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Mulato Caboclo2 TOTAL 221 404 33 658 AFRICANOS 292 TOTAL 950

Tomando como parâmetro de comparação a nacionalidade, observa-se que os brasileiros, em um total de 950 indivíduos, eram os mais favorecidos com as manumissões, perfazendo o número de 658 (69%) das cartas em análise; os africanos obtiveram a liberdade em 292 casos (31%). Portanto, a liberdade escolhia a sua nacionalidade, ela era predominantemente brasileira. Como lembra Schwartz (2001, p. 186), “essa distribuição é uma inversão da proporção de escravos brasileiros e estrangeiros na população total”. Refere-se ele ao fato de que os estrangeiros, no caso os africanos, pelos censos disponíveis, constituíam maioria entre os escravos do Brasil e, conseqüentemente, da Bahia, pelo menos no período em questão, e são eles os menos agraciados com a liberdade. Entre os nascidos no Brasil, a cor dos indivíduos se impunha como critério operante. Os mulatos ou pardos foram os privilegiados, com 404 casos (43%), ao passo que os crioulos, pretos nascidos no Brasil, perfizeram 221 (23%).

Confrontando-se não mais a nacionalidade, apenas a cor, os números se mostram mais equilibrados: negros – africanos ou brasileiros – estão em torno de 54% e pardos, 42.5%. Contudo, esses números ganham maior significado quando se leva em consideração que o escravagismo era majoritariamente negro e não pardo. Esse contingente, ao que tudo indica,

contava de 10% a 20% entre a população escrava, por conseguinte continua o favoritismo aos pardos em detrimento dos negros.

Quanto à idade dos libertos, Schwartz (2001) deixa claro que os dados a isso referentes não são exatos e só podem oferecer uma indicação das tendências. É com esse propósito que o autor apresenta os números na tabela abaixo, reunidos para os 763 casos em que conseguiu alguma indicação a esse respeito:

Idade dos libertos (1684-1745)

IDADE NÚMERO % 0-5 70 09.2 6-13 272 35.6 14-45 399 52.3 45- 22 02.9 TOTAL 763 100.0

Tabela 03: Adaptada de Schwartz (2001, p. 191)

Observa-se, através desta tabela, que os escravos, de modo geral, obtinham a liberdade já na fase considerada pelo historiador como adulta (52.3%), entre os 14 e os 45 anos. Contudo, uma boa parte deles atingia a condição de libertos ainda na infância (44.8%), entre 0 e 13 anos. Segundo o historiador, a alta taxa de mortalidade entre as crianças escravas e as afeições do senhor levavam grande número delas a ser libertado ainda na tenra idade.

Cruzando a idade dos escravos com a nacionalidade, o historiador chega à conclusão de que os africanos eram todos libertados praticamente na fase adulta. Isso, sem dúvida, refletia o fato de que, entre as crianças escravas, os africanos eram minoria, uma vez que o tráfico negreiro privilegiava indivíduos adultos para a comercialização. Sendo assim, as crianças escravas eram, em sua grande maioria, nascidas no Brasil. Quanto aos crioulos, no período estudado por Schwartz (2001), foram libertados em índice de 32% quando crianças e 68% já em fase adulta. Com os pardos, a situação se inverte: 60% ficaram livres na infância e os demais quando adultos. Volta-se a dizer que esses dados tomam maior dimensão quando se

considera que os escravos eram, em sua grande parte, formados por negros, fossem eles africanos ou nascidos no Brasil; os pardos, por sua vez, constituíram minoria entre os escravos brasileiros. Não é difícil ver, pelo menos para os escravos nascidos na Bahia, que a cor, para a liberdade na infância, fazia a diferença.

O ingresso no mundo dos libertos poderia ser obtido mediante pagamento ou, então, poderia ser concedido gratuitamente pelo senhor. As razões para a concessão de uma ou outra forma, contudo, diferenciavam-se. Segundo Schwartz (2001), ‘os bons serviços’ prestados pelos escravos não se constituíam em motivos para a obtenção gratuita da liberdade, senão uma pré-condição. Oliveira (1988) vê nas alforrias gratuitas, para muitos casos, uma forma de encobrir outras realidades, como em um que vale a pena citar. Trata-se de uma ex-escrava que, em seu testamento de 1830, declarou a respeito de sua ex-dona: “na carta que me passou declarou que o fazia pelos bons serviços que sempre lhe tinha prestado quando pelo contrário ela tinha em seu poder dinheiro corrente meu que lhe dei para minha liberdade, 80$000” (apud Oliveira, 1988, p. 24).

Geralmente, eram os escravos domésticos os que mais se beneficiavam das alforrias gratuitas. De praxe, eram as ‘crias-da-casa’, freqüentemente filhos do senhor; as amas que criaram os senhores e os seus filhos recém-nascidos; escravos que tivessem muito tempo de serviço etc. Como lembra Oliveira, anteriormente citada, muitas dessas alforrias ocorriam nas datas de importância do calendário senhorial, como foram os batizados e os casamentos. As alforrias, em muitos casos, comportavam cláusulas restritivas, o que tornava a liberdade condicional. As condições impostas, assim sendo, criaram uma classe especial de ex-escravos entre os libertos, os ‘libertáveis’. De qualquer sorte, a relação afetuosa com o senhor seria o motivo de maior força para a alforria gratuita.

Quanto à alforria paga ou, para alguns historiadores, onerosa, também ela dependia da vontade do senhor. Entretanto, a compra da liberdade pelo escravo ou por parentes seus, consagüíneos ou não, ainda consoante Oliveira (1998), estava também à mercê da cotação da

mão-de-obra escrava, dependente das condições de renovação desse contingente e da demanda de mercado, se em fase de prosperidade ou de crise. Mattoso (2001[1982], p. 183) fala ainda de um mercado sentimental paralelo a determinar a compra das alforrias:

Trata-se do grau de intimidade de que o cativo goza junto a seu senhor, de sentimentos difíceis de serem contabilizados, nos quais influenciam os matizes da amizade ou da indiferença. É possível falar-se de um mercado paralelo, no qual o valor do escravo é cotado em baixa, se o senhor se dispõe a facilitar-lhe a alforria, e em alta, se mostra hostilidade à pretensão. As cartas de alforria outorgadas a um preço baseado na estima entre proprietário e escravo subvalorizam o cativo, enquanto o preço dos demais se mantém próximo da cotação do mercado de mão-de-obra servil.

No entanto, o senhor somente tem interesse em alforriar um escravo se o mercado de oferta lhe permite substituir o cativo libertado. Nesse caso, ele pode livrar-se de um escravo envelhecido e ter outro, mais moço e não desgastado pelo trabalho. O preço da compra possibilita, assim, ao senhor, uma verdadeira mais valia, um lucro suplementar sobre o capital investido no escravo.

Schwartz (2001, p. 201) aventa outros fatores que, segundo ele, têm sido levantados para explicar o fato de o escravo brasileiro poder comprar sua liberdade:

Alguns autores encaram esse fato como prova da abertura e da natureza mais humana da escravidão no Brasil, ao passo que outros explicam o fenômeno como uma reação provocada pela necessidade de certos tipos de trabalhadores livres ou como um meio de controle social, por meio do qual os senhores, oferecendo a esperança de uma possível liberdade, detinham a melhor qualidade possível de trabalho e eram também, em conseqüência, reembolsados.

No período para o qual se voltou, de 1684 a 1745, Schwartz (2001) apresenta os seguintes números a respeito das alforrias gratuitas:

Emancipações gratuitas (1684-1745)