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Como dito anteriormente, após a realização das edições dos documentos, levantamos informações pertinentes aos processos, as quais estão dispostas a seguir.

O processo crime de estupro de 1907 possui 50 fólios, conforme já foi citado, e consta na sua ficha catalográfica que ocorreu o estupro de Maria Possidonia de Jesus, e o acusado do crime é denominado João Barbosa, conhecido como João do Poço escuro. Porém, ao se fazer a leitura do documento, perce- be-se que ocorreram dois crimes sexuais. Na história transcrita no documento, Maria Possidonia, menor de idade – 11 anos e 1 Na edição semidiplomática, reproduzimos a cor da tinta da caneta, utilizada pelo escrivão, constante no

órfã de mãe, fora a uma reza2 acompanhada de sua irmã Ro- zenda. Terminada a reza, decidiram voltar para casa, mas não contavam com o fato de serem seguidas por João Barboza (acusado de estuprar Maria Possidonia) e Rozendo (descrito como deflorador3 de Rozenda). Antes que as irmãs dormis- sem, Maria Possidonia suspeitou que alguém havia invadido a casa porque a tramela4 de uma das portas estava destravada, isto ocorreu porque Rozendo distraiu Rozenda através de sua conversa. Assim, Maria Possidonia fora tirada do seu quarto, ar- rastada “para os matos” (expressão utilizada pela comunidade e constante no documento) e, em seguida, foi estuprada por João Barboza.

O pai de Maria Possidonia de Jesus, Manoel Maximo Dias, pede justiça em nome da filha através da denúncia do crime e, como a família da vítima era pobre, fica registrada a dispensa de imposto cobrado ao suplicante – Manoel Maximo Dias. Durante a leitura do documento, constatam-se o exame de corpo de delito feito na vítima, um auto de perguntas fei- to a cinco testemunhas, as quais atestaram a pureza (quanto à virgindade da vítima) e o comportamento ilibado da vítima dentro dos padrões sociais daquela época. Como conclusão do processo, João Barboza chegou a ser preso, porque foi com- provado o estupro de Maria Possidonia de Jesus, porém a Jus- tiça – por entender que Maria Possidonia ficaria desamparada, ou seja, malvista pela sociedade, sem perspectiva de vida ou 2 Prática religiosa da comunidade em dia de sexta-feira. 3 O termo “deflorar” refere-se à prática sexual consentida, por meio de sedução, promessas de casa- mento, entre outros. Na época era considerado crime e a sua denúncia se dava por meio de Autos de Deflorramentos, a fim de se investigar o caso e “reparar o mal” através, principalmente, do casamento. No documento é dito que Rozenda foi deflorada porque foi atraída “por meio de conversas” de Rozendo, mas o caso não precisou ser denunciado porque Rozendo decidiu casar.

casamento – decidiu que o casamento com o estuprador seria a melhor alternativa.

Já na ação de desquite solicitada por dona Albertina da Motta Barretto contra o seu marido, o senhor Antonio Alves Barretto, há a narração da história de vida das partes envolvi- das no processo. No documento, consta que a autora casou-se em 1895 e conviveu ao lado do seu marido por 18 anos, vis- to que o seu cônjuge a abandonara em 28 de dezembro de 1913 e não mais voltara ao lar conjugal. Contudo, mesmo sen- do abandonada em 1913, dona Albertina da Motta Barretto só entrou na justiça com o processo de separação judicial após 6 anos decorridos desde que o senhor Antonio Alves Barretto saíra de casa, porque em 1918 a mãe5 da autora havia faleci- do e a partilha dos bens dela estava ocorrendo, o que seria de interesse para o senhor Antonio Alves Barretto, visto que ele, na condição de esposo, seria o representante legal dos bens herdados por sua esposa. Assim, com a finalidade de retirar quaisquer direitos pleiteados pelo marido sobre os seus bens, a autora decidiu desquitar-se judicialmente.

O réu, por sua vez, alegou nos autos do processo os prin- cipais motivos que o levaram a sair do lar conjugal e a não mais voltar. Um dos motivos alegados foi o não cumprimento das obrigações matrimoniais, por parte de sua esposa, enquanto ainda moravam sob o mesmo teto, que, segundo o réu, nega- 5 Dona Maximiana de Almeida Motta faleceu em 12 de maio de 1918 após 43 anos de casamento com o Coronel Agostinho Frós da Motta. Anos antes, em 10 de março de 1915 a matriarca chamou, em sua casa, o Tabelião João Carneiro Vital para redigir o seu testamento, no qual o filho Eduardo Fróes da Motta, o pri- mo e compadre Coronel Tertuliano José de Almeida e o amigo Epiphanio José de Souza foram nomeados seus testamenteiros. O seu cônjuge, o Coronel Agostinho Fróes da Motta, não foi citado no testamento, pois a sua esposa tinha conhecimento do relacionamento extraconjugal e público que ele mantinha com Guilhermina de Almeida desde 1894 a 1916, com quem teve o filho Alberto. Assim, no seu testamento Dona Maximiana negou quaisquer bens que viessem a caber ao seu cônjuge (Cf. REIS, 2012).

va-se a dividir o leito conjugal com ele há mais de quatro anos, dormindo cada um em quartos diferentes. Apesar da insistên- cia dele em tentar dividir os “lençóis matrimoniais” com a sua esposa, não houve consenso entre ambas as partes.

Entretanto, esse não foi, segundo o senhor Antonio Al- ves Barretto, o único motivo que o levou a sair de casa. O mo- tivo mais grave e decisivo, que foi o estopim para o fim de seu casamento, refere-se a uma noite em que a sua esposa lançou sobre ele alguns objetos domésticos, tais como: moringues6 e garrafas em uma tentativa de machucá-lo fisicamente. Com esse acontecimento, o réu decidiu abandoná-la definitivamen- te a fim de evitar mais problemas, alegando que, se continuas- se dividindo a mesma casa com a sua esposa, poderia ocorrer uma situação mais embaraçosa, visto que Dona Albertina da Motta Barretto já havia tentado contra a sua vida.

A fim de comprovar ou refutar tanto a versão dada pela autora como pelo réu, foram convocadas cinco testemunhas para relatarem o que sabiam sobre a convivência do casal. Dentre as testemunhas convocadas – todos homens, com es- tado civil casado ou viúvo, residentes na mesma cidade que os protagonistas da ação, com idades entre 25 e 65 anos e co- merciantes – apenas três, Valentim José de Souza, José Pereira de Aguiar e Joaquim Anacleto de Oliveira compareceram ao Fórum Justiniano Filinto Bastos no ano, mês, dia e horário esti- pulados pelo juiz.

Entretanto, o que os envolvidos nesse processo não es- peravam é que houvesse tantas reviravoltas nessa história. Exa- 6 Lexia constante no documento em análise, a qual é uma forma variante de moringa, que é um vaso de barro

tamente no ano de 1920 foi dada uma sentença a favor do réu, visto que a ação foi contestada, porque não foi anexada nos autos do processo a certidão de casamento dos cônjuges, fato que invalidou todos os trâmites decorridos até aquele momen- to, porque, segundo o juiz, sem a certidão de casamento ane- xada aos autos do processo não havia casamento para ser dis- solvido. Dona Albertina da Motta Barretto, contudo, recorreu do resultado da sentença proferida, anexando o documento que faltava e deu entrada no pedido de um novo julgamento.

Dado prosseguimento à ação interposta, foi julgado procedente o processo de desquite em agosto de 1921, pois a autora conseguiu provar, através dos depoimentos das teste- munhas, das provas documentais e da confissão do réu que o abandono do lar foi voluntário, mas não provou o período de duração da ausência do marido. Contudo, a separação judicial foi efetivada, como desejava Dona Albertina da Motta Barretto, e o seu marido continuou morando com o seu pai, o senhor Estanislau Barretto. Entretanto, o cônjuge também recorreu da decisão judicial em uma tentativa de anular o desquite até que a partilha dos bens da sogra fosse efetivada e ele adquirisse plenos direitos sobre a herança de Dona Albertina da Motta Barretto, o que, de fato, ocorreu, pois o cônjuge adquiriu na Justiça 50% dos bens herdados por sua esposa.

Relatadas as histórias contidas nos documentos, identi- ficamos, a partir de suas respectivas leituras, muitos nomes de pessoas que vão aparecendo ao longo dos processos judiciais, o que os torna uma fonte ampla de investigação linguístico- -filológica, principalmente porque há vários antropônimos a serem estudados, como veremos nas próximas seções.

DOS DOCUMENTOS À ANTROPONÍMIA: ESTUDO DOS NOMES