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BRAVOS DA MISSÃO: A GÊNESE DA OBRA

A elaboração de um texto, seja ele literário ou não, de- pende da construção de uma estrutura (forma), que virá a ser preenchida (conteúdo) pelo seu autor. Cada escritor tem a sua própria técnica de criação. E embora existam atualmente de- terminadas subversões na produção literária contemporânea, alguns componentes comuns nas narrativas tradicionais ainda se mantêm, ou seja, muitas das narrativas ainda são estrutu- radas levando-se em consideração o enredo, o foco narrativo, os personagens, o espaço e o tempo. Destarte, tendo em vista o ano em que foi produzido, o romance de R. Batista Aragão apresenta uma estrutura tradicional de narrar, não demons- trando intenção de subverter nada que diga respeito à forma de se contar uma história. Portanto, sobre a feitura do romance Bravos da Missão, observemos o que nos diz seu autor:

De posse desses fragmentos, aplicou-se o autor na análise dos fatos, comparando dados, aferindo versões e situando cada peça do quebra-cabeças histórico, no seu devido lugar. Em seguida e com os recursos da imaginação, foi idealizado o plano da obra, seguindo uma rota paralela à ficção, mas nunca sem deixar de separar o real do fantasma- górico. (ARAGÃO, 1979, p. 5).

Quanto aos personagens principais do seu romance histó- rico, Aragão assim os apresenta:

“[...] os padres Francisco Pinto e Luiz Figueira, dois infatigáveis missionários a serviço da cate- quese, dois paladinos da fraternidade, que de- ram suas vidas em holocausto à meritória obra de civilização cristã” (ARAGÃO, 1979, p. 5). Ainda na introdução da obra, na citação a seguir, a fala do romancista se confunde com a do historiador ao se descor- tinar um breve relato sobre a empreitada dos dois missioná- rios. Afirma o historiador romancista:

Os lances dramáticos, vividos por esses dois apóstolos de dever, constituem uma verdadeira epopeia onde, aqui e ali, deixam transparecer um misto arraigado de fanatismo, a par de ele- vado espírito de filantropia. Após singrarem os mares nordestinos, em percurso compreendido entre Pernambuco e Ceará, navegando ao dissa- bor de mares enfurecidos, hostis, prosseguiram a pé, às vezes conduzidos em redes por índios bondosos, até alcançar os píncaros da lendária Ibiapaba, burgo primitivo onde hoje se situa Vi- çosa do Ceará. (ARAGÃO, 1979, p. 5).

No que diz respeito aos elementos da narrativa, perce- bemos tratar-se de uma narrativa feita na terceira pessoa do singular, ou seja, o enredo é apresentado por um narrador-ob- servador, enquanto a ação se dá no espaço geográfico da serra da Ibiapaba, onde hoje se situa a cidade de Viçosa do Ceará. O tempo do romance de Aragão é o mesmo tempo cronológico do documento histórico, ou seja, iniciando-se no dia dois de fe- vereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias, e terminando com a saída do padre Figueira através do Rio Ceará, aos dezenove de agosto de 1608, contando 564 dias.

Ao discorrer sobre a opção por unir fato e ficção na mes- ma obra, R. Batista Aragão (1979, p. 6) explica que a ficção, alia- da aos fatos históricos, como material de ilustração fantasio- sa, objetiva expor a cultura indígena através de uma narrativa menos áspera e um pouco mais deleitante. E sobre o objetivo maior da sua narrativa, o autor expõe suas intenções no que diz respeito à recepção da obra ao afirmar que:

No contexto geral pressupõe-se BRAVOS DA MIS- SÃO como sendo uma obra destinada a oferecer ao leitor uma ideia clara de obscuros fragmentos histórico-culturais, perdidos no limiar da colo- nização nordestina. Contexto rude, hostil quase sempre e cimentado em monumentos antagôni- cos de duas civilizações: uma que se ia, no ocaso do primitivo ordenamento da natureza e, outra, a engatinhar sob os auspícios do progresso em seu nascedouro. (ARAGÃO, 1979, p. 6, grifos do autor). E continua o autor:

Fazia-se mister levar a jornada ao Maranhão, ponto culminante do heroico empreendimento e lugar onde pretendia a missão assentar suas bases. Todavia, acontecimentos sinistros obsta- ram a que se concretizasse a empresa. Os pa- dres Francisco Pinto e Luiz Figueira, os Bravos

da Missão, viveram lances dramáticos: a história

precisa dar-lhes seu real valor. (ARAGÃO, 1979, p. 6, grifos do autor).

Destarte, o objetivo do romance de R. Batista Aragão é fazer com que leitores, em tempos futuros, conheçam os fatos ocorridos na Ibiapaba, devidamente registrados na Relação do

Maranhão. Assim sendo, tendo sido publicada no século XX, a obra de R. Batista Aragão respeita o necessário distanciamento que deve separar o tempo do acontecido, do tempo de quem o escreve. E assim sendo, excetuando-se um ou outro aspecto, uma vez que a teoria de Lukács toma por base a obra e o con- texto histórico de Walter Scott, o romance histórico de R. Batis- ta Aragão apresenta-se em consonância com as características do Romance Histórico elencadas por Gyorgy Lukács. Assim, se, por um lado, o romance de Scott enfatiza as lutas entre saxões e normandos, o romance de Aragão, por sua vez, foca nas rela- ções de contraste entre missionários e nativos, partes contras- tantes, mas indispensáveis na constituição do povo cearense.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Relação do Maranhão é um documento histórico proporcionador de inúmeras possibilidades de pesquisas. No entanto, a conhecida falta de apreço que o povo brasileiro demonstra em relação à sua cultura, aliada à necessidade que alguns membros da Academia têm em delimitar espaços específicos para os estudos, acaba por relegar ao esquecimento profícuas fontes de pesquisa. No caso do documento Relação do Maranhão, toda e qualquer forma de estudo e divulgação tende a contribuir para que um número cada vez maior de pes- quisadores e interessados tenham acesso às informações que o documento contém.

Dessa forma, consideramos menores as discussões que se tentam impor acerca dos limites entre o histórico e o fictício,

por considerarmos ambos os campos do conhecimento seme- lhantes e complementares tal qual o foram desde os tempos de Homero, e bem antes, quando os dois discursos se fundiam. Em tempos outros, a literatura abriu suas portas para a histó- ria produzindo obras permeadas da mais relevante qualidade historiográfica, como pode ser observado nas obras de Walter Scott, José de Alencar, Euclides da Cunha e Ana Miranda; por exemplo. Especificamente no caso brasileiro, determinadas obras literárias são diretamente responsáveis por contribuir para a constituição e compreensão da identidade nacional.

Dessa forma, a aproximação que tentamos fazer do documento histórico Relação do Maranhão, do padre Luiz Fi- gueira, com o romance Bravos da Missão, de R. Batista Aragão, objetiva trazer à lume tanto o documento histórico quanto o romance produzido a partir dele, em uma tentativa de expor e analisar o referido documento à luz da História e da Literatura.

REFERÊNCIAS

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A ORTOGRAFIA FONÉTICA EM ESCRITURAS DO SÉCULO XVIII