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Breve Análise das Negociações no GATT E na OMC

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Rodada Tóquio

1.4 Breve Análise das Negociações no GATT E na OMC

“Eliminando as restrições ao comércio em setores como têxteis e agricultura – que contêm muitas indústrias que devem ser as primeiras a exportar num país em desenvolvimento, os países adiantados provavelmente fariam mais bem do que os programas de ajuda externa combinados”. (PORTER 1989).

O liberalismo (ver box) não conseguiu promover o desenvolvimento econômico e a paz que pregava. O desafio continua sendo encontrar mecanismos que produzam acordos justos, que respeitem as diferenças existentes entre os países, possibilitando que estes disponham de mecanismos macroeconômicos para definir rumos autônomos para suas economias, de modo que o comércio realmente contribua para o desenvolvimento de todos.

Apesar do pouco proveito efetivo em termos de acesso aos mercados dos países industrializados, para os países em desenvolvimento o GATT e a “era keynesiana” trouxeram benefícios relativos. As idéias de Keynes, com sua ênfase na autonomia das políticas econômicas domésticas das nações como forma de perseguir objetivos econômicos legítimos, foi decisiva em inúmeros aspectos para viabilizar o enorme desenvolvimento econômico ocorrido em muito desses países no período de vigência do regime internacional de Bretton Woods (DELGADO, 2000). O GATT contribuiu de modo essencial para o equilíbrio internacional e amenizou ou solucionou conflitos econômicos, ainda que seja possível questionar se o atual equilíbrio corresponde ao mais justo.

Ao longo das rodadas de negociação do GATT, os países em desenvolvimento passaram por um intenso processo de organização e de conscientização de que as decisões tomadas favoreciam de forma desigual os países desenvolvidos22. Entretanto, a maioria dos países do Terceiro Mundo estava por demais politicamente debilitada pela necessidade de renegociar suas dívidas externas com os países centrais para conseguir evitar a agenda dos países industrializados e das instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco Mundial. Estas instituições estipularam a liberalização comercial como uma de suas condições para renegociar dívidas ou conceder novos empréstimos (CHANG, 2004).

O uso da cláusula da nação

22 Em 2002, a Índia apresentou um questionamento à OMC em virtude do sistema de preferências adotado pela Comunidade Européia que previa preferências tarifárias aos países em desenvolvimento que: i) estivessem no regime especial contra a produção e o tráfico de drogas; ou ii) que fizessem parte do regime especial de estímulo à proteção dos direitos trabalhistas e do meio ambiente. O panel que analisou a questão decidiu que o regime das Comunidades Européias era inconsistente com o GATT e que o princípio de não discriminação deveria ser respeitado, não admitindo seletividade entre países em desenvolvimento (OLIVEIRA, 2005).

Liberalismo

Com raízes nas idéias liberais defendidas pelo fisiocratismo, o liberalismo econômico surge na Europa e na América no final do Séc. XVIII associado ao liberalismo político nascido nas Revoluções Americana e Francesa. O liberalismo enfatiza a liberdade de iniciativa econômica, a livre circulação da riqueza, a valorização do trabalho humano e a economia de mercado (defesa da livre concorrência, do livre cambismo e da lei da procura e da oferta como mecanismo de regulação do mercado); opondo-se assim ao intervencionismo do Estado e à adoção de medidas restritivas e protecionistas defendidas pelo Mercantilismo.

O liberalismo teve em Adam Smith um de seus principais teóricos, com sua tese da vantagem absoluta, aprofundada posteriormente por David Ricardo. O liberalismo econômico fazia parte da estratégia política internacional inglesa, que o empregava com o intuito de conseguir acesso direto aos fornecedores de matérias-primas e aos mercados consumidores mundiais, rompendo com a ordem mercantilista. (PINHEIRO, 1995).

mais favorecida e do princípio da não discriminação como instrumentos de redução de tarifas, além excluir vários produtos, não beneficiou a todos os países por igual. Isso apenas ocorreria caso os países possuíssem estruturas econômicas similares ou níveis de desenvolvimento muito parecidos. As enormes diferenças existentes, principalmente no que diz respeito à capacidade financeira, fizeram com que a igualdade total de tratamento comercial beneficiasse, em maior proporção, os países mais industrializados (MÁS 1969). De modo geral, o processo de liberalização dos produtos agrícolas, base das exportações dos países em desenvolvimento, foi muito mais moroso do que o experimentado pelos produtos manufaturados.

Outro aspecto relevante que remete ao início das negociações no GATT é a questão da opção pelas reduções lineares de tarifas, que acabaram por beneficiar aqueles países que praticavam os patamares de tarifas mais elevados antes dos acordos. Este foi o caso dos Estados Unidos, o país industrializado com maiores tarifas médias. A ampla liberalização no setor de serviços, defendida com firmeza pelos países desenvolvidos, também prejudica em especial os países em desenvolvimento. Isso porque é nos países desenvolvidos que estão localizadas as sedes da maioria das corporações transnacionais atuantes nesse ramo, que já estavam capacitadas técnica e financeiramente para expandir seus negócios para o exterior antes da liberalização.

Ainda que as mudanças regulatórias domésticas efetuadas nos anos 90 tenham deixado o país em posição negociadora razoavelmente confortável. Particularmente em relação ao Brasil, identifica-se uma crescente preocupação em relação aos impactos de eventuais pressões em temas como setores de serviços, compras governamentais, TRIMs, subsídios e outros relacionados ao meio ambiente e às normas de trabalho. Esse temor se justifica porque a incorporação destes temas nos debates pode ser analisada como sendo um modo de tornar as negociações comerciais, cada vez mais, um veículo usado pelos países comercialmente mais poderosos para ditar os termos de um modelo mundial de fazer política econômica, pois as regulações decorrentes das políticas nacionais determinam, em grande parte, a competitividade das empresas (FAGUNDES, 1994).

No preâmbulo do Acordo Constitutivo da OMC, esta herdou do GATT o reconhecimento formal das necessidades especiais dos países em desenvolvimento, particularmente na consideração de esforços positivos para assegurar que aos mesmos seja garantida uma parcela no crescimento do comércio internacional, proporcional às suas necessidades de desenvolvimento econômico. Entretanto, embora esses mecanismos estejam previstos nas várias disposições de tratamento especial, na prática, não têm gerado os resultados desejados (OLIVEIRA, 2005). Com a consagração do single undertaking, durante a Rodada do Uruguai, o conceito de tratamento especial e diferenciado foi reorientado para facilitar a integração dos países em desenvolvimento no sistema multilateral do comércio em bases iguais aos países desenvolvidos. Entretanto, há uma tensão fundamental entre estabelecer regras universais para o comércio internacional e dar aos países membros espaço suficiente para elaborar políticas adequadas à sua situação econômica. O atual regime de “tamanho único” reflete, com muito mais freqüência, as necessidades e interesses particulares dos países industrializados, que são colocados na linguagem dos princípios universais como sendo valores compartilhados por toda comunidade internacional23 (LUCCHESE, 2003).

Formalmente, a OMC, onde cada país tem um voto, é a mais democrática de todas as organizações intergovernamentais com um mandato global. Essa característica gera uma expectativa de maior influência dos países em desenvolvimento nas decisões24. No entanto, essas expectativas muitas vezes não são correspondidas; primeiro porque os países de menor

23 O acordo TRIPS que dispõe sobre a proteção patentária de inovações tecnológicas é um exemplo emblemático dessa estratégia.

desenvolvimento relativo não têm condições de manter representações em Genebra e/ou tais representações são inaptas para enfrentar a complexidade das negociações comerciais e; segundo, porque a construção de um consenso informal tem exercido muito mais influência na tomada das decisões na OMC do que seus processos formais (MALHORTA, 2004). E finalmente, porque a grande heterogeneidade dos países em desenvolvimento dificulta a apresentação de posições em bloco nos fóruns de negociação internacional.

A freqüente falta de união e de uma posição fechada, é também o fator que restringe a influência mais direta das Organizações Não-Governamentais (ONGs) e dos movimentos sindicais nas decisões tomadas na OMC. Entretanto, estas organizações trazem a público uma série de informações sobre os bastidores das negociações na OMC e muitas reivindicações dos países menos desenvolvidos têm se apoiado em estudos desenvolvidos por essas instituições.

A OMC não deve ser entendida como uma instituição dedicada a harmonizar e a reduzir diferenças institucionais entre países, mas como uma organização que administra a interação entre diferentes sistemas nacionais. No que tange a propiciar autonomia na elaboração de política, a estrutura e a implementação dos acordos da OMC estão longe de ser satisfatórias. Concluindo, um sistema global de comércio baseado na barganha mútua não pode produzir resultados justos e desejáveis em termos de desenvolvimento humano, a menos que todos os seus membros tenham a capacidade de negociar e extrair benefícios do comércio internacional. Falta à maioria dos países em desenvolvimento a capacidade de influenciar a agenda e o ritmo das negociações comerciais multilaterais, bem como de negociar efetivamente as questões de seu interesse e cumprir seus compromissos com o regime de comércio (MALHORTA, 2004).

No que concerne à participação brasileira nos fóruns, os entrevistados ouvidos para a tese que integram efetivamente os diversos comitês (TBT, SPS, Codex, OIE), são unânimes em declarar que o Brasil apresenta uma inserção política relevante e tem suas opiniões levadas em consideração nas mesas de negociação. Uma crítica comum está relacionada à reduzida presença do setor privado nacional e de representantes da academia, que poderiam disponibilizar dados utilizados para fundamentar ou respaldar as intervenções brasileiras. Esta situação obriga muitas vezes a delegação brasileira a tecer suas considerações baseando-se em dados obtidos por outros países. Alguns entrevistados também citaram a existência de deficiências de coordenação das comitivas brasileiras, sobretudo nos fóruns do Acordo SPS, onde a percepção é de que problemas de ordem político-institucional prejudicam a obtenção de uma posição harmônica unificada entre os representantes das várias instituições.

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