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As Conseqüências Positivas das Barreiras Não-Tarifárias na Cadeia da Carne Neste tópico se pretende descrever mudanças nos agentes e nos ambientes regulatório

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SEGUNDA PARTE ESTUDO DE CASO: A CADEIA DA CARNE BOVINA

6 AS BARREIRAS AO COMÉRCIO MUNDIAL DE CARNE BOVINA

6.3 As Conseqüências Positivas das Barreiras Não-Tarifárias na Cadeia da Carne Neste tópico se pretende descrever mudanças nos agentes e nos ambientes regulatório

e institucional da cadeia da carne bovina brasileira, partindo da hipótese de que estas tiveram como causa direta ou indireta, a implementação de barreiras não-tarifárias e das exigências dos importadores, sejam essas de origem pública ou privada. Entretanto, é preciso salientar que, apesar do material pesquisado e as entrevistas utilizadas permitirem estabelecer uma relação parcial de causa e efeito, não seria correto afirmar que as mudanças descritas têm como única fonte causal as exigências do comércio internacional.

237 Em setembro de 2003, a União Européia apresentou uma proposta para a proteção animal durante o transporte. Segundo esta: i) o tempo de viagem deve ser minimizado; ii) os animais devem estar saudáveis; iii) o meio de transporte deve ser específico, seguro e evitar ferimentos; iv) as rampas devem ser planejadas e operadas de forma segura para os animais; v) o pessoal deve ser treinado para evitar stress desnecessários aos animais; vi) alimentação, água e descanso devem ser apropriados (ILLINCH & HAGUIWARA, 2005).

238 A disputa na OMC envolvendo a presença de hormônios na carne, foi baseada em percepções populares de risco e, segundo o relatório do debate não haveria uma “relação racional” entre o banimento e o risco real de problemas para a saúde humana (CRUTCHFIELD et al, 2000).

Outra questão que merece destaque está relacionada à fragilidade da coordenação entre os elos da cadeia produtiva da carne bovina e à deficiência no sistema público regulatório. Estas duas constatações apresentam pelo menos duas conseqüências relevantes para esta tese, a primeira delas é a baixa taxa de transmissão de informações ao longo da cadeia. A segunda é conseqüência da deficiência nos mecanismos públicos para cumprimento das normas criadas. Estes dois fatores, em graus variáveis, sugerem a existência de um quadro de restrição ao movimento de geração de externalidades positivas a partir das normas interpretadas como barreiras à comercialização. Entretanto, embora prejudicadas por esses fatores, as vantagens para a sociedade estão presentes e, de acordo com o método sugerido anteriormente, foram classificadas neste tópico segundo sua área de maior influência.

Inovações tecnológicas

O desenvolvimento tecnológico está intimamente relacionado com a expansão dos produtos cárneos brasileiros no mercado internacional. No estudo que analisou a competitividade da cadeia agroindustrial da carne bovina no estado do Paraná (IPARDES, IBQP, GEPAI, 2002), foi verificado que o sistema de Análise de Perigos em Pontos Críticos de Controle - APPCC só foi

encontrado nas empresas do sistema exportador. O mesmo estudo atribuiu essa característica à exigência do mercado internacional.

Em estudo mais recente, Pitelli e Moares (2006), entrevistaram os responsáveis pelos maiores frigoríficos exportadores e observaram que “... o ano em que os clientes europeus exigiram determinados programas de qualidade corresponde ao mesmo ano de suas implementações na empresa, o que evidencia que os frigoríficos adequaram a estrutura tecnológica e produtiva com o padrão internacional, para não perderem seus clientes

europeus.”(pág.36). No mesmo

universo de entrevistados, 66,7% declararam que contrataram mão-de-

obra especializada e passaram a investir mais em P&D em função das exigências dos compradores internacionais.

O mercado de insumos agropecuários no Brasil é dominado por um conjunto de empresas, em sua maioria multinacionais, que também possuem centros de pesquisa no Brasil e no exterior. Muitas destas empresas realizam extensão rural como estratégia de vendas e, assim, têm ocupado o espaço deixado pelo setor público nessa atividade.

As principais demandas tecnológicas relativas à cadeia de carne bovina no Brasil, e que estão sendo objetos de pesquisas concentram-se nos seguintes pontos:

(a) Cruzamentos Industriais: seleção de características desejáveis; estudos sobre volume e quantidade de carne produzida; produção de novilhos com gorduras monoinsaturadas; obtenção de animais com maior velocidade de ganho de peso.

(b) Manejo nutricional: redução dos custos de produção por meio da utilização de rações de custo mínimo; contornar ou minimizar a redução na produção de carne nos períodos de seca.

Uso de anabolizantes

Vários produtos anabolizantes comerciais têm uso liberado e generalizado nos EUA, onde o FDA (Food and Drug Administration), com base em vasto volume de informações de pesquisa, constatou que os mesmos, quando usados de forma apropriada, são seguros para a saúde humana.

Os anabolizantes proporcionam melhoria de 10 a 25% no ganho de peso e de 5 a 10% na eficiência de utilização dos alimentos. Nos EUA, o seu uso traz benefício econômico da ordem de US$ 25,00 a 75,00 por cabeça, acima dos custos do produto (PRESTON, 1998).

No Brasil, os técnicos admitem que o uso de hormônios não é prejudicial à saúde, entretanto, a questão de seu uso não se restringe à discussão científica, mas sim à conveniência comercial tendo em vista que a Europa restringe a compra de carne de animais tratados com hormônio1.

(c) Produção de novilho precoce: estudos comparativos (animais precoces/animais com idade convencional de abate, sobre rendimento, sabor, maciez, suculência e aceitabilidade pelo consumidor).

(d) Comportamento das doenças no campo e prevalências para seu controle efetivo: realização de pesquisas com respaldo em dados reais.

(e) técnicas de combate à mosca do chifre, com conseqüente melhora da eficiência da produção animal, e qualidade da carne e do couro deles oriundos;

(f) desenvolvimento de processos de secagem para produção de charque com manutenção de suas características sensoriais;

(g) desenvolvimento de tecnologias que permitam um melhor aproveitamento de subprodutos.

Atualmente, a pecuária de corte passa por um processo nítido de incorporação de tecnologias com reflexo positivo sobre a produtividade. A liberalização comercial, especialmente o Mercosul, expôs o produto nacional à concorrência externa, enfatizando a necessidade de melhoria da qualidade e da busca de maior eficiência de produção. Um destaque deve ser dado ao recente projeto do Grupo Bertin, que prevê a inauguração em 2007 de uma usina de biodiesel que produzirá o combustível a partir do sebo bovino fornecido pelos seus frigoríficos. A obra movimentou cerca de R$ 40 milhões, e deverá produzir cerca de 100 milhões de litros de biodiesel por ano, consumindo para tanto, 300 toneladas diárias de sebo (SANTOS et al, 2007).

Conforme verificado quando tratamos da caracterização da cadeia produtiva da carne bovina, a incorporação de tecnologia não ocorre de forma homogênea nas várias regiões fisiográficas do País, e nem mesmo nas diversas microregiões de cada estado.

No setor de abate os investimentos estão sendo realizados no sentido de se agilizar os processos, aumentar a eficiência de produção, atender às exigências legais, e melhorar a qualidade da carne. Exemplos neste sentido podem ser listados, como a adoção de insensibilização pneumática, introdução de estimulação elétrica de carcaças, climatização e automatização das salas de desossa, etc. Tais mudanças foram adotadas a partir de demandas, sobretudo do mercado externo. Essas exigências provocaram ainda uma mudança marcante no modo de apresentação do produto ao consumidor que incluem: novos fatiamentos, acondicionamento e embalagens. Estes novos apelos ligados ao aspecto visual dos produtos nas gôndolas dos supermercados e casas especializadas estão ligados à disseminação das bandejas revestidas com filmes plásticos.

A base da tecnologia utilizada para a estocagem e o transporte frigorificado no setor de processamento de carnes bovinas não é recente. Da mesma forma que os métodos de conservação, como tratamento térmico, desidratação, cura e defumação são processos tradicionais utilizados em todo o mundo. As inovações recentes, focadas no aumento da produtividade e na agregação de valor do produto, ocorrem em função do uso de equipamentos mais sofisticados como, por exemplo, os que utilizam sistemas de microeletrônica. Nestes, é possível estabelecer programações para processamento de diferentes produtos sem quaisquer alterações na linha. Outra mudança importante entre as tecnologias empregadas se relaciona à assepsia permitida por sistemas fechados, contínuos e com pouca manipulação direta dos produtos, reduzindo assim os níveis de contaminação. A utilização de softwares específicos para o gerenciamento da produção ainda restringe-se às empresas exportadoras e são utilizados auxiliando o sistema de classificação de carcaças e sua rastreabilidade para pagamento aos produtores ou na confecção de etiquetas de comercialização no mercado externo.

À exceção dos frigoríficos voltados à exportação ou os que têm oferecido embutidos e porcionados, a grande maioria destes não dispõe de laboratórios ou departamentos de P&D. Na cadeia da carne, assim como na maioria das cadeias agroindustriais, o fluxo de inovações

tecnológicas é exógeno, ou seja, as principais inovações de produtos e processos são geradas em indústrias consideradas de apoio à cadeia (embalagens, aditivos, etc.). Nestes casos, observa-se o trabalho em conjunto com fornecedores de insumos visando testar ou desenvolver novos produtos. O mais comum é encontrar frigoríficos adotando ações cooperativas com açougues, seja patrocinando cursos de formação e/ou desenvolvimento profissional, seja participando de alianças mercadológicas que envolvem adoção de novas técnicas de corte.

Tecnologias como o controle microbiológico por irradiação são pouco ou nada utilizadas pelas empresas brasileiras, provavelmente pelo seu elevado custo (acima de um milhão de dólares, para sua implantação) (FELÍCIO, 1999). Outra tecnologia ainda cara, e pouco utilizada no parque industrial nacional, é a de acabamento de cortes, a partir do escaneamento da peça e corte padronizado a laser.

A heterogeneidade em termos da utilização da tecnologia disponível é uma característica comum a todos os segmentos apresentados. O que torna a pretensão governamental de incentivar a atividade bastante complexa devido à necessidade de se estabelecer instrumentos específicos aos diversos perfis de produtores e empreendimentos.

Segundo dados colhidos juntos aos entrevistados, a implementação da rastreabilidade no País, ocorrida efetivamente após as exigências internacionais, promoveram intensas alterações em toda a cadeia. As inovações e oportunidades geradas vão desde a criação de empresas fornecedoras de brincos e máquinas para a leitura de dados, a serviços de certificação. As mudanças se espraiam ainda para a capacitação dos empregados para trabalharem com o novo sistema. Nas palavras do presidente da ABIEC: “Um dos efeitos mais relevantes da implementação da rastreabilidade é a brutal modernização e sofisticação do manejo de gado nas fazendas em todo o território nacional.

Inovações gerenciais

À medida em que são introduzidas inovações no campo, como a mecanização do processo produtivo, ocorrem concomitantemente mudanças no gerenciamento, controle e manejo do rebanho. De forma lenta, gradativa e ainda regionalmente heterogênea, os produtores vêm transformando a maneira de gerir os negócios, passando a administrar a propriedade rural como uma empresa. Neste cenário, a gestão dos recursos humanos, as finanças, a contabilidade, os tributos e o ambiente macroeconômico, alçam novos patamares de importância (ORTEGA, 2005).

Neste sentido, muitas mudanças gerenciais importantes tiveram como ponto de partida a implementação do sistema de rastreabilidade pois as informações necessárias ao processo estão diretamente relacionadas à administração da propriedade. O produtor deve estar suficientemente organizado para ser capaz de coletar, processar e controlar as informações que serão utilizadas em seus processos decisórios e repassadas aos demais integrantes da cadeia (MACHADO & NANTES, 2000).

A expansão da atividade pecuária em direção à região Centro-Oeste, no final da década de 80, coincidiu com o surgimento de inovações organizacionais na cadeia da carne bovina, com a construção de redes e alianças. As redes e alianças definem o padrão tecnológico por meio de critérios como: tipo de animal escolhido, peso a ser obtido, o sistema de rastreabilidade, percentual de gordura e normas para os demais segmentos da cadeia (abate, processamento, rotulagem, transporte, distribuição, etc.). Estes critérios representam uma linguagem comum entre os agentes, ou seja, as tecnologias exigidas criam um código de relacionamento social e econômico entre os agentes envolvidos em cada etapa de todo o processo (RAMOS, 2006). Portanto, as vantagens de uma aliança estão fundamentalmente associadas à redução de custos de transação e melhorias em processos devido ao maior fluxo de informações e capacidade de previsão. Dentre as vantagens para o consumidor, está o fato

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