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3. A classificação do corpus gráfico 114

3.1. As abordagens estilísticas nos estudos de arte paleolítica 115

3.1.1. Antes das primeiras datações diretas de pinturas 115

3.1.1.1. Breuil 115

Desde os primórdios da investigação em torno da arte paleolítica, que os investigadores tentaram integrar os elementos que iam aparecendo num quadro diacrónico preciso. A primeira tentativa digna de monta deve-se a Breuil, que logo em 1905 apresenta ao primeiro Congrès Préhistorique de France uma proposta de periodização da arte paleolítica até então conhecida, considerando a existência de 5 fases sequenciais (Breuil, 1906). Esta primeira proposta fundamentava-se no estudo das sobreposições e na comparação de outras figuras isoladas, mas assimiláveis aquelas (idem, 107). As sobreposições revelavam, segundo o autor, uma “ordem constante” de pinturas executadas segundo diversas técnicas, concepções de contorno, de modelado e de cor; Nesta sua proposta, Breuil apresenta, literalmente a par, a evolução da gravura (em coluna à esquerda) e da pintura (em coluna à direita). A primeira fase (idem, 107-108) caraterizava-se pela gravura larga e profunda, de difícil descrição mas de inegável caráter figurativo; as figuras disporiam apenas de uma pata por par, os cornos eram vistos de face, as silhuetas eram frustres e os detalhes omissos;

as figuras pintadas, raramente “inteligíveis”, eram inicialmente de cor negra e definidas por traço linear ou “pontilhado”, aparecendo em seguida figurações monocromas com formas semelhantes às gravadas. Durante a segunda fase (idem, 108) os quatro membros podem aparecer representados “lado a lado” e alguns detalhes, como os cascos, ocorrem ocasionalmente; o traço gravado acaba por perder em profundidade e ganhar em nitidez, o baixo-relevo aparece, assim como o modelado interior; o traço pintado, sobretudo negro mas também vermelho, alarga-se, verificando-se igualmente o aparecimento do modelado na pintura e a associação desta à gravura. Durante a terceira fase (idem, 109) as figuras gravadas diminuem de tamanho, perdendo profundidade os traços que as conformam; ao lado de figuras “informes” surgem outras “admirables de détails, d’expression, de proportions, de

vrais chefs-d’ oeuvres”; ao nível da pintura, divulga-se o uso do preenchimento total,

eliminando-se assim os modelados interiores e a associação à gravura, podendo, no entanto, esta ocorrer antes da pintura. Durante a quarta fase (idem, 109-110) a gravura perde importância, tornando-se os preenchimentos das figuras mais importantes que os seus contornos; na pintura, o modelado é recuperado através da introdução da policromia e da associação recorrente à gravura. A quinta fase (idem, 110) carateriza- se pelo desaparecimento da gravura e pela geometrização da pintura.

Esta esquema é posteriormente revisto, apresentando o autor em 1934 uma nova periodização dividida em dois ciclos — um aurignacense e outro magdalenense (Breuil, 1935). Esta nova proposta será mais tarde alvo de pequenos acertos, passando o primeiro ciclo a caracterizar-se como aurignaco-perigordense59 e o segundo como solutreo-magdalenense (v.g. Breuil, 1985 [1952], 38-40). A nova periodização continua a ser sustentada pelo estudo das sobreposições, devendo o estilo das figuras que se encontram envolvidas nestes “palimpsestos” ser comparado com o de outras que se encontram cobertas por camadas arqueológicas (como Pair-non-Pair, por exemplo), sobre solos arqueológicos (como Sergeac ou Bourdeilles) ou representadas em suportes móveis de “idade conhecida” (idem, 37-38)60. Segundo Breuil, a

                                                                                                                         

59 O Perigordense foi definido em 1933 por Peyrony, que o subdividiu em 5 fases supostamente

contemporâneas do Aurignacense. Hoje sabe-se que o seu Perigordense I corresponde ao

Chatelperronense, o II ao Aurignacense antigo, o III, IV e V ao Gravettense e o VI e VII (identificados posteriormente por Bordes e Movius) ao Gravettense superior terminal (Vialou & Aubry, 2004).

60 No texto de 1935 encontra-se uma inventariação detalhada, quer das sobreposições valorizadas pelo

autor, quer dos paralelos utilizados para a inferência dos dois ciclos. Esta descrição restringe-se, no entanto, ao território francês, faltando, por outro lado, estações importantes que só seriam reveladas posteriormente, como é o caso de Lascaux.

existência de grutas historiadas ao longo de um só momento, ou onde só se encontra representado um estilo representado, “nous donne pour le comparaisons à établir des

éléments purs extrêmement précieux” (idem, 38). Por outro lado, o autor alerta-nos

para a possibilidade das camadas arqueológicas de um sítio não serem necessariamente contemporâneas dos grafismos aí presentes (idem, 37).

Segundo a sua nova periodização, a arte parietal paleolítica distribuir-se-ia por dois ciclos: um ciclo aurignaco-perigordense e um ciclo solutreo-magdalenense. Também neste caso, o abade carateriza a evolução da pintura e da gravura de forma separada. O primeiro ciclo (Breuil, 1985 [1952], 38-39) arrancaria com as mãos negativas de cor vermelha, castanha, violeta, amarela ou branca, a que se associariam raras pontuações, séries de discos e alguns desenhos lineares. Em seguida surgiriam as mãos positivas vermelhas, os meandros vermelhos ou amarelos e algumas figuras digitadas, a que se associariam os signos em forma de mãos e pés de Santián, os grandes claviformes e os grandes animais vermelhos “si barbares d’Altamira, en

large bandes rouges ou en peinture unie (espèce de tachisme)”. Seguir-se-iam os

grandes desenhos lineares, amarelos, vermelhos e por vezes negros, a que se associariam os tetiformes também lineares. O ciclo continuava com os traços largos e “baveux” e com as figuras tamponadas cântabras a que se associavam os grandes tetiformes da região. Em seguida vinham os animais totalmente preenchidos interiormente e os tetiformes “à larges plages de Castillo et de la Pasiega”. O ciclo conclui-se, ao nível da pintura, com o aparecimento da bicromia e com a progressiva correção da perspetiva dos cornos dos animais. Relativamente à gravura, o ciclo arranca com os desenhos digitais sobre argila a que se seguem os feitos com utensílios “com vários dentes”. Estas figuras são geralmente não figurativas, aparecendo no seu seio os primeiros animais “já de um naturalismo intenso”. Estes animais não têm patas ou quando as têm são frustes; os cornos são quase sempre vistos de frente; de acordo com o autor, deveriam datar desta época as gravuras que utilizam os acidentes naturais dos suportes, assim como as vulvas e raros falos do vale do Vézère. Ao Perigordense deveriam atribuir-se as figuras incisas, primeiro de forma ligeira e em seguida profundamente, desembocando estas últimas nos baixos-relevos de Sergeac, Gorge d’Enfer, Laussel ou Figuier. Ao final deste período pertenceriam as gravuras de Lascaux, algumas delas associadas às pinturas.

apenas no Magdalenense antigo61, com um retorno ao desenho linear a negro, a que se associariam os tetiformes da mesma cor de Altamira. Viriam em seguida os largos traços negros “baveux” e em seguida a tinta plana negra e incompleta. No Magdalenense 4 apareceriam nos Pirenéus os desenhos a negro bem delineados e com modelados internos em forma de pequenos traços, e no Magdalenense 5 as figuras modeladas a negro “evanescente” (como Font de Gaume, por exemplo) a que se seguiriam as figuras com o interior “pastilhado”. O ciclo atingiria o paroxismo com a policromia (primeiro simples e depois delimitada a negro), e terminaria com “les très

rares petits traces naturaliste rouges, tout à fait simples, de Niaux, Ussat et du Cantal (Cabrerets), associés à de nombreux signes proto-aziliens, et finalement ces signes aziliens ou proto-aziliens isolés comme à Marsoulas” (idem, 40). Ao nível das outras

técnicas, identificar-se-iam os frisos de baixos-relevos quer no Solutrense (Roc de Sers, Chaire à Calvin, Fourneau du Diable) quer no Magdalenense (Isturitz, Cap Blanc e Angles-sur-Anglin). A perspetiva utilizada nestas obras já seria a “normal”. De acordo com Breuil, onde a rocha seria muito dura para produzir estes relevos, a representação do volume era conseguida mediante a “remplissage hachuré” — que devemos identificar como o “grabado estriado” clássico. Ao Magdalenense 4 atribuir-se-iam as figuras em “camafeu” de Trois Frères ou as modelagens em argila de Montespan e Tuc d’Audoubert. A gravura identificar-se-ia ainda sob os grandes policromos de Font-de-Gaume e Altamira. Do Magdalenense 5 e 6 conheciam-se as gravuras de Teyjat e algumas figurações de mamutes de Font-de Gaume.