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Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma.

Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela.

[...]

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, [...]

(ANTONIO CÍCERO)1

Desde tempos imemoriais que o ser humano, ao se de- parar com a arte da escrita, vem registrando todos os seus fei- tos, seja na pedra, nas tábuas de argila, nos ossos de animais, nas moedas, no papiro, no pergaminho, no papel e, na con- temporaneidade, nos meios virtuais. O fato é que o homem tem a necessidade de marcar sua presença no território que ocupa, por isso os registros se fazem importantes, pois repre- sentam o seu legado para a posteridade.

1 Disponível em: <http://poemapossivel.blogspot.com.br/2008/06/guardar-de-antnio-ccero.html>. Acesso em: 21 maio 2016.

Deste modo, ao longo dos séculos em que a escrita faz parte da história do ser humano, o acúmulo de produções tem se tornado um grande problema, pois não há locais adequados para armazenar, conservar e preservar toda a documentação existente. Desde o momento em que a escrita se formalizou, após a implantação e difusão do alfabeto, que não se parou mais de produzir documentos. E isso em várias línguas, sejam estas antigas, que já não são mais faladas, ou modernas e em constante fluxo.

Mesmo com perdas irreparáveis de documentos im- portantes para a história, tais como os que eram abrigados na Biblioteca de Alexandria, na Antiguidade, ou aqueles que es- tavam na antiga Torre do Tombo, em Lisboa, sucumbida pelo terremoto de 1755, muita coisa restou. E o que ficou necessita de tratamento, seja em seu armazenamento, seja em sua dis- ponibilização para pesquisas de naturezas várias, tais como as realizadas em Filologia, em História, ou pela Arquivologia. E esta tem feito excelentes trabalhos, objetivando a guarda, a conservação e a preservação da massa documental existente no mundo. No entanto, nem todos os países têm políticas para esse fim, o que se torna lamentável, pois a perda de um docu- mento representa a perda da memória de um povo.

Como disse o poeta Antonio Cícero, nos versos: “Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.”, mas sim “Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por / admirá-la, isto é, ilumi- ná-la ou ser por ela iluminado”. Sendo isso a que se propõem os filólogos desde a Antiguidade, quando se reuniram na Biblio- teca de Alexandria e não deixaram que os textos de Homero se perdessem para sempre, ou que fossem transmitidos com

lacunas, substituições, lapsos de escrita, dentre outros proble- mas. Desde então, a tarefa mais nobre da Filologia é a edição de textos, sejam estes literários ou não literários.

Na contemporaneidade, em diversas partes do planeta, há profissionais que se dedicam à decifração de escritas anti- gas; à edição de textos, sendo esta realizada sob diversos apor- tes, a depender do tipo de documento que se tenha em mãos, podendo ser uma edição fac-similar ou paleográfica (a que re- produz fielmente o texto, geralmente por meio mecânico: fo- tografia, xerografia, escanerização etc.), a diplomática (quando se transcreve fielmente o texto, com todos os caracteres que o integram, sem nenhuma intervenção do editor, mantendo-se as abreviaturas, separações vocabulares, translineações etc.), a edição semidiplomática (quando o editor intervém mediana- mente no texto, desdobrando as abreviaturas, separando pala- vras unidas ou unindo as palavras separadas, mas respeitando linhas, letras, fólios que se façam presentes no documento), edi- ção interpretativa (quando o editor já age mais sobre o docu- mento, atualizando a grafia, fazendo algum tipo de intervenção que aproxime o texto da sua genuinidade). Todos esses tipos de edição são aplicados a textos monotestemunhais, isto é, aque- les documentos com testemunho único, ou de uso único, os quais não passaram por reproduções que lhes causem nenhum tipo de mudança, como certidões de toda ordem, por exemplo.

Quanto aos documentos politestemunhais, ou seja, aqueles com mais de um testemunho ou de uso repetido, como os textos literários, nos quais os autores podem interfe- rir, lançando edições com acréscimos, substituições ou retirada de partes; ou que terceiros, como copistas, editores, pessoas

da família tenham interferido no texto do autor sem seu con- sentimento, são aplicadas as seguintes edições: edição crítica (em que se confrontam testemunhos com o objetivo de re- constituir a última forma dada pelo autor), edição genética (na qual se estabelece a gênese da obra ou do texto, com objetivo de apresentar as redações preliminares existentes antes da for- ma final dada pelo autor). Na edição genética, são utilizados operadores que demonstrem como se dá a mobilidade de es- crita do autor, ou seja, quando risca um trecho e o substitui na entrelinha ou na margem, quando há acréscimo, quando há supressão, dentre outras operações.

Há também a edição sinóptica, na qual são dispostos to- dos os testemunhos, sem um confronto ou estabelecimento de um texto único. Neste caso, o leitor toma conhecimento de todo o processo de escritura de um autor, através dos próprios textos que o integram.

Para este trabalho, optamos e apresentamos a edição se- midiplomática de documentos manuscritos baianos dos sécu- los XIX e XX, pois os mesmos são monotestemunhais, cabendo esse tipo de tratamento filológico.

A EDIÇÃO DOS DOCUMENTOS MANUSCRITOS BAIANOS DOS SÉ-