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BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS CIDADES BRASILEIRAS

As cidades de origem portuguesa eram adaptadas às condições físicas dos seus locais de implantação, à topografia, às condições ambientais e hidrografia. As cidades eram hierarquizadas e facilmente legíveis, e os caminhos eram fáceis de percorrer (TEIXEIRA, 2012).

Nos dois primeiros séculos marcados pela ocupação ibérica, as cidades exerciam funções mais voltadas para a área administrativa, haja vista a presença de mecanismos repressivos e ideológicos sob a responsabilidade da coroa e da Igreja, respectivamente. Por esse motivo, Singer (1987, p. 100) classificou as cidades nesse período histórico-econômico, como cidades da conquista, e acrescenta:

Ponto fortificado, a partir do qual se irradia o poder colonizador, submetendo as populações indígenas à autoridade política do rei e ideológica da Igreja, expropriando e redistribuindo terras, aniquilando quilombos, reprimindo o contrabando e as incursões de corsários e de forças colonialistas rivais.

Na segunda metade do séc. XVI, a estrutura urbana colaborou para um melhor controle do sistema de exploração da colônia, ficando o excedente para o centro metropolitano. Nesse sentido, Singer (1987, p. 100) salienta que: “[...] a cidade desempenhava um papel estratégico não apenas na manutenção do sistema de exploração, mas também na repartição do excedente. A parte da soma era coletada por um sistema fiscal de base urbana”.

Naquela época, com o advento da exploração da monocultura do açúcar, a recente colônia incorporou uma nova função econômica para a metrópole, iniciando-se a formação do Setor de Mercado Externo (SME) da economia colonial brasileira. Assim, São Vicente (no Sul), e Olinda/Recife e Salvador (no Nordeste), passaram a polos de penetração no interior (SINGER, 1987).

No séc. XVIII, havia no centro do sistema econômico internacional, uma procura por certos produtos como o cacau, algodão, tabaco e couro, produzidos e exportados em larga escala pelo País, para atender necessidades de outros povos. Com isso, promoveu-se uma conjuntura de prosperidade.

A partir do comércio estabelecido, por meio do excedente vendido, o setor de subsistência passa a reter renda, propiciando o crescimento de um mercado interno, que com a ampliação do

SME, mostrou à metrópole que a colônia seria tanto ponto de saída quanto ponto de entrada de mercadorias, visando o consumo pelas classes abastadas que faziam parte do processo de compra e venda de bens exportados, bem como daqueles existentes na circulação interna. Assim, novos contornos foram incorporados pela política do exclusivismo metropolitano. Esse contexto apontou para a ideia de que as colônias passariam a ser pontos de consumo.

Dessa forma, ficaram mais fortes as estruturas urbanas presentes nos entrepostos comerciais, os quais eram vistos como polos de comercialização de mercadorias variadas, como Buenos Aires (Argentina), Caracas (Venezuela), Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Luís, no Brasil. As cidades brasileiras com maior expressividade eram as portuárias. Em relação a esse contexto, Singer (1974, p. 199) ressalta que:

Na Economia Colonial, a economia de mercado é representada, sobretudo, pelo SME, o que significa que as unidades produtivas locais se ligam a um mercado que se encontra além-fronteiras e além-mar. Era natural, portanto, que os portos marítimos, sobretudo, viessem a desempenhar o papel de centros econômicos das áreas produtoras de artigos coloniais. Foram estes os casos de Recife, Salvador e outras cidades portuárias.

Esse autor acrescenta que: “No fim do século XVIII e começo do XIX, a ordem de importância das cidades portuárias brasileiras era a seguinte: Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Luís [...]”. (SINGER, 1974, p. 57). Posteriormente, o comércio exportador/importador tomou fôlego e passou a desempenhar uma atividade de maior expressão lucrativa, ao se comparar com a própria lavoura.

A sociedade ligada ao comércio reside e enriquece na cidade, local de concentração e acumulação de capitais. A estrutura urbana das cidades, sob a influência do crescimento do setor comercial, moderniza-se, tornando atraente a vida para as classes sociais dos Senhores de Terra, e vários deles se transformaram em Senhores do Comércio.

No tocante a esse cenário, Singer (1987, p. 105) comenta que:

[...] o caráter cada vez mais comercial, que certas cidades vinham adquirindo na América Latina, entrava em contradição com seu caráter de cidade da conquista, isto é, de prolongamento instrumental de um poder metropolitano que se tornava cada vez mais externo até ficar estrangeiro. [...] à cidade da conquista cabia exportar sem contrapartida o máximo possível do excedente colonial, ao passo que à cidade comercial convinha vendê-lo pelo melhor preço, maximizando o retorno. Desta maneira, a cidade comercial se faz porta-voz de todos os interesses que almejavam transformar o excedente comercializável em excedente comercial e, em aliança com eles, enfrentou e venceu a cidade da conquista.

O predomínio da cidade em relação ao campo significou, no Brasil, um maior sentimento de identidade de um País, de um patriotismo, visto que alguns movimentos separatistas encontraram, na cidade, corrente de sustentação. No séc. XVIII, a Inconfidência Mineira, a Revolução Pernambucana de 1817, bem como alguns movimentos no Rio de Janeiro, tiveram um caráter de domínio sobre certos crescimentos sociais e políticos adversos à unificação nacional do pós-independência.

Entretanto, quanto ao Maranhão, São Luís detinha representatividade de uma nacionalidade ascendente. Um ano após a proclamação da independência do País, essa terra “timbira7” passou a considerar-se como brasileira. O comércio ludovicense possuía fortes raízes no Reino Português, uma vez que os comerciantes locais, nos primeiros anos do séc. XIX, época em que se consolidou a cidade comercial como brasileira, eram em maioria portugueses (GAIOSO, 1970).

Nesse sentido, houve quem escrevesse o seguinte: “[...] a capital foi a cidade dos comerciantes portugueses” (LOPES, 1970, p. 104). Assim, na primeira metade do séc. XIX, São Luís já exercia, com maior força, as funções básicas: política e comercial. Essa funcionalidade assegurou o seu controle sobre o campo e, naquele momento, a cidade não era produtiva, pois, via controle do processo de circulação, tomava conta do excedente econômico existente no campo.

Na segunda metade do séc. XIX, a situação do SME latino-americano obtém um novo impulso, levando ao restabelecimento da capacidade de importação, contribuindo, assim, para que as camadas sociais pudessem utilizar produtos industriais importados.

Durante a Revolução Industrial, o sistema de transporte decorrente da evolução tecnológica no campo da metalurgia adquiriu acentuada relevância. As regiões que tinham maior volume de recursos financeiros, como a da economia cafeeira, foram beneficiadas com as ferrovias que, ao tempo em que possibilitavam um trânsito mais fluído de mercadorias do campo para a cidade, levavam desta para a área rural produtos importados no contexto do mercado internacional.

As cidades de Manaus e Belém, ao Norte, foram favorecidas com a cultura da borracha. Recife e Salvador com o açúcar, que foi de grande importância no mercado mundial. Rio de Janeiro, que com o café consolidou-se como o mais importante centro urbano do País, seguindo-se

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Timbira é um indivíduo que pertence à tribo dos timbiras, indígenas que habitam o sudoeste do estado do Maranhão.

São Paulo, que deu os primeiros passos para sua firmação no séc. XX como metrópole nacional, e São Luís, que foi beneficiada com o algodão e o açúcar.

As cidades passaram a ser produtivas e industriais no momento em que os SME se tornaram mais dinâmicos, com condições de atrair capitais e força de trabalho suficientes para assegurar efetividade e retorno aos investimentos exigidos pela indústria. Sem mercado financeiro e sem os trabalhadores, que seriam usados tanto no processo produtivo com massa consumidora, obviamente não se justificaria a implantação de empresas industriais.

Durante os períodos históricos considerados decisivos, foi facilitada a continuidade do processo de substituição de importações, a exemplo do que aconteceu durante a primeira Guerra Mundial, quando apenas as cidades situadas na área de influência de produção econômica de inclusão no mercado internacional, notadamente pelo café, puderam dispor de uma urbanização mais significativa. Os centros urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro constituíram o núcleo industrial do Brasil, sendo polarizado por outras cidades de menor expressão, tais como: Belo Horizonte (no Sudeste); Porto Alegre (no Sul); Recife e Salvador (no Nordeste), as quais foram conduzidas a reboque pelos dois primeiros centros.

Quanto a essa questão, Silva (1985, p. 79) enfatiza que:

A indústria se desenvolve muito desigualmente nas diferentes regiões do Brasil; desde o começo ela tende a concentrar-se na região do café. Na área acima delimitada (Distrito Federal - Rio de Janeiro e São Paulo) concentram-se 61% do valor da produção industrial em 1907 e 65% em 1920. É sobretudo no antigo Distrito Federal (a cidade do Rio de Janeiro e sua periferia) e no Estado de São Paulo que encontramos a indústria nascente brasileira.

Esse autor esclarece que a cidade comercial, no âmbito latino-americano, de forma abrangente, e, mais especificamente no brasileiro, somente se transformou em cidade industrial com poder polarizador nas áreas em que foi possível o estabelecimento de um mercado interno, que possibilitasse uma taxa de retorno justificável e, ainda, que potencializasse a substituição de importações (SINGER, 1987; CASTRO, 1977).

Inicialmente, o mercado interno limitou-se aos centros urbanos, em especial, àqueles mais relevantes, assim como à sua zona de influência tributária. A partir desses centros, surgiram forças que formaram, na década de 30 do séc. XX, a rede urbana brasileira, quando se estabeleceu uma hierarquia de lugares que, paulatinamente, impuseram ao campo transformações em sua estrutura.

Ademais, o contínuo processo de migração de atividades do campo para a cidade faz com que o campo seja, de forma contínua, despojado de atividades produtivas, fazendo com que se limite a produzir bens essencialmente primários. Assim, relatou Singer (1987, p. 112):

O desenvolvimento capitalista traz em si um viés notável a favor da cidade em prejuízo do campo. Este vai sendo paulatinamente despojado de uma atividade produtiva após outra, até que nele restam unicamente as atividades primárias. Cada ramo que assim se desprende da agricultura aparece na cidade tecnologicamente revolucionado: indústria, comércio, finanças, etc. A esta migração de atividades se segue (embora nem sempre no mesmo ritmo) a migração da mão-de-obra que leva, finalmente, ao esvaziamento demográfico do campo, criando assim as condições para um desenvolvimento igualmente revolucionário das forças produtivas na agricultura.

Com base nas colocações desse autor, essa foi a realidade observada na economia agrícola do Sul-Sudeste do País, e em outros locais isolados de produção primária.