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1. A arte ao ar livre na Europa durante o Paleolítico superior: breve historiografia 25

1.6. De 1995 à atualidade, ou da emersão definitiva da arte paleolítica 60

1.6.1. O vale do Côa e o seu entorno 60

Em 1995 sai, em França, nova edição da Préhistoire de l’art Occidental, revista e aumentada pelos Delluc. Das estações “estritamente ao ar livre” apenas se refere Fornols-Haut (Leroi-Gourhan, 1995 [1965], 571). No entanto, as revelações que se darão em 1994 e 1995 vão ser de tal forma revolucionárias que em todas as sínteses sobre a arte paleolítica que se publicarão posteriormente as restantes estações ao ar livre terão forçosamente que ser mencionadas (Bahn, 2001, 157-158). As revelações a que nos referimos correspondem, evidentemente aos achados de arte rupestre no Vale do Côa, dados a conhecer pelo arqueólogo N. Rebanda no jornal Público do dia 21/11/1994 em artigo assinado por M. Carvalho. Por intermédio deste artigo fomos informados da existência de uma série de rochas com gravuras paleolíticas no sítio da Canada do Inferno, sítio esse que seria submerso pela albufeira da barragem de Foz Côa que, entretanto, já se construía a bom ritmo. Nesse artigo apenas se questiona a relutância da EDP (a dona da referida obra) em possibilitar as condições necessárias

para o estudo daquelas gravuras. Na verdade, nada neste artigo fazia adivinhar os debates acesos e as batalhas que se iriam travar até à interrupção da construção da barragem e abandono definitivo do projeto em finais de 1995. Estes debates atravessaram toda a sociedade portuguesa, ultrapassando largamente os limites da Arqueologia, tendo sido um dos assuntos privilegiados dos media nacionais do ano de 1995. Mesmo a generalidade dos partidos políticos não tinha uma posição oficial relativamente ao assunto. Assim, se o governo de então — nas mãos do PSD de Cavaco Silva — era frontalmente pró-barragem, tal não impedia que personalidades influentes dentro daquele partido se mostrassem abertamente a favor das gravuras, tal como o antigo Secretário de Estado da Energia Nuno Ribeiro da Silva (Silva, 1995a; 1995b) ou Durão Barroso (Abreu, 1995, 513); a generalidade do PS era favorável à defesa das gravuras, mas um militante tão importante no aparelho, como José Sócrates, mostrava-se favorável à barragem (Sócrates, 1994; Sepúlveda, 1994); na verdade, dos partidos políticos com assento parlamentar apenas o PCP e Os Verdes assumiram antes das eleições de 1995 uma posição frontalmente a favor das gravuras (Raposo, 1995b, 429; Serrão, 1995a; 1995b; Os Verdes, 2012, 22-24). A título individual, os deputados José Queiró (CDS-PP) e Mário Tomé (UDP) demonstraram também a sua posição “pró-gravuras” (Abreu, 1995, 513). Mas o “caso Côa” não se ficou pelo interior das nossas fronteiras, tendo sido noticiado a nível mundial, por vezes com chamadas de primeira página (Herald Tribune), ou sido objeto de editoriais (Times) (Abreu, 1995).

Não aprofundaremos, contudo, os aspectos relativos a este debate público e à batalha pela preservação do Côa que terminou com a interrupção da barragem e a salvação do vale (decisão tomada pelo governo PS/ Guterres, entretanto saído das eleições de outubro de 1995). De facto, este assunto não só se foi dando a conhecer ao longo do processo (v. g. Lemos, 1994; Abreu, 1995; Bahn, 1995a; 1995b; Jorge, 1995a; 1995b), como foi já objeto de textos que se debruçaram exclusivamente sobre ele (Baptista, 2000; 2002). Contudo, um dos aspetos centrais deste debate era um problema de índole científica, a saber — a cronologia dos grafismos em causa (Cabral, 1995; Raposo, 1995c; Zilhão, 1995a), pelo que sobre ele nos debruçaremos. No entanto, será de começarmos por lembrar o que se sabia da arte do Côa à época...

Os primeiros textos científicos sobre o conjunto rupestre disperso pelo Vale do Côa são da autoria do seu descobridor — Nelson Rebanda (1995a; 1995b). Nestes textos é referida já uma série de sítios e rochas com arte atribuída ao Paleolítico

superior: Vale de Moinhos (2 rochas), Canada do Inferno (5 rochas emersas mais 10 submersas), Vale de Videiro (1 rocha), Vale de Figueira (1 rocha), Ribeira de Piscos (3 rochas), Faia (1 rocha), Penascosa (5 rochas33), Quinta da Barca (3 rochas), Canada do Amendoal (1 rocha), Vale de José Esteves (1 rocha), Vale de Cabrões (1 rocha) e Broeira (1 rocha). Atribui ao Epipaleolítico duas rochas da Canada do Inferno e o veado da rocha 1 de Vale de Cabrões. As figurações paleolíticas teriam sido executadas ao longo de um período compreendido entre o Perigordense e o Magdalenense, atribuindo-se a este tecnocomplexo as figuras preenchidas “por finos traços”. O autor releva a predominância do cavalo e do auroque, a que se seguiria a cabra-montês, sendo o restante bestiário composto por um veado, uma rena e uma cerva. Releva também o facto da pintura utilizada nos auroques da Faia poder ser paleolítica uma vez que, para além de preencher os sulcos gravados dos auroques, completa detalhes não gravados. Relativamente à interpretação do sítio destaca já o facto da maior parte das rochas se encontrar orientada para oriente, assim como o facto de se localizarem preferentemente na margem esquerda. Admite as possibilidades de nos encontrarmos perante vários santuários ou apenas um, em que o Côa e os seus afluentes funcionariam como a galeria axial e os divertículos axiais de uma gruta. Este santuário poderia prender-se com a veneração das águas correntes, tal como sugerido por outros autores para outros sítios paleolíticos (designadamente P. Bahn, que o autor cita).

Assim se caraterizavam sucintamente os sítios que foram objeto das discussões acesas do ano de 1995. Se o estilo das gravuras apontava para o Paleolítico, se já se conheciam outras estações de ar livre com arte paleolítica, o que levou a que alguns levantassem tantas dúvidas quanto à autenticidade destes grafismos?

Estas objeções encontram-se sintetizadas em dois artigos de Bednarik (1995a; 1995b), prendendo-se essencialmente com resultados advindos da utilização de métodos de datação absoluta de fiabilidade discutível, e com argumentos contextuais e estilísticos. Estas objeções foram à época rebatidos de forma insofismável por J. Zilhão (1995b; 1995c) e, no que aos métodos de datação diz respeito, por A. M. Soares (1995a; 1995b).

Assim, segundo Bednarik, os quatro métodos utilizados para tentar datar de

                                                                                                                         

33 O autor não refere nos seus textos o número de rochas da Penascosa. No entanto, a dado momento

indica o número de 25 rochas de tipologia paleolítica (v.g. Rebanda, 1995a, 9). Assim o número de rochas conhecidas na Penascosa até ao momento foi conseguido mediante a subtração da soma de rochas dos restantes sítios àquele valor.

forma absoluta a arte do Côa coincidiam na verificação de uma data recente para estes grafismos. Estes métodos consistiram: na datação por 36Cl (utilizado por Fred Phillips) que pretendia inferir a data máxima das gravuras calculando a data de exposição dos painéis à luz solar a partir da taxa de acumulação daquele isótopo nas superfícies historiadas; no cálculo por AMS do terminus ante quem de deposição da película superficial de alteração da rocha (utilizado por Ronald Dorn); no cálculo por AMS dos terminii ante quem das crostas minerais presentes na superfície da rocha e no interior do sulco gravado (utilizado por Alan Watchman), inferindo-se assim o intervalo temporal de execução da gravura; por análise da microerosão dos sulcos gravados (utilizado por R. Bednarik).

Relativamente aos dois primeiros métodos, como foi demonstrado por J. Zilhão, houve um claro abuso interpretativo dos resultados por parte de Bednarik (Zilhão, 1995c, 124-125). Assim, quando finalmente se publicaram os resultados das análise do 36Cl (Phillips et al., 1997), não só se confirmou que as superfícies gravadas já estavam expostas desde um período que poderia ir dos 36.000 aos 136.000 anos, como se demonstrou que “rates of surface modification and erosion are slow enough

to preserve Palaeolithic engraved panels” (Phillips et al., 1997, 102). Da mesma

forma, “36Cl ages for associated joint faces and 36Cl ages for Côa hillslope materials [...] argue for a landscape that is stable enough to support Palaeolithic art” (idem,

104). Relativamente ao trabalho de Dorn, para além dos resultados daí advindos apenas deverem ser lidos como terminii ante quem (v. g. Zilhão, 1995c, 124-125; Soares, 1995a, 200), será de relevar outro facto. Na verdade, o trabalho deste investigador demonstrou bem que as películas protetoras da rocha não formavam um sistema fechado que permitisse corretas análises por radiocarbono. Demonstrou também a impossibilidade da utilização da análise da microerosão nos painéis do Côa (Dorn, 1997, 112-113). E sobretudo, cruzando as datas de 36Cl, as datas AMS da película protetora dos painéis e a teoria do sistema aberto do radiocarbono, “mixing

time constants would be sufficiently slow for measured petroglyph ages to fall within the Upper Palaeolithic” (Dorn, 1997, 113).

A inutilidade dos resultados a que chegou Watchman foi também suficientemente demonstrada por Zilhão e Soares nos textos atrás referidos. Mesmo se posteriormente Watchman vem a precisar que não recorreu ao laser para datar as amostras (1996, 25) e quais as razões que o levam a propor a data de introdução da agricultura no vale há cerca de 1700 anos (1996, 29), as restantes críticas de Zilhão e

Soares não são rebatidas. Essas críticas prendiam-se essencialmente com uma série de pressuposição por parte de Watchman: as camadas de sílica depois de formadas não se alterariam (v.g. Zilhão, 1995c, 125-126); a matéria orgânica posterior àquela formação não penetraria por essa sílica (idem, 126-127); a sílica da superfície não gravada adjacente às gravuras seria necessariamente anterior à execução destas (idem, 127).

A Watchman foi ainda criticada a utilização do que Zilhão, seguindo Binford (1991 [1983], 26), denominou “argumento acomodativo post-hoc” (Zilhão, 1995c, 128-135). Isto é, não se conformando os resultados iniciais de Watchman às suas expectativas, viu-se este na necessidade de reformular o protocolo por si previamente apresentado, de forma a que os resultados a elas se adequassem, forma essa que por outro lado expõe ainda mais as debilidades quer do método, quer dos resultados.

Relativamente ao trabalho de Bednarik, J. Zilhão mais não faz do que socorrer- se (e bem) das próprias palavras de Bednarik (1992): que o xisto não é de todo a rocha indicada para se proceder a este tipo de análise e que é necessária uma curva de calibração local (tendo no Côa sido utilizada a do lago Onega, na Sibéria!) (Zilhão, 1995c, 1137-140).

Relativamente aos argumentos contextuais, Bednarik referia: a impossibilidade de conservação de superfícies gravadas durante o último glaciar, uma vez que os fenómenos coevos de crioclastia teriam forçosamente destruído as rochas historiadas que pudessem ter existido; a impossibilidade de preservação de gravuras existentes tão cerca do caudal do rio e por isso altamente susceptíveis de erosão fluvial; a ausência de fauna fria; o paradoxo de se representarem cavalos, auroques e veados numa zona que, por tão próxima do glaciar da Serra da Estrela, corresponderia a uma tundra, não permitindo a habitabilidade daqueles animais; a não validade do uso das representações da cabra-montês como marcador cronológico; a presunção de que figuras como o antropomorfo da rocha 1 de Piscos seriam executadas com utensílio metálico; a ausência de contexto arqueológico.

Como referimos atrás, Zilhão refutou estes argumentos de forma exemplar (v.g. 1995c, 140-147). No entanto, alguns dados novos exigem uma atualização ao nível de alguns destes pontos. Relativamente aos problemas da crioclastia, hoje sabemos que estes ocorreram durante pelo menos o HE1 e o Dryas recente (Aubry et

al., 2010a, 3314), danificando inclusivamente parte da rocha 1 do Fariseu, como se

quer a película silico-metálica que protege estas rochas (Pope, 2000; Chauvière et al., 2009), quer o facto de poderem ter ocorrido diversos episódios de sedimentação (particularmente junto da planície aluvial) terá contribuído para a preservação destas mesmas rochas (Aubry et al., 2010a, 3317). Assim, contrariamente ao que refere Bednarik a presença próxima do rio não deve ser vista como um entrave à conservação porque favorece a erosão, mas como fator importante de conservação na medida em que possibilita a sedimentação aluvial. A resposta de Zilhão relativamente à fauna fria mantém-se atual (se esta não está confirmada no registo osteológico, porque deveria aparecer na arte?), sendo, no entanto, de notar que no Côa existe um motivo que tem vindo a ser interpretado como bisonte (Luís, 2008, 65; Reis, 2011, 107-108), interpretação essa com a qual concordamos igualmente34; o ridículo das duas objeções seguintes (a da presumível existência de tundra na região e a impossibilidade de utilizar a cabra-montês como marcador cronológico) é condição suficiente para que sobre estes assuntos não nos debrucemos mais; relativamente à putativa execução do antropomorfo de Piscos com utensílio metálico, será de acrescentar ao que Zilhão já tinha referido, o facto do estudo de D’Errico sobre Fornols-Haut citado naquele texto como inédito (Zilhão, 1995c, 1995c, 146) ter sido entretanto publicado (D’Errico, Sacchi & Vanhaeren, 2002). Quanto à pretensa ausência de contexto arqueológico, não só Zilhão nos informa logo da descoberta da Cardina (1995c, 147) — que será aliás, logo nesse ano, alvo de uma publicação mais aprofundada (Zilhão et al., 1995) — como, sobretudo, os trabalho desenvolvidos ao longo dos últimos 20 anos (v.g. Aubry, dir., 2009) tornaram a região num referencial de nível ibérico para o estudo do Paleolítico superior (Raposo, 2006). Quanto às objeções de Bednarik relativamente à análise estilística nem sequer nos deteremos sobre ela porque julgamos que o trabalho que o leitor tem em mãos será per se esclarecedor sobre a matéria35.

Tendo em conta o que acabámos de referir, não espanta que a generalidade da comunidade científica internacional tenha aceite a datação pleistocénica desta arte mediante critérios estilísticos (v. g. Bahn, 1995a; 1995b; Beltrán, 1995; Clottes, 1995; Clottes, Lorblanchet & Beltrán, 1995; Sacchi, 1995). Alguns autores precisavam

                                                                                                                         

34 Refira-se que em 1995, vários autores consideraram a existência de outros exemplos de fauna fria no

Côa, tal como a rena (Rebanda, 1995a, 10; Baptista & Gomes, 1995, 71), o leão das cavernas ou o megaceros (Vieira, 1995a, 754).

35 Contudo, convirá lembrar que é nestes textos em que João Zilhão rebate os argumentos de Bednarik

que pela primeira vez se comparam os motivos do Côa, preenchidos interiormente por incisões, com os “estriados da Cantábria” (Zilhão, 1995b, 898; 1995c, 150).

mesmo a cronologia destes grafismos. Assim, González Sainz, por exemplo, considerava a maior parte das gravuras que tinha visto integráveis nos estilos III e IV antigo de Leroi-Gourhan (1995, 471), Balbín inseria-as exclusivamente no estilo III (1995, 40), atribuindo-as Züchner (1995) também ao Solutrense

Outro problema científico que foi tido em conta no debate foi o da importância destes sítios enquanto raras sobrevivências de arte ao ar livre deste período. De facto, a existência de uma tão elevada concentração de rochas gravadas indiciava que muitos outros sítios deste tipo poderão ter sido destruídos por ação erosiva, designadamente nas zonas calcárias que, se correspondem às regiões onde se encontram mais grutas historiadas, também são aquelas mais atreitas a essa mesma erosão (Bahn, 1995a, 231; Moure, 1995, 375).

Em 1995 publicam-se também os primeiros decalques de arte paleolítica do Côa, designadamente os das rochas 1, 2, 3 e 14 da Canada do Inferno e um outro sectorial da rocha 2 de Piscos (Baptista & Gomes, 1995). Neste texto apresenta-se um primeiro esboço de caraterização da Canada do Inferno, destacando-se a referência a algo que vai deixar de ser mencionado em publicações posteriores: a da existência no interior do que virá a ser conhecido como “abrigo das cabras” de “unhadas do diabo” associadas a covinhas (Baptista & Gomes, 1995, 53). É exposta também uma primeira síntese do que se vai conhecendo da arte do Côa, onde se incluem observações que ainda hoje se mantém (v.g. a predominância da incisão sobre a picotagem), a par de outras que forçosamente serão alvo de revisão (v.g. a existência de dois períodos essenciais de gravação, sendo um solutrense e outro magdalenense com prolongamento para o Holoceno).

Neste ano de 1995 são já esboçadas algumas teorias explicativas relativas à impressionante quantidade de grafismos ao ar livre de cronologia paleolítica. V. Jorge, em texto assumidamente dirigido ao grande público e escrito num momento em que se batalhava ainda pela preservação do vale, considera o conjunto como “um imenso santuário [...] qual grande gruta ao ar livre” (1995c, 10); mais importante, contudo, é ter entendido que esta era uma oportunidade única de percebermos como é que os “nossos antepassados organizavam conceptualmente a paisagem” (1995d, 357) e que “o monumento é todo o rio, pois ele foi usado, pelos caçadores-recolectores paleolíticos, como uma arquitetura natural (1995e, 368). Estamos, contudo, ainda num contexto em que a interpretação da arte de ar livre reflete os discursos interpretativos da arte das grutas, sendo os sítios onde aparece caraterizados como “santuários”. Este

aspeto é não só evidente nos textos de V. Jorge que temos vindo a citar, como noutros que são publicados no mesmo ano (Vieira, 1995b).

Em contraste, D. Vialou releva as diferenças entre os conjuntos rupestres do Douro (Mazouco, Siega Verde e Côa) e os conjuntos gráficos de grutas e abrigos, opondo-se o “espartilhamento multidirecional do espaço simbólico” ao ar livre à distribuição desse mesmo espaço no interior de um volume, no caso das grutas, ou ao longo de um eixo linear, no caso dos abrigos. Este autor não deixa, no entanto, de sublinhar também que nestes conjuntos durienses a estruturação espacial é mais evidente que na maior parte das grandes concentrações rupestres de outros períodos conhecidas no mundo (Vialou, 1995).

Em texto datado de 1995-1996, mas escrito seguramente antes da descoberta da Cardina (cujo achado aparece relatado em nota fora de texto apodada de “Dernière minute”), João Zilhão apresenta uma primeira síntese do que se vai conhecendo, dando particular destaque aos sítios da Canada do Inferno, Vale de Figueira, Ribeira de Piscos e Penascosa. São já feitas algumas observações que farão “escola”, como a possibilidade de animais incompletos — como os da rocha 1 de Vale de Figueira ou os grandes auroques da rocha 13 de Piscos — poderem ter sido pintados, o papel de marcador territorial que poderia ter sido desempenhado por esta rocha ou a importância da sequência do Parpalló para a datação da arte do Côa. Relativamente à cronologia, parece valorizar-se o período entre o Solutrense e o Magdalenense antigo. Em 1996 destaque-se a publicação de texto de Ripoll & Zilhão, onde a par da publicação de novos levantamentos (rochas 3 de Piscos, 1 de Rego da Vide e 11 da Canada do Inferno) se dão a conhecer novos sítios com vestígios de ocupação do Paleolítico superior (Quinta da Barca Sul, Quinta da Barca e Quinta da Granja), se referenciam já 15 estações com arte paleolítica e pelo menos 150 rochas. Pela primeira vez se releva o papel dos volumes na execução das figuras (Piscos 1 e Penascosa 5b) ou a longa diacronia de gravação que, arrancando no Gravettense ou no Solutrense, se prolongaria “a lo largo de las diferentes etapas del Paleolítico

superior”, tendo por isso “la diferencia de coloración en la patina de algunas de las superposiciones [...] un significado cronológico de capital importancia que se ve reafirmada por el análisis estratigráfico de las representaciones” (Ripoll & Zilhão,

1996, 288).

Destaque-se também a primeira edição de uma obra sobre o Côa destinada ao grande público (Carvalho, Zilhão & Aubry, 1996). Pese embora a audiência para a

qual se dirigia, este texto apresenta algumas observações altamente pertinentes. Assim, se o peso dado ao Parpalló e ao significado cronológico das sobreposições é ainda excessivo, será de relevar que é neste texto que pela primeira vez se relaciona a presença da arte com lugares especiais e se adverte para a necessidade de estudar “a forma como os motivos se distribuem pelos diferentes núcleos de rochas gravadas, em função da sua localização topográfica (idem, 55).

Também de relevar é o texto de Balbín, Alcolea & Santonja (1996). Neste trabalho, os autores, desvalorizam de forma assumida o papel das sobreposições como indicador cronológico, encarando-as antes como conscientes e coetâneas (idem, 9), datando o conjunto rupestre de um período de há cerca de 18.000 a.C. (idem, 35). Os autores coincidem, portanto, com a opinião de Beltrán para quem era indubitável a atribuição ao solutrense dos grafismos do Côa (1996, 49). Já em texto de M. V. Gomes e A. M. Baptista é defendida uma longa diacronia para a arte paleolítica do Côa, que arrancaria no Solutrense e se prolongaria sem rupturas até ao final do Magdalenense, e mesmo para além dele (Gomes & Baptista, 1996, 65-68).

Se a maior parte dos autores considerava já por esta altura a inexistência de fauna fria na arte do Côa, tal ideia não era, contudo, unânime, reconhecendo Arcà (1996) na rocha 1 da Vermelhosa um megaceros, e até um eventual mamute!

Em 1997 sai a primeira grande síntese sobre a Arqueologia pré-histórica do vale do Côa, em obra coordenada por J. Zilhão. Aí encontramos os resultados da sondagem geológica efetuada a jusante das últimas rochas historiadas da Penascosa que demonstram a origem holocénica do preenchimento do vale nesta zona (Meireles, 1997), os resultados das prospecções geofísicas realizadas naquele sítio e na Cardina (Almeida, 1997), os resultados das prospecções e escavações arqueológicas até então realizadas — destacando-se os dos trabalhos nos sítios magdalenenses da Quinta da Granja e Quinta da Barca, do Magdalenense final da Quinta da Barca Sul e do Gravettense e Magdalenense final da Cardina (Aubry, Carvalho & Zilhão, 1997, 120- 182) —, e uma quantidade significativa de novos dados advindos dos estudos de arte rupestre (Baptista & Gomes, 1997). Relativamente a estes, destaque-se o facto de se discriminarem os 15 núcleos entretanto identificados com arte paleolítica (aos 12 já referidos por Rebanda, acrescentava-se agora Vale da Casa, Vermelhosa e Rego da

Vide)36, a publicação de novos decalques de rochas historiadas durante o Paleolítico (4, 10, 11, 12, 13, 15, 19, 20, 22, 26, 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35 e 36 da Canada do Inferno; 6, 7 e 9 de Rego da Vide; 1, 2, 5, 6 e 7 de Rego da Vide; 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,