMA ANÁLISE DE PESQUISAS ACERCA

DO BILINGUISMO NA INFÂNCIA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da

Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Linguagem, Cultura e Processos Formativos

Orientador:

Prof.a Dr.a Zoia Ribeiro Prestes

Niterói 2017

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

M527 Mello, Larissa de Souza.

A educação bilíngue educa para que? Uma análise de pesquisas acerca do bilinguismo na infância / Larissa de Souza Mello. – 2017.

125 f.

Orientadora: Zoia Ribeiro Prestes.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, 2017.

Bibliografia: f. 95-99.

1. Educação bilíngue. 2. Aquisição de linguagem. 3. História. 4. Cultura. I. Prestes, Zoia Ribeiro. II. Universidade Federal

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A EDUCAÇÃO BILÍNGUE EDUCA PARA QUE? UMA ANÁLISE DE PESQUISAS ACERCA

DO BILINGUISMO NA INFÂNCIA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da

Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Linguagem, Cultura e Processos Formativos

Aprovada em 07 de março de 2017.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Profª Drª Zoia Ribeiro Prestes - UFF

_____________________________________________ Profª Drª Marisol Barenco de Mello - UFF

_____________________________________________ Profª Drª Elizabeth Tunes - UnB

Niterói 2017

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A Deus, que planejou e guardou este sonho chamado Mestrado para o momento certo da minha vida.

A minha avó Suelir, por “me pegar no colo” nos dias de estudo e trabalho intensos.

Ao meu avô Ronaldo, pelo exemplo de pai, avô, militar e amante dos livros.

A minha mãe Mirna, pelas orações noite e dia.

Ao meu marido Thiago, por sonhar este momento comigo.

Ao meu pai Augusto, pelo orgulho que brilha nos olhos distantes.

Ao meu afilhado Antônio, por me fazer lembrar todos os dias o quanto a infância é encantadora.

A minha prima Natalia, por ter sido a primeira pessoa a dizer que eu era capaz de ingressar no Mestrado da UFF.

As minhas amigas Thaís e Vanessa, pela torcida constante e sorrisos fáceis.

Aos meus tios e padrinhos Fernando e Roseane, por me acolherem como filha em sua casa.

A minha orientadora Zoia Prestes, pelo exemplo de mãe, professora e pesquisadora.

Aos meus colegas do NUTHIC, pelos conhecimentos, dúvidas e angústias compartilhadas.

Ao meu amigo Frederico Vasconcelos, pelo exemplo de dedicação e profissionalismo.

Aos CMG Fonseca Junior e CF(FN) Tonini, por apoiarem desde o início o ingresso no Mestrado, apesar das demandas do meu trabalho.

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A todos os alunos que tive e ainda terei, por me permitirem fazer o que eu amo.

A minha primeira professora de Português, Ana Cláudia, por me apresentar o amor pelas Letras/letras.

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Language is, quite literally the stuff of life. The more you can speak of other people‟s languages, the more you can be part of their lives and enrich your own. Paddy Ashdown

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Este trabalho, com base numa pesquisa bibliográfica, aponta para a complexidade e a amplitude do bilinguismo na infância e defende que este fenômeno impulsiona o desenvolvimento humano. Destaca-se que, apesar de terem sido escritas no início do século XX, obras de dois pesquisadores bielorrussos, Lev Semionovitch Vigotski e Lev Vladimirovitch Scherba, contribuem, ainda hoje e significativamente, com as discussões que abrangem o bilinguismo, seja pelo aspecto psicológico ou pelo aspecto linguístico. Conforme argumenta Vigotski, o papel orientador da educação exige que as escolas bilíngues estejam conscientes de sua importante função no que diz respeito ao desenvolvimento da fala da criança, Scherba, por sua vez, analisa os sistemas linguísticos e defende a importância da atividade da fala como um fenômeno social. Apesar da contemporaneidade do fenômeno bilinguismo, as pesquisas no Ocidente sobre o tema, principalmente no Brasil, ainda são escassas e os estudos existentes apresentam apenas visões antagônicas que questionam superficialmente a influência de uma língua sobre a outra e a influência no desenvolvimento cognitivo da criança. Por isso, ao buscar relevantes produções referentes ao tema, deparamo-nos com os estudos de Vigotski e Scherba e, por meio de um possível diálogo entre a psicologia e a linguística, sugerimos a análise da relação do bilinguismo infantil com o desenvolvimento das funções psíquicas superiores e do significado prático, formativo e educativo do ensino de línguas estrangeiras. Os procedimentos e reflexões sugeridas por Vigotski e Scherba evidenciam a atualidade de seus estudos no campo do bilinguismo na infância. Além disso, apresentamos, nos anexos, as traduções para o Português dos textos de Vigotski e Scherba ainda inéditos no Brasil. Consideramos que o trabalho contribui com as discussões em torno do bilinguismo e da educação bilíngue no Brasil e pode impulsionar futuras pesquisas neste campo, principalmente, no momento em que muitas famílias têm buscado escolas que oferecem o ensino de uma língua estrangeira como obrigatória desde a educação infantil, fundamentas em objetivos puramente mercadológicos.

Palavras-chave: Educação Bilíngue. Desenvolvimento da Fala. Abordagem

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This work, based on a bibliographical research, points out the complexity and amplitude of bilingualism in childhood and argues that this phenomenon drives the human development forward. It is noteworthy that, although they were written in the early 20th century, the works by two Belarusian researchers, Lev Semionovitch Vygotsky and Lev Vladimirovitch Scherba, still contribute significantly to the discussions that cover bilingualism, whether psychological or by the linguistic aspect. As Vygotsky claims, the guiding role of education requires bilingual schools to be aware of their important role in the development of children's speech. Scherba, in turn, analyzes linguistic systems and advocates the importance of speech activity as a social phenomenon. Despite the contemporaneousness of the bilingualism phenomenon, research in the West on the subject, especially in Brazil, is still scarce and the existing studies present only antagonistic visions that superficially question the influence of one language on the other and its influence on the cognitive development of the child. Therefore, when looking for relevant productions related to the theme, we came across the studies of Vygotsky and Scherba and, through a dialogue between psychology and linguistics, we suggest an analysis of the relationship between child bilingualism and the development of higher psychic functions and the practical, formative and educational meaning of foreign language teaching. The procedures and reflections suggested by Vygotsky and Scherba show the relevance of their studies in the field of bilingualism in childhood. In addition, we present, in the annexes, the translations into Portuguese of the texts of Vigotski and Scherba that were still unpublished in Brazil. We consider that the work contributes to the discussions about bilingualism and bilingual education in Brazil and it may impel future research in this field, especially when many families have been searching for schools that offer the teaching of a foreign language as obligatory since the education, based on purely market objectives.

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Эта работа, на основе библиографического исследования, указывает на сложность и широту билингвизма в детстве и защищает, что этот феномен продвигает человеческое развитие. Отмечается, что хотя и были написаны в начале ХХ века, работы двух белорусских ученых, Льва Семеновича Выготского и Льва Владимировича Щербы, до сих пор значительно способствуют обсуждения, которые касаются билингвизма, либо по психологическому, либо по лингвистическому аспекту. Как аргументирует Выготский, ориентирующая роль воспитания требует, чтобы билингвистические школы сознавали свою важную функцию в смысле развития речи ребенка, Щерба, в свою очередь, анализирует лингвистические системы и защищает важность деятельности речи как социального феномена. Несмотря на современность феномена билингвизма, исследования на Западе об этой теме, особенно в Бразилии, ещѐ очень редки и те, которые существуют представляют только антагонистические взгляды, которые поверхностно критикуют влияние одного языка над другим и влияние на когнитивное развитие ребенка. Поэтому, при изучении важных работ об этой теме, мы встретились с исследованиями Выготского и Щербы и, через диалог между психологией и лингвистикой, проанализировали отношение детского билингвизма с развитием высших психических функций и практического, образовательного и воспитательного значения обучения иностранным языкам. Средства и размышления предложенные Выготским и Щербой указывают на современность их исследований в области билингвизма в детстве. Кроме этого, мы представляем в приложениях переводы на португальский язык тексты Выготского и Щербы, впервые переведѐнные в Бразилии. Считаем, что работа может способствовать дискуссиям в области билингвизма, в данный момент, когда многие семьи ищут школы, которые предлагают обязательное обучение иностранному языку с дошкольного возраста, основанные только на рыночных целях. Ключевые слова: Билингвистическое воспитание. Развитие речи. Культурно-историческая перспектива.

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INTRODUÇÃO ... 12

1.Bilinguismo: o que é, para que serve, por que estudar? ... 20

2. Bilinguismo na infância e a teoria histórico-cultural ... 29

2.1 A trajetória de Lev Semienovitch Vigotski ... 29

2.2 Análise do texto Sobre a questão do multilinguismo na infância ... 33

2.3 O Bilinguismo na infância e a atividade da fala ... 51

3. O estudo de Lev Vladimirovitch Scherba: a possibilidade de um diálogo entre a linguística e a psicologia ... 60

4. A educação bilíngue ... 73

4.1 Brasil: bilíngue desde o seu descobrimento ... 73

4.2 A modernidade de apenas conceituar e classificar ... 77

4. 3. Nos “antigos” encontramos algumas possibilidades ... 85

FUTURAS PESQUISAS: À GUISA DE CONCLUSÃO ... 93

REFERÊNCIAS ... 95

ANEXO I ... 100

Sobre a questão do multilinguismo na infância ... 100

ANEXO II ... 119

Sobre o bilinguismo ... 119

ANEXO III ... 125

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INTRODUÇÃO

Com a globalização e os crescentes movimentos populacionais, contatos entre culturas e indivíduos estão constantemente aumentando. A professora Ofélia Gárcia (2009), em seu livro Bilingual Education in the 21st Century - A Global Perspective (Educação bilíngue no Século XXI – uma perspectiva global) evidenciou que as normas de organização do trabalho e os métodos de produção causados pela nova tecnologia de comunicação e globalização têm impactado grandemente as práticas de linguagem no século XXI. Para o pesquisador brasileiro Storto, “as línguas usadas pelos falantes em zonas de contato (nas viagens, nos contextos de imigração, no mundo dos negócios, na Internet, etc.) também se tornaram mais fluídas, instáveis, transitórias, sujeitas a negociações, apropriações e disputas quanto a seus usos e sentidos” (STORTO, 2015, p.3).

Observamos que este fenômeno está voltado para o desenvolvimento de sujeitos ativos capazes de superar diferentes demandas sociais, políticas e econômicas. No que tange à Garcia, as mudanças sociopolíticas e socioeconômicas têm resultado em mudanças populacionais dramáticas. Trabalhadores migrantes, imigrantes, refugiados, requerentes de asilo, trabalhadores a negócios, exilados, estudantes de programas de intercâmbio internacionais e até turistas contribuem para o movimento populacional, tornando o bilinguismo imprescindível neste século, uma vez que eles precisam comunicar-se ou acessar informações fora de seu grupo de língua primária. A autora supracitada acrescentou que a Internet também tem aumentado nosso contato com outras línguas e, consequentemente, o bilinguismo. Flores, em seu trabalho intitulado Múltiplos Olhares Sobre o Bilinguismo, ressaltou que “o domínio de duas ou mais línguas significa, hoje, no mundo globalizado, uma grande vantagem competitiva” (FLORES, 2011, p.7). A pesquisadora citou Grosjean (1982) a fim de evidenciar que “a maioria da humanidade é bilíngue ou vive em sociedades bilíngues” (Ibidem). Diante do que relataram Ofélia Garcia e Flores, questionamo-nos acerca da situação da criança neste processo que visa à formação de indivíduos bilíngues e que, como buscamos defender à luz da teoria histórico-cultural, não se preocupa com o desenvolvimento da criança.

Nesse pressuposto, a educação bilíngue se apresenta como uma demanda crescente, que surge frente a diferentes realidades globais. Para Garcia, “a educação bilíngue é a única forma de educar as crianças no século XXI” (GARCIA, 2009, p. 5). Por isso, atualmente, vemos muitas famílias buscando por escolas que, em suas propostas político-pedagógicas,

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apresentam como destaque o ensino de uma língua estrangeira como obrigatória, além da língua materna, desde a educação infantil. Todavia, como enfatizou Garcia (Ibidem), a educação bilíngue é um fenômeno complexo, o que leva várias pessoas a interpretarem-na de forma errada. Do mesmo modo, Flores descreveu o bilinguismo como um fenômeno de múltiplas facetas, presente nos mais diversos domínios, sociais e científicos, capaz de atrair o interesse de investigadores das mais diferentes áreas de investigação. Hamers e Blanc (2000), autores que também serão abordados neste trabalho, destacaram no prefácio da segunda edição de seu livro Bilinguality and Biligualism (Bilingualidade e Bilinguismo) que o “bilinguismo tem se tornado algo mais que disciplinar: ele revisa detalhadamente como psicólogos, sociólogos, etnógrafos, linguistas e informacionistas apresentam cada um sua visão do fenômeno do bilinguismo” (HAMERS e BLANC, 2000, p. 24)1.

No texto Perspective on Bilingualism and Bilingual Education (Uma perspectiva global do bilinguismo e a educação bilíngue), escrito em 1999, o pesquisador G. Richard Tucker iniciou seu trabalho ressaltando que o número de línguas faladas pelo mundo estaria estimado em seis mil (Grimes, 1992, apud Tucker, 1999). Ao buscar pela atualização desses dados, vemos que o compêndio Ethnologue: Languages of The World (Etnologista: línguas do mundo) estipulou a existência de 7.097 línguas vivas conhecidas hoje. Tucker ressaltou que um pequeno número de línguas, como Árabe, Inglês, Francês, Hindi, Mandarim, Português, Russo e Espanhol servem como importantes línguas de ligação ou línguas de comunicação utilizadas pelo mundo e que essas línguas são frequentemente faladas como segunda, terceira, quarta, quinta ou língua adquirida posteriormente. Além disso¸ “menos de 25% do mundo, aproximadamente 200 países, reconhecem duas ou mais línguas oficiais, com um número menos expressivo reconhecendo mais que duas (ex.: Índia, Luxemburgo, Nigéria)” (Tucker, 1999, p.2). Crystal (1997, apud Flores 2011) defendeu que dois terços das crianças, em nível mundial, crescem em ambientes bilíngues, quer dizer, a maioria da humanidade é bilíngue ou vive em sociedades bilíngues, entretanto este fato não é reconhecido.

No Brasil, o Artigo 13o do Capítulo sobre a Nacionalidade da Constituição Federal Brasileira diz: "A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil" (BRASIL, 1988, p.10). Há também a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais que é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão entre as comunidades de pessoas surdas no Brasil desde 2005. Em contrapartida, as línguas indígenas ou de imigrantes

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existentes no país não são reconhecidas como línguas oficiais. Ao mesmo tempo, o número de escolas bilíngues tem crescido no território brasileiro.

Em consonância aos dados apresentados no VI Simpósio Internacional de Bilinguismo e Educação Bilíngue na América Latina2, atualmente existem 224 escolas bilíngues no nosso país, dentre públicas e privadas, sendo a maior parte delas estabelecidas na Região Sudeste, especificamente no estado de São Paulo. Durante os estudos realizados nos últimos dois anos, temos buscado dados precisos sobre o quantitativo de escolas bilíngues e encontramos duas páginas de Internet, gerenciadas por investigadoras do bilinguismo e educação bilíngue, que procuram atualizar o cadastro de escolas bilíngues no território brasileiro. O primeiro site, da pesquisadora Selma Moura3, teve seu levantamento atualizado em julho de 2013 e atualmente a página recebe novos cadastros de escolas bilíngues. O segundo, de autoria de Letícia Pimentel e Nina Stocco4, oferece consultoria aos pais, professores e escolas, oferece um banco de dados informativo com o objetivo de auxiliar pais na busca por escolas bilíngues, internacionais ou multilíngues próximas de suas residências. Porém, temos verificado que algumas escolas autoclassificam-se como bilíngues, no entanto, elas apresentam um modelo de “projeto bilíngue” que oferece aulas de inglês durante uma carga horária determinada de aulas e com frequência maior do que oferecem os currículos regulares. Como ressaltaram Hamers e Blanc (2000), os programas nos quais a segunda língua ou a língua estrangeira é ensinada como matéria e não é utilizada para fins acadêmicos não são classificados como educação bilíngue. Este fato dificulta um levantamento preciso do número de escolas bilíngues no Brasil.

Apesar do crescimento de escolas bilíngues em nosso país, as pesquisas nessa área ainda são recentes. Em busca realizada em sites de produções acadêmicas, constatamos que a maioria das produções era atinente ao bilinguismo de minorias, ou seja, o ensino bilíngue de surdos (LIBRAS) e indígenas. Além disso, as produções na área de bilinguismo do grupo dominante estão, em sua maioria, focadas nas práticas pedagógicas e não na área do desenvolvimento infantil, conforme a pretensão desta Dissertação. O bilinguismo na infância revela-se como uma questão muito discutida nos campos da psicologia e da educação atualmente (BIALYSTOK, 2008). Contudo, no âmbito da pesquisa acadêmica brasileira observamos que esta temática ainda é muito recente. Este fato levanta diversas questões

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LIBERALI, C. ; LIBERALI, F. C. Apresentação de Trabalho/Comunicação. Peru. 2015. 3 http://educacaobilingue.com/escolas/escolas-bilingues/

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pertinentes à área, principalmente no que se refere ao desenvolvimento da criança neste processo.

Como definiram Lüdke e André (2014), inevitavelmente, a atividade humana e social da pesquisa trazem consigo, a carga de valores, preferências, interesses e princípios que orientam o pesquisador. Logo, devido às minhas vivências em sala de aula, como professora de inglês - principalmente para adultos, durante os últimos cinco anos, surgiram indagações sobre a melhor forma de aprender uma segunda língua (ou língua estrangeira) e principalmente a questão da infância ser (ou não) a fase ideal para a instrução de uma segunda língua. Reconhecemos aqui a existência de parâmetros para a diferenciação dos conceitos de segunda língua e língua estrangeira assim como língua materna, língua nativa ou primeira língua. Porém, neste trabalho não iremos nos ater a estes conceitos.

Apoiada em minha experiência em sala de aula e recentes pesquisas, atentamos para o fato de que, em nosso país, o ensino bilíngue é majoritariamente motivado pela preocupação em preparar o aluno, uma criança, para uma vida acadêmica e profissional de sucesso. Por conseguinte, “o crescimento do bilinguismo no Brasil evidencia um desenvolvimento na educação e uma demanda mercadológica pressionada pelos pais de alunos de escolas regulares” (MARCELINO, 2009, p.1). Quer dizer, vivemos numa sociedade em que a demanda do trabalho é a maior preocupação e em contrapartida não há uma atenção igual no que se refere ao desenvolvimento da criança.

Para introduzir nossas reflexões acerca dos questionamentos acima, retomo os estudos de Flores ao defender que “é um dado adquirido que a nossa mente está preparada para o bilinguismo” e “a facilidade com a qual uma criança começa a falar duas línguas ao mesmo tempo é um fenômeno extraordinário” (FLORES, 2011, p.8). Outros escritores, como Schütz (2004), defenderam que por razões de ordens biológicas e psicológicas, quanto mais cedo a criança tiver contato com a Língua Inglesa, melhor e mais rápido será o ritmo de assimilação da língua alvo.

Diversos conceitos antagônicos a serem abordados em nossa Dissertação apontam vantagens e desvantagens do bilinguismo na infância. Alguns pesquisadores argumentam que o bilinguismo torna o processo de instrução da segunda língua muito mais natural e com resultados significativamente superiores. Todavia, há aqueles que apontam as desvantagens do ensino de uma língua estrangeira de modo precoce, pois supõem que a aprendizagem de um segundo idioma pode representar um freio e, inclusive, um atraso no desenvolvimento linguístico e psíquico da criança.

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Byers-Heinlein e Lew-Williams (2013) argumentam que atitudes contra o bilinguismo precoce são frequentemente baseadas em mitos e interpretações equivocadas, em vez de descobertas científicas. Em meio a esses conceitos, Bialystok afirmou que “as pesquisas recentes têm sido mais equilibradas, identificando áreas nas quais crianças bilíngues são superiores e outras áreas nas quais o bilinguismo não tem efeitos sobre o desenvolvimento” (BIALYSTOK, 2008, p.1). Desse modo, vemos que o bilinguismo é um campo extenso e que respostas definitivas para diversas questões ainda não estão disponíveis. Além do mais, algumas questões são de difícil definição devido às vastas diferenças entre famílias, comunidades e culturas estudadas.

Em vista à complexidade do fenômeno do bilinguismo, o primeiro capítulo desta dissertação aborda diferentes concepções do fenômeno a partir de possíveis justificativas para a sua demanda. Nossas descobertas partiram da definição do que vem a ser o bilinguismo, baseado, principalmente, no trabalho de Garcia (2009), Hamers e Blanc (2000) e Scherba (1974 e 2004).

No capítulo 2, apresentaremos o texto K voprosu o mnogoiazitchii v detskom vozraste (Sobre a Questão do Multilinguismo na Infância) escrito pelo pesquisador bielorrusso Lev Semenovitch Vigotski em 1929. A primeira versão em português do texto foi traduzida do russo pela orientadora desta dissertação, Zoia Prestes, em 2005 e baseava-se em um material publicado em 1981 naquele país. Entretanto, traremos nesta dissertação a versão completa do texto de acordo com uma coletânea publicada na Rússia em 2004.

Em sua teoria, Vigotski evidenciou a forma peculiar do desenvolvimento infantil que o ensino de duas línguas representa; o que demonstra uma demanda atual de investigações acerca das práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino de línguas à criança e ao seu desenvolvimento infantil. Acreditamos que todo conhecimento apresentado pelo autor nos oferece embasamento para futuras pesquisas em conformidade com as propostas sugeridas pelo próprio autor. Por isso, apresentamos nessa dissertação um estudo do seu texto agora completo e inédito em português no Brasil. Ademais, iremos conciliar nosso estudo com as referências apresentadas por Vigotski em um de seus mais conhecidos trabalhos, Michlenie i retch (Pensamento e Fala). Por intermédio de seus levantamemtos a respeito do desenvolvimento da fala, pretendemos destacar a atividade da fala como fator a ser estudado à vista do desenvolvimento das crianças bilíngues.

No Ocidente, principalmente no Brasil, as produções sobre o bilinguismo ainda são recentes e os estudos em destaque apresentam apenas visões antagônicas que questionam superficialmente a influência de uma língua sobre a outra e a sua relação com o

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desenvolvimento geral da criança. Por isso, ao buscar relevantes produções referentes ao tema, além de Vigotski, deparamo-nos com os estudos do linguista Lev Vladimirovitch Scherba, que será retratado no terceiro capítulo.

As obras desses dois estudiosos tornaram-se conhecidas fora da Rússia em épocas e formatos diferentes. Como explicaremos posteriormente, a obra de L. V. Vigotski (1896 – 1934) foi censurada na União Soviética, o que favoreceu para que seus escritos sofressem cortes e intromissões por parte de editores. Isso acarretou distorções e intepretações equivocadas de seu pensamento. No Ocidente, o mundo acadêmico teve acesso às obras de Vigotski a partir da década de 1960. A maioria dos trabalhos a que temos acesso ainda hoje no Brasil foi traduzida do inglês para o português e também sofreram cortes significativos, além de intromissões por parte dos organizadores (PRESTES, 2010). Os escritos de L. V. Scherba (1880 – 1944), contudo, parecem ser restritos principalmente à Ásia, como por exemplo, o Cazaquistão e alguns países da Europa. Apesar de ter sido um dos estudiosos a contrapor o renomado linguista francês Ferdinand de Saussure, ao reconhecer três objetos de estudo da linguagem: atividade da fala, sistema linguístico e material linguístico5, o conhecimento da obra de Scherba parece não ter chegado ao Ocidente. Além disso, grande parte dos trabalhos de Scherba, que são mencionados em textos de outros estudiosos, está em Russo. Na Língua Inglesa, encontramos o seu texto Towards a General Theory of Lexicography (Rumo a uma Teoria Geral da Lexicografia) traduzido e publicado pelo periódico britânico International Journal of Lexicography (Revista Internacional de Lexicografia) em 1995. Acreditando na contribuição dos princípios de Scherba na temática do bilinguismo, incluímos também nesta dissertação a tradução completa de dois textos que dialogaram com o nosso trabalho: O dvuiazithcii (Sobre o bilinguismo) e Praktitcheskoie, obscheobrazovatelnoie i vospitatelnoie znatchenie izutchenia inostrannirh iazikov (O significado prático, formativo geral e educativo do ensino de línguas estrangeiras). Reconhecemos a existência de outras obras do autor que descrevem o bilinguismo e o ensino de línguas estrangeiras, desse modo estes textos serão apresentados em nossas próximas pesquisas.

No último capítulo, pretendemos realçar a importância da ação pedagógica desenvolvida neste modelo de ensino, uma vez que Vigotski (2004) reconhece o papel orientador decisivo que a educação apresenta em casos de bilinguismo ou multilinguismo da população infantil. Apontamos também os conceitos inovadores de Scherba que sugere a

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elaboração de uma metodologia de ensino de línguas estrangeiras a partir da consciência das tarefas práticas. Além disso, fizemos algumas ponderações sobre as práticas pedagógicas do ensino bilíngue, já que as escolas bilíngues não têm apenas a função de ensinar a língua materna e uma segunda língua, mas também apresentam um papel fundamental no desenvolvimento da criança.

No plano da educação, Garcia difundiu a ideia de que a “educação bilíngue é boa para todos – maiorias linguísticas, quer dizer, grupos etnolinguísticos poderosos, assim como minorias linguísticas, aquelas sem poder” (GARCIA, 2009, p.11). Na visão da autora, “uma educação que é bilíngue é boa para o rico e para o pobre, para o poderoso e para o humilde, para pessoas indígenas e para imigrantes, para os falantes de línguas oficiais e/ou nacionais, e para aqueles que falam línguas regionais” (Ibidem).

Desta forma, Garcia abordou a educação bilíngue como um modelo de educação para todos, isto é, ela é apropriada não apenas para crianças em programas talentosos e inteligentes, mas também para crianças em educação técnica e profissional, assim como para aqueles em educação especial. A escritora acrescentou que a educação bilíngue é basilar para crianças ouvintes, e também para crianças surdas.

Julgamos necessário apresentar, de forma generalista, a divisão da educação bilíngue em dois grandes domínios sugerida por Hamers e Blanc (2000): a) a educação bilíngue para crianças do grupo dominante na sociedade e b) a educação bilíngue para crianças de grupos de minorias etnolinguísticas. A primeira classificação engloba crianças que frequentemente vêm de comunidades socialmente desprovidas, como é o caso dos grupos indígenas no Brasil, e os grupos imigrantes, como os hispânicos nos Estados Unidos. Por outro lado, a educação bilíngue para crianças do grupo dominante (ou majoritário) resume-se em ensino quase sempre elitista, que visa o estudo de um novo idioma, o conhecimento de outras culturas e a possibilidade de completar os estudos no exterior. Ressaltamos que o levantamento aqui apresentado tem como objetivo discutir a educação bilíngue para crianças do grupo dominante.

No ensino bilíngue, as práticas pedagógicas possuem um papel de extrema importância ao conduzir o destino da fala e do desenvolvimento intelectual da criança. Na opinião de Vigotski (2005), o bilinguismo pode transformar-se, em determinadas situações, num fator que compromete o desenvolvimento da fala materna, assim como todo desenvolvimento intelectual. Dessa forma, consideramos evidente a necessidade de pesquisas mais apuradas sobre o bilinguismo na infância e o desenvolvimento das funções psíquicas superiores: o pensamento e a fala.

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Pretendemos estudar a implicação do bilinguismo no desenvolvimento humano. Destacamos que o nosso objetivo não é questionar o papel do bilinguismo à vista de suas vantagens ou desvantagens cognitivas, semelhante à grande parte das pesquisas atuais. Baseado nestas afirmações, o presente estudo, mediante um diálogo entre a Educação, a Psicologia e a Linguística, analisará a relação entre a educação bilíngue e o desenvolvimento da criança fundamentado nos trabalhos, alguns deles inéditos no Brasil, de Vigotski e Scherba. Esperamos que, ao final deste trabalho, tenhamos contribuído para as discussões em torno do bilinguismo e da educação bilíngue no Brasil e que as futuras pesquisas obtenham dele algum benefício.

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1. Bilinguismo: o que é, para que serve, por que estudar?

A questão da diversidade cultural existente em vários países, como mencionado anteriormente, gerou uma demanda de investigações sobre os temas bilinguismo e educação bilíngue. Tucker (1999) defendeu que “há muito mais indivíduos bilíngues ou multilíngues no mundo que os monolíngues”. Consequentemente, há muito mais crianças pelo mundo que têm sido educadas por intermédio de uma segunda língua, em pelo menos alguma porção de sua educação formal, do que crianças exclusivamente educadas em sua língua materna.

Em várias partes do mundo, o bilinguismo e abordagens inovadoras à educação, que envolvem o uso de duas ou mais línguas, constituem uma experiência normal do dia a dia. Tucker (Ibidem) acrescentou que os resultados de pesquisas publicadas, longitudinal e decisivamente empreendidas em vários cenários do mundo, indicam claramente que o desenvolvimento da proficiência de múltiplas linguagens é possível.

O bilinguismo e a educação bilíngue são fatores cada vez mais cobiçados pelos educadores, legisladores e pais em inúmeros países. O termo bilinguismo, como já foi citado acima, abrange diversas concepções condizentes com o campo de estudo, mas aqui não pretendemos afirmar quais são válidas ou não e sim revisar considerações sobre bilinguismo que vão além das práticas tradicionais discutidas na literatura. Pretendemos, à vista disso, discutir modelos que respondem a realidades mais complexas.

Antes de buscarmos conceituar o bilinguismo, gostaríamos de esclarecer o porquê da nossa escolha pelos termos bilinguismo e educação bilíngue ao invés de multilinguismo ou plurilinguismo e educação multilíngue ou plurilíngue como vimos no texto de Vigotski e em outras diversas publicações. O bilinguismo constitui um assunto que tem sido bastante discutido nas últimas décadas e existem vários teóricos em diferentes campos de estudo que abordam o tema. Logo, nós preferimos utilizar os termos bilinguismo e educação bilíngue porque isto nos conecta às pesquisas, conhecimentos, políticas e práticas já existentes. Ou seja, nós reconhecemos que essa discussão terminológica se faz presente em diversas obras e que em algumas ocasiões o “bilinguismo” não é suficiente, uma vez que na sociedade em que vivemos hoje, o indivíduo está em contato com diversas línguas, e no Brasil, notadamente, vivenciamos uma realidade com múltiplas culturas e línguas. Todavia, preferimos por fazer uso deste termo que está mais fundamentado nas teorias que observamos.

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Conforme afirmou a professora brasileira Antonieta Megale (2005), a conceituação dos termos bilinguismo e educação bilíngue processa-se de maneira complexa e pode envolver várias dimensões. Flory (2009), ao buscar definir bilinguismo, enfatizou que o termo (...) representa uma infinidade de quadros diferentes, os quais remetem à esfera social, política, econômica, individual, à aceitação e valorização de cada uma das línguas faladas e das culturas com as quais se relacionam, à exposição e experiência com a língua, entre outros fatores. São inúmeras as configurações que levam ao “mesmo” ponto: “Bilinguismo” (IBIDEM, p. 6).

De acordo com o dicionário Merriam-Webster (2016), a palavra “bilíngue” define-se como: “usar ou ser capaz de usar duas línguas particularmente com a mesma fluência”6. Em contrapartida, o dicionário Oxford (2007, p. 139) define o verbete tal como: “ser capaz de falar duas línguas igualmente bem porque as utiliza desde muito jovem.”. E não podemos negligenciar aqui a visão popular em que ser bilíngue significa ser capaz de falar duas línguas perfeitamente (HAMERS AND BLANC, 2000).

Em seu livro “Bilingualism and Biliguality”, Hamers e Blanc (2000), apresentaram a visão principal do bilinguismo como “línguas em contato” fundamentados em diferentes abordagens: psicológica, sociológica e linguística. Os escritores buscaram, em seu primeiro capítulo, diferenciar os conceitos de bilingualism (bilinguismo) e bilinguality (bilingualidade). Quer dizer, por “línguas em contato”, eles compreendem o uso de dois ou mais códigos em relações interpessoais e intergrupais, assim como o estado psicológico de um indivíduo que usa mais de uma língua. Em seguida, os autores ressaltaram que a noção de bilinguismo “refere-se ao estado de uma comunidade linguística em que duas línguas estão em contato com o resultado de que dois códigos podem ser usados na mesma interação e que um número de indivíduos é bilíngue (bilinguismo social)”. (HAMERS e BLANC, 2000, p.6) Já o conceito de bilingualidade faz alusão ao “estado psicológico de um indivíduo que tem acesso a mais de um código linguístico como meio de comunicação social” (Ibidem).

Encontramos uma visão semelhante à de Hamers e Blanc nos estudos da professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mônica Savedra. Ela definiu o bilinguismo

(...) como a situação em que coexistem duas línguas como meio de comunicação num determinado espaço social, ou seja, um estado situacionalmente compartimentalizado de uso de duas línguas. “Bilingualidade” representa os diferentes estágios de bilinguismo, pelo qual os indivíduos, portadores da condição de bilíngue, passam na sua trajetória de vida (SAVEDRA, 2009, p. 127-128).

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No mesmo livro, Hamers e Blanc apresentaram definições, em diferentes extremos, de outros autores, como Bloomfield (1935) que definiu bilinguismo como “o controle nativo de duas línguas” (Ibidem, apud HAMERS e BLANC, 2000, p.6) e Macnamara (1967) ao estabelecer que um indivíduo bilíngue seja alguém que possui competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em uma língua diferente de sua língua nativa. Entre esses dois extremos de “bilíngue perfeito” e “domínio mínimo”, os autores abordam Titone (1972), para quem bilinguismo corresponde à capacidade individual de falar uma segunda língua obedecendo às estruturas desta língua e não parafraseando a primeira língua. (HAMERS e BLANC, 2000, p.7). Os escritores defenderam que essas definições se referem a uma única dimensão de bilinguismo, que demarca especificamente o nível de proficiência nas duas línguas, ignorando assim dimensões não linguísticas.

Outras definições propostas por diferentes autores e que levam em conta dimensões não linguísticas, acabam limitando-se também exclusivamente a uma dimensão. Por exemplo, Mohanty (1194, apud HARMERS e BLANC, p.7) restringiu o bilinguismo em sua dimensão sociocomunicativa, quando define que pessoas bilíngues possuem uma habilidade de encontrar demandas comunicativas em duas ou mais línguas ao interagir com outros falantes de qualquer uma dessas línguas. Eles concluíram que nenhuma dessas definições faz-se satisfatória, dentre alguns fatores, devido a sua unidimensionalidade.

Buscando conceituar o bilinguismo, Barker e Prys Jones (1998, apud WEI, 2000, p.5) sugeriram alguns questionamentos relevantes para a classificação de indivíduos bilíngues:

- Para se medir o bilinguismo, deve-se avaliar o nível de fluência do indivíduo nas duas línguas?

- Somente as pessoas com competência linguística equivalente nas duas línguas são consideradas bilíngues?

- A proficiência nas duas línguas deve ser o único critério para determinar o bilinguismo, ou o uso das duas línguas também deve ser levado em consideração?

- A maioria das pessoas definiria como bilíngue um indivíduo capaz de falar duas línguas. E a pessoa que se mostra capaz de entender uma segunda língua perfeitamente, porém não possui habilidade suficiente para se expressar oralmente nela? E a pessoa que é capaz de falar numa língua, mas não se alfabetizou nela? E o indivíduo que não está apto a falar ou compreender um discurso numa segunda língua, mas consegue escrever e ler? Essas categorias de pessoas devem ser declaradas bilíngues?

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- Devem-se levar em conta autoavaliação e autorregulação ao definir quem é bilíngue?

- Existem graus diferentes de bilinguismo, que podem variar de acordo com o tempo e a circunstância?

Ao fim desses apontamentos, Barker e Prys Jones questionaram, ainda, se o bilinguismo deve ser considerado, então, um termo relativo. Baker entendia por bilinguismo “a habilidade de usar mais que uma língua” (BAKER 2001, apud HAMERS e BLANC, 2000, p.44). Antigos estudiosos do bilinguismo, em particular Bloomfield (1935) transcrito acima, apenas consideraram o controle nativo7 de duas línguas como um sinal de bilinguismo. Mais tarde, autores, como Einar Haugen e Uriel Weinreich, apresentaram definições mais amplas do fenômeno. Por serem bilíngues, provavelmente, eles estavam conscientes de sua complexidade, além disso, eles trabalharam em contextos imigrantes nos Estados Unidos onde diferentes formas de bilinguismo são comuns. Para Haugen (1953), inclusive, uma competência mínima em duas línguas consiste em um sinal de bilinguismo. Enquanto isso, Weinreich (1953) rotulou alguém que alterna entre duas línguas como um bilíngue (GARCIA, 2009, p.7).

Semelhante à Hamers e Blanc, Garcia retratou a questão do “bilinguismo balanceado”, contudo, a autora o defendeu de forma distinta. Os primeiros, como denominação da dimensão que nomearam de competência relativa, consideraram bilíngue balanceado o indivíduo que possui competência linguística equivalente em ambas as línguas e por bilíngue dominante entende-se o sujeito que possui competência maior em uma das línguas em questão, geralmente na língua materna.

Sob outra perspectiva, Garcia relatou que, apesar desta ser uma perspectiva ainda amplamente aceita, especialmente entre educadores, tem sido reconhecido por um período de tempo que o bilinguismo balanceado não existe. Portanto, “a crença no bilinguismo balanceado defende que um bilíngue é como duas pessoas, cada uma fluente em uma das duas línguas” (GARCIA, 2009, p.44). Entretanto, a pesquisadora argumentou que realisticamente, um bilíngue consiste em alguém que se expressa por meio de duas línguas diferentes devido a experiências diversas e desiguais com cada uma das duas línguas. Ela sugeriu que, desde o advento do campo da sociolinguística em 1960, entende-se que as línguas de um indivíduo são raramente equivalentes socialmente, tendo diferente poder e prestígio, e elas são usadas

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Para ser considerado um falante nativo de uma língua, o indivíduo deve satisfazer o critério mais importante - adquirir a linguagem no início da infância e manter o uso dessa linguagem. Lee (2005) conclui que é impossível para qualquer aluno de uma língua, após o período crítico (Scovel, 1988 apud Lee, 2005, p. 9), se tornar um falante nativo, a menos que ele ou ela nasce de novo.

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para diferentes finalidades, em diferentes contextos, com diferentes interlocutores. Como foi dito anteriormente, o bilinguismo não é como uma bicicleta com duas rodas balanceadas, na verdade, o bilinguismo assemelha-se a um veículo todo-o-terreno capaz de enfrentar terrenos irregulares e esburacados, mas ainda sustentados e efetivos.

Apesar de não concordar com Hamers e Blanc e sua classificação em dois tipos de bilinguismo, Garcia estabeleceu, em consonância com exigências comunicativas, quatro modelos de bilinguismo, sobre os quais, segundo ela, os educadores devem refletir para elaborar programas educacionais bilíngues. O primeiro, chamado de subtrativo, representa situações em que o aluno fala uma primeira língua e uma segunda é adicionada à medida que a primeira é subtraída. Como resultado, a criança fala apenas a segunda língua. Os imigrantes nos Estados Unidos e de outros contextos sociais, por exemplo, não preferem o bilinguismo. O segundo modelo, chamado de aditivo, compreende grupos em que se adiciona a segunda língua ao repertório do indivíduo e as duas línguas são mantidas, como ocorre em grupos de prestígio e elite. Apesar dos benefícios dessa abordagem, a escritora delimita o bilinguismo aditivo como um duplo monolinguismo, em outras palavras são pessoas bilíngues que devem ser e lidar com cada uma de suas línguas da mesma forma que os monolíngues. Garcia intitula o terceiro modelo de recursivo. Encontramos esse modelo nos casos em que o bilinguismo desenvolve-se depois que as práticas linguísticas de uma comunidade tenham sido suprimidas, como no caso do povo Maori em Aotearoa (Nova Zelândia), em que a língua ancestral foi suprimida, mas continuou a ser utilizada em cerimônias tradicionais e posteriormente foi revitalizada para novas funções. Como podemos ver, o bilinguismo não foi gerado a partir de um monolinguismo e sim de uma herança linguística que estava em “pedaços” na comunidade. O último modelo estabelecido por Garcia chama-se dinâmico e estabelece uma concepção heteroglóssica do bilinguismo que reconhece seus ajustes assim como suas mudanças e ressaltos.

Apesar das diversas definições de bilinguismo apontadas acima, gostaríamos de destacar aqui a visão de Baker (2001) citada por Garcia (2009): “a posse de duas línguas não é tão simples como dois pneus ou dois olhos”8

(BAKER, 2001, p.4 apud GARCIA, 2009, p.7). Autora de diversos livros e artigos sobre bilinguismo e educação, Ofélia Garcia disse que a educação bilíngue não significa simplesmente a soma de uma língua com outra segunda língua resultando em duas línguas. A autora rotulou por “monoglóssica” esta visão do bilinguismo enquanto duas rodas balanceadas de uma bicicleta. Ideologias monoglóssicas do

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bilinguismo tratam cada uma das línguas da criança como separada e inteira, e visualizam as duas línguas como sistemas autônomos e delimitados. Garcia contrastou essa ideologia linguística monoglóssica com a concepção heteroglóssica de Bakhtin (1981) de múltiplas vozes. A ideologia heteroglóssica do bilinguismo concebe múltiplas práticas linguísticas em relação mútua, e conduz a outras construções de educação bilíngue que veremos no terceiro capítulo.

Storto advertiu que as conceituações apresentadas são problemáticas porque abordam conceitos demasiadamente abstratos como “falante nativo”, “língua pura” e “línguas separadas” (grifos do autor). Estes conceitos distanciam-se “dos falantes do mundo real e de suas práticas linguísticas efetivas; e porque tomam como parâmetro o falante monolíngue e suas supostas habilidades inerentes (o “domínio” perfeito da língua em todas as situações)” (STORTO, 2015, p.30).

Assim como Garcia e Storto, acreditamos na impossibilidade de existir um indivíduo bilíngue balanceado, não vemos o sujeito como dois monolíngues, cada um fluente em uma das duas línguas. Garcia (2009) questionou os modelos de bilinguismo monoglóssicos que nomeiam uma língua claramente como a primeira e a língua adicional como a segunda língua. Como notou a autora, essas visões de bilinguismo trabalham com a visão do indivíduo bilíngue como um duplo monolíngue e, dessa forma, não respondem mais à grande complexidade linguística do século XXI.

Ao expor algumas dessas definições, não pretendemos escolher uma delas como dogma e princípio, ou excluir a acepção de todas. Queremos, na prática, esclarecer que a diversidade de definições possíveis para o bilinguismo revela-se nas discussões de vários autores, mediante questionamentos, critérios e campos a partir dos quais se pode observar o referido fenômeno.

Ainda na obra de Ofélia Garcia (Ibidem), vemos em seu terceiro capítulo a discussão sobre o bilinguismo fundamentada na sua complexidade que raramente é reconhecida em escolas, e principalmente em projetos pedagógicos de escolas ditas bilíngues. Como será desenvolvido nos próximos capítulos, os programas bilíngues têm relação direta com o desenvolvimento das funções psíquicas superiores da criança, logo, a complexidade do bilinguismo e sua relação com o desenvolvimento infantil não deve ser omitida.

Na obra de Hamers e Blanc também encontramos, na dimensão de status da língua, a nomenclatura “aditivo” e “subtrativo” que se baseia ou não na perda ou prejuízo da primeira língua. Porém, com base na teoria de Garcia (2009) e nos estudos de Scherba, defendemos que o bilinguismo não se constitui em um processo simples que possa ser classificado

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somente em aditivo ou subtrativo. Esse fenômeno abrange diversas especificidades culturais, históricas e sociais que demandam pesquisas mais aprofundadas sobre o tema, tal como discutiremos a seguir.

Em seu texto inédito no Brasil, o bielorrusso Scherba enfatizou a importância de compreendermos a concepção do bilinguismo e quais são os seus tipos fundamentais:

Como bilinguismo entendemos a capacidade de certos grupos de populações se explicarem em duas línguas. Como a língua é uma função social de grupos, então o bilinguismo significa o pertencimento, ao mesmo tempo, a dois grupos distintos. (SCHERBA, 1974, p. 1).

Conforme Scherba (1974) exemplificou, há casos, como o dos eslovacos que vivem num círculo de alemão, em que no trabalho camponês em sua aldeia eles falam em eslovaco e na fábrica em alemão. Ao sugerir o conceito de “pele linguística”, ele frisa que a maioria destes eslovacos se ocupa, ao mesmo tempo, tanto de uma atividade camponesa como de um trabalho fabril, melhor dizendo, eles mudam a sua pele linguística duas vezes por dia. Ainda, de uma forma progressista, Scherba ampliou o conceito de bilinguismo às situações em que dialetos geográficos e sociais podem ser vistos como línguas, assim como “os camponeses que falam no seu dialeto local ao chegarem à cidade tentam falar de uma forma que é falada na cidade e deste modo também vão se tornar bilíngues” (Ibidem) e outros inúmeros exemplos análogos.

Além de conceituar de forma objetiva o bilinguismo, Shcherba (1974) contribuiu significativamente ao definir dois casos extremos e evidentes em que o bilinguismo pode se configurar. No primeiro caso, que ele define como “bilinguismo puro”, relatam-se grupos sociais que estão na base de um ou de outro bilinguismo e mutuamente se excluem. Em outras palavras, as duas línguas nunca se encontram: os membros de dois grupos que se excluem mutuamente nunca mostram um caso de utilização das duas línguas num intervalo. As duas línguas são completamente isoladas uma da outra, como por exemplo, acontece com as crianças que na escola estudam uma língua, utilizando e se comunicando com seus colegas por meio dela, mas que em casa falam outra, uma vez que os seus pais não compreendem a língua que eles estudam na escola. Um exemplo análogo pode ser também a pessoa que no trabalho se vale de uma língua e apenas dessa língua e que em casa utiliza somente outra língua.

No segundo caso, chamado de “bilinguismo mesclado”, os grupos sociais cobrem uns aos outros, quer dizer, as pessoas constantemente passam de uma língua para a outra e utilizam ora uma ou ora a outra, e sem perceber qual eles estão utilizando naquele momento.

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Como exemplo, Scherba identificou a situação em que todos os membros de uma família juntamente com seus parentes e conhecidos pertencem ao mesmo grupo da população, no entanto fazem parte ou entram em relação com outro grupo do seu trabalho. Encontrando-se um com os outros em diferentes ambientes, eles deixam de diferenciar os limites grupais e começam a utilizar as duas línguas misturadas. Perante o entendimento de Scherba, nesse tipo de bilinguismo normalmente acontece, num certo grau, a mistura das duas línguas, ou seja, sua penetração mútua.

Scherba relatou, ainda, que em casos bem mais expressivos do bilinguismo mesclado as pessoas dominam livremente as duas línguas, logo, cria-se nesses indivíduos uma forma específica da língua, em que cada ideia tem duas formas de se expressar e resulta-se, na sua essência, numa única língua, mas com duas línguas e suas formas. Atualmente, vemos como exemplo desta especificidade do bilinguismo mesclado, o Spanglish. A pesquisadora brasileira de linguística na Universidade Federal Fluminense (UFF), Thábata Christina Gomes de Lima, ao desenvolver projetos sobre a importância do Spanglish para as comunidades hispanas nos Estados Unidos, definiu que

(...) devido ao contato constante entre o inglês e o espanhol nas comunidades estadunidenses, novas configurações dialetais surgiram, culminando no surgimento e/ou crescimento de um fenômeno linguístico e cultural muito discutido e polemizado: o Spanglish (LIMA, 2014, p. 1).

A brasileira percebeu que apesar dos falantes dominarem os dois idiomas, eles optam por utilizar a alternância e/ou a mistura de códigos, característicos deste fenômeno. No que tange à Lima, “o Spanglish vem a ser utilizado, em grande parte, por pessoas que poderiam escolher falar tanto inglês quanto espanhol no dia a dia, mas que preferem utilizar a “mistura” de ambos, por motivos diversos, entre eles, estilo e intenção comunicativa” (LIMA, 2014, p. 4). Shcherba apontou que essas pessoas não sentem nenhuma dificuldade na passagem de uma língua para outra e por isso acontece algumas vezes, como no exemplo do Spanglish, uma adaptação mútua e, às vezes, unilateral das duas línguas. A pesquisadora da UFF ressaltou, ainda, que atualmente várias atribuições são dadas a este fenômeno linguístico e há diversas controvérsias a respeito de sua denominação.

Alguns estudiosos classificam o Spanglish apenas como uma gíria; outros o veem como uma variedade a mais da língua espanhola nos Estados Unidos. Há também aqueles que creem que ele seja um dialeto, enquanto outros também o chamam de interlíngua. E há ainda estudiosos que defendem a ideia de que se trata de uma nova língua, ou uma segunda língua comum aos hispanos e anglos residentes em terras norte-americanas (LIMA, 2014, p. 3).

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No século XXI, o bilinguismo não é visto como linear e envolve um ciclo muito mais dinâmico em que as práticas linguísticas são múltiplas e já se ajustam aos terrenos multimodais e multilinguísticos do ato comunicativo. O modelo dinâmico de bilinguismo desenvolvido por Ofélia Garcia pode ser visto em contextos multilinguísticos africanos, em que crianças participam de múltiplas práticas discursivas que incorporam as diversas práticas linguísticas disponíveis.

No texto de Vigotski (2004), que embasa essa dissertação, não vemos a preocupação do autor em definir ou estabelecer parâmetros para o bilinguismo, provavelmente por reconhecer que esta discussão tem sido frequentemente retratada por outros pesquisadores. Por outro lado, como veremos no capítulo seguinte, há uma forte preocupação de Vigotski com o “problema de duas línguas” (grifo nosso), principalmente no ensino simultâneo de duas línguas e sua relação com o desenvolvimento psíquico da criança. Essa questão, como o próprio autor inferiu, apresenta grande importância teórica e prática, contudo, além de Vigotski, não encontramos literatura que se atenha a este problema.

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. Bilinguismo na infância e a teoria histórico-cultural

2.1 A trajetória de Lev Semienovitch Vigotski

Como mencionamos no início, o texto Sobre a Questão do Multilinguismo na Infância escrito por Vigotski (2004) será o aporte principal dessa dissertação. Antes de analisarmos detalhadamente sua obra, iremos relatar brevemente a curta, todavia marcante, trajetória do pesquisador bielorrusso com uma produção intelectual impressionante que tem início quase concomitantemente com a Revolução de 1917. Lev Semienovitch Vigotski nasceu em 1896, numa pequena cidade da Bielorrússia chamada Orcha. Quando bebê, sua família mudou-se para Gomel, também na Bielorrússia. Apesar de não ter frequentado a escola primária, Vigotski ingressou direto na 6ª série do ginásio, após prestar os devidos exames, e destacava-se por destacava-seus conhecimentos e interesdestacava-se pela filosofia. Vale dizer que Vigotski era fluente não apenas nos idiomas russo, bielorusso e iídiche, mas também em alemão, inglês e francês, estes últimos três aprendidos em casa com a mãe.

Aos 17 anos terminou o ginásio com distinção e, seguindo as recomendações dos pais, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade Imperial de Moscou, passando por todas as provas que eram impostas aos judeus pelas diferentes leis do regime monárquico russo para cursar uma Universidade. Entretanto, rapidamente desistiu da carreira de médico e logo se transferiu para a Faculdade de Direito da mesma Universidade. Concomitantemente, conseguiu também ingressar no Departamento Acadêmico da Faculdade de História e Filosofia da Universidade Popular Chaniavski. Nesta instituição, iniciou seus estudos de psicologia (PRESTES, 2010).

Vigotski se formou nas duas faculdades no mesmo ano em que estourou a Revolução Socialista de Outubro de 1917 na Rússia. No início de 1918, ele retornou para Gomel e, depois da instalação do poder soviético na cidade, em 1919, começou a lecionar e também a desenvolver trabalho na área cultural ligado ao teatro; escreveu e publicou mais de 70 resenhas teatrais e literárias e participou, com o primo David Vigodski, da criação e edição da revista semanal Veresk.

Em Gomel, Vigotski lecionou em várias instituições e, na Escola Técnica de Pedagogia, organizou o gabinete de psicologia. Com a organização deste espaço, Lev Semienovitch impulsionou seu trabalho cientifico na Educação e na Psicologia, sendo convidado para trabalhar no Instituto de Psicologia Experimental de Moscou, após brilhante

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apresentação de dados de estudos realizados no gabinete de psicologia e sistematizados em trabalho científico.

Em 1924, Vigotski começou a dedicar-se à Defectologia9. Seus estudos eram motivados pelo crescente número de crianças órfãs e abandonados na recém-formada União Soviética. Suas pesquisas estudavam especialmente a instrução e a educação de crianças com um desenvolvimento diferenciado (cegas, surdas e mudas). O trabalho realizado com estas crianças e os livros publicados neste período, além dos cargos ocupados em órgãos da URSS10, demonstravam o compromisso de Vigotski com o novo regime.

Vigotski insistia no fato de que todo trabalho de pesquisa em psicologia deveria estar relacionado ao mundo real e focalizar principalmente os fenômenos centrais da existência humana (TUNES, 2015). Com base nas ideias de Spinoza e de Marx, Vigotski empreende a tarefa de por a psicologia como ciência em bases materialistas, históricas e dialéticas, apresentando uma crítica da psicologia “que se desenvolveu nos primórdios da filosofia idealista e considerava o psiquismo uma das propriedades primárias do homem e a consciência como manifestação direta da „vida espiritual‟” (LURIA, 1979, p. 29). Os processos psíquicos, nas palavras de Vigotski, deveriam ser estudados pela abordagem histórico-cultural que “é histórica, em função de seu método, e cultural por força do fato de que o desenvolvimento da cultura humana, em que se cristaliza o que a história da humanidade cria e se generalizam as práticas históricas e sociais, é essencial para a emergência da psique humana” (LEONTIEV, 2007, p. 38). Quer dizer, era necessário transformar a consciência no principal problema da psicologia.

E, com isso, o pensador traz para o centro do debate a questão do desenvolvimento humano, pois a consciência não é algo dado a priori, mas surge no processo de desenvolvimento. Além disso, a teoria histórico-cultural rompe com a visão dualista do humano, que divide os fenômenos humanos em físicos, os passíveis de explicação causal, e em psíquicos, que não podem ser observados e, portanto, não se submetem à análise científica. Apoiando-se em Spinoza, Vigotski concebeu os fenômenos físicos e psíquicos em unidade, inclusive ressaltou que, a análise dos fenômenos humanos não poderia ser realizada de modo separado ou isolado do desenvolvimento como um todo.

Em 1928, Stalin se consolidou no poder na URSS e lançou a autocrítica como um meio de análise da relação entre a massa e seus líderes. Para superar a ruptura entre os líderes e a massa, segundo Stalin, era necessário manter a autocrítica, permitir ao povo soviético

9 Assim se denominavam os estudos do desenvolvimento de pessoas com deficiência à época. 10 União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

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apresentar críticas aos que ocupavam cargos no poder soviético para não permitir a presunção e o distanciamento entre os homens do poder e o povo. Estabeleceu-se uma forma de controle por parte das massas sobre as ações de seus líderes e “se a crítica contiver ao menos de 5% a 10% de verdade, então deveria ser saudada, ouvida atentamente e sua semente saudável deveria ser considerada” (STALIN apud BASSOV, 2007, p. 10). O controle recaiu sobre todas as esferas, inclusive sobre os cientistas e, em 15 de março de 1931, o Comitê Central do Partido Comunista Russo (bolchevique) aprovou a Resolução intitulada Todos os esforços dos trabalhadores da ciência para a elaboração teórica dos problemas da construção socialista e da luta de classe do proletariado. No cerne desse documento, estava a tensão que permeava principalmente os debates na psicologia e na pedagogia daquela época: o biológico e o social no desenvolvimento humano. Alguns autores indicam que as perseguições aos cientistas que desempenhavam um papel de vanguarda nesse debate tiveram início com a aprovação do referido documento e não com a Resolução de 1936 que aboliu a pedologia11 (LEVTCHENKO apud BASSOV, 2007, p. 10).

Ao analisarmos a trajetória de vida e obra de Vigotski, é possível perceber que é exatamente neste período (final dos anos de 1920 e início da década de 1930) que ele e seus colaboradores começam a enfrentar sérias dificuldades em seus locais de trabalho e, em função disso, aceitam o convite para colaborar na criação do Instituto Ucraniano de Psiconeurologia. Porém, a Ucrânia vivia uma época de extrema fome. Este fator foi decisivo para Vigotski, acometido de tuberculose por mais de uma década e pai pela segunda vez com o nascimento da segunda filha, não se mudar para a capital Rharkov, deixando a cargo de Leontiev e Luria a condução dos trabalhos no Instituto ucraniano.

Até sua morte aos 37 anos, em junho de 1934, a vida de Vigotski não foi sem percalços, tendo que lecionar em várias instituições em cidades diferentes para sobreviver. No entanto, não abriu mão das reuniões com os colaboradores espalhados pelo país e que desenvolveram estudos que ele sistematizaria no livro Michlenie i retch (Pensamento e Fala) terminado às vésperas da última crise da doença que o levou à morte.

Dois anos depois, em 1936, com a aprovação da Resolução Sobre as Deturpações Pedológicas no Sistema Narcompros, a obra do pensador é censurada na União Soviética. Esse fato favoreceu para que seus escritos sofressem cortes e intromissões por parte de editores, acarretando distorções e intepretações equivocadas de seu pensamento. No ocidente, o mundo acadêmico teve acesso às suas obras a partir da década de 60. A maioria dos

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trabalhos a que temos acesso ainda hoje no Brasil foi traduzida do inglês para o português e também sofreram cortes significativos, além de intromissões por parte dos organizadores (PRESTES, 2010).

“Como um intelectual brilhante, Vigotski falava várias línguas e lia, no original, trabalhos de estudiosos franceses, alemães, americanos, ingleses” (PRESTES, 2010, p.15). Talvez sua fluência em vários idiomas tenha sido concomitante à importância dada ao estudo do desenvolvimento das crianças e tenha impulsionado também seu interesse em investigar o multilinguismo na infância.

Em poucos anos, e em parte deles acamado e/ou adoentado devido às crises de tuberculose, Vigotski desenvolveu diversas pesquisas metodológicas, teóricas e experimentais. Segundo Elizabeth Tunes e Zoia Prestes, que estudam teoria histórico-cultural no Brasil, a grandeza de um cientista não se deve medir pelo volume de obras que escreveu ou publicou, não obstante aqueles que conhecem a obra deixada por Vigotski, são impressionados exatamente pela dimensão de seu estudo (PRESTES e TUNES, 2015). As escritoras destacaram, ainda, que em aproximadamente quinze anos de trabalho científico, Vigotski dedicou-se quase que exclusivamente às suas pesquisas. Conforme rememorou sua filha mais velha: “Como lembram seus colegas, sua rara capacidade para o trabalho estava no limiar do total esquecimento do dia e da noite, dos cuidados consigo mesmo, com sua saúde” (VIGODSKAIA, 2006, p. 16 apud PRESTES e TUNES, 2015, p.1).

Mais de oitenta anos após a morte precoce de Vigotski, investigadores de sua teoria, como Elizabeth Tunes, defendem a atualidade das ideias deste pesquisador. Tunes (2015) argumenta que os conceitos elaborados e apresentados pelo pensador inspiram um grande contingente de estudiosos e pesquisadores, convidando-os e desafiando-os a pensarem a psicologia e a sua relação com a educação à sombra de perspectivas e possibilidades ainda não realizadas. Em um prefácio para uma nova edição revisada e expandida da obra Michlenie i retch (Pensamento e Fala) publicada em 2012, Alex Kozulin12 observou que o número de referências a Vigotski chegou a 34 mil até o ano de 2010 de acordo com o Google Scholar, e que uma teoria desenvolvida na Rússia quase um século atrás, continuou a captar a imaginação da geração atual (KOZULIN, 2012, p.IX apud CAMPBELL-THOMSON, 2016, p.17). A análise a seguir dos estudos de Vigotski sobre crianças bilíngues testemunha esse pressuposto.

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Referências

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