• Nenhum resultado encontrado

MODELOS DE CONSTRUÇÕES TEÓRICAS CLÁSSICAS

O primeiro modelo com foco na espacialidade da segregação residencial foi criado pelo geógrafo alemão Johann Georg Kohl, em 1841. Esse modelo aborda as cidades da Europa Continental, retratando a realidade antecedente às grandes transformações econômicas, sociais e políticas que, com a segunda metade do séc. XIX, iriam proporcionar alterações na organização espacial (BERRY, 1971). Trata-se de um modelo de cidade pré-industrial, as quais foram expostas por Gideon Sjoberg, mais de 100 anos depois (SJOBERG, 1960).

De acordo com tal modelo, a elite está situada no centro espacial, localização esta possuidora de prestígio, com a melhor infraestrutura, na qual estão situados os prédios suntuosos, monumentos, parques e os mais importantes edifícios. O Palácio do Governo também está localizado nesse espaço. Por conta das amenidades e proximidade das fontes de poder, os preços da terra são muito altos. A capacidade para pagar preços elevados, que possibilitam usufruir das vantagens da localização central e, ao mesmo tempo, expor status e poder, conduz à concentração de elite no centro da cidade. Os preços da terra reduzem-se, de modo progressivo, do centro para a periferia, o que ocasiona o decréscimo, progressivamente, do status dos moradores.

Assim, tem-se um cenário marcado pela presença de ricos no centro e pobres na periferia, como exemplifica a Figura 9.

Figura 9 - Modelo de Kohl-Sjoberg

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

Os exemplos de cidades enquadradas neste modelo são numerosos e existem em vários tipos de sociedade, daí a sua importância no decorrer do tempo e nos diversos espaços, mantendo-se sob algumas condições, sobretudo, em pequenas e médias cidades. Destacam-se, como exemplo:

 Cidades cerimoniais asiáticas como Angkor Thom, no Camboja;

 Cidades coloniais africanas, com a distinção entre "cidade branca", no centro, e “cidade negra”, na periferia;

 Moscou na última década do século XIX, com a elite residindo nas proximidades do Kremlin;

 Cidades latino-americanas, com o centro em torno da “plaza de armas” ou “praça da Matriz”. (VASCONCELOS; CORRÊA; PINTAUDI, 2016, p. 46).

Nesse padrão espacial de segregação residencial, existem implicações econômicas, sociais e políticas, tendo em vista a tendência desse modelo, na atualidade, em algumas cidades. Pois, na periferia, localizam-se os loteamentos populares, frutos originados da autoconstrução, além das favelas e precários conjuntos habitacionais, em que se aglomeram populações de baixo status. Diante das precárias condições nesses loteamentos, somam-se os custos de toda natureza para os deslocamentos do cotidiano das pessoas rumo ao trabalho. Na periferia urbana emergem os movimentos sociais, uma vez que o local os propicia. E, ainda, nessa periferia eleva-se a criminalidade e proliferam o sentimento de comunidade e grupos ligadas à Igreja.

É importante atinar que o início da ocupação da cidade de São Luís é um exemplo deste modelo, onde as classes com maior poder aquisitivo se fixaram nas mediações do centro histórico, restando às classes menos favorecidas economicamente, a ocupação da periferia.

I.2.2 Modelo de Burgess

Para um melhor entendimento deste modelo, introduziu-se o autor Friedrich Engels e sua obra de 1845 intitulada “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” (ENGELS, 1975), na qual fazia menção para as transformações ocorridas na cidade de Manchester, na Inglaterra, em que se formava uma zona residencial deteriorada ao lado do centro de negócios, sendo habitada por imigrantes. Os habitantes de elevado status se mudaram para subúrbios amenos. Esse autor previa a grande transformação que iria acontecer nas cidades inglesas, como produto da Revolução Industrial. Assim, seria estabelecida uma nova espacialidade da segregação residencial, diferente da existente na cidade pré-industrial, configurada por um modelo centro-periferia.

Após certo tempo, quando a industrialização estava difundida, Burgess, ao estudar o crescimento de Chicago (livro “O crescimento da cidade: introdução a um projeto de pesquisa” em 1925), descreveu o padrão espacial exposto por Engels. A cidade de Chicago cresceu rapidamente no primeiro quarto do séc. XX, exibindo uma espacialidade da segregação residencial, que se manifestava através de zonas concêntricas, partindo do centro da cidade. Tal crescimento

abrangia a zona sem modificação do padrão. Os imigrantes pobres ocupavam a primeira zona, nas quais residiam em antigas residências da população de status mais elevado, que se mudou para os subúrbios.

As quatro zonas concêntricas constituíram quatro coroas em torno do centro, configurando-se, de modo progressivo, pelo aumento do status social de seus habitantes. Os residentes com alto nível social residiam na última coroa, sendo esta distante do centro, como pode-se observar na Figura 10, abaixo. Tem-se, então, um modelo inverso ao anterior: o de Kohl- Sjoberg.

Figura 10 - Modelo de Burgess

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

De acordo com os economistas urbanos, a lógica desse modelo estava na substituição ou troca de atributos: os pobres trocavam acessibilidade ao mercado de trabalho no centro pelas altas densidades e habitações precárias, enquanto possuidores de alta renda residiam em área de baixas densidades e em residências confortáveis, não se preocupando com a distância ao centro, visto que possuíam condições para se mobilizarem.

O impacto da proposição de Burgess nos estudos sobre a organização interna da cidade foi enorme, particularmente no que diz respeito à segregação residencial. Alguns autores admitiram mesmo que a cidade em geral evoluiria de um padrão com a elite no centro para o padrão sugerido por Burgess, pois as evidências empíricas eram numerosas. Mas também houveram inúmeras críticas. Algumas das mais importantes foram aquelas formuladas por Harris (1994) e Lewis (1998), que argumentam que Burgess não considerou que em certos setores dos subúrbios de Chicago havia áreas pobres e que, assim, as zonas concêntricas seriam uma representação equivocada da cidade norte-americana (VASCONCELOS; CORRÊA; PINTAUDI, 2016, p. 47).

Ao pesquisar processos e formas evidentes na primeira zona de seu modelo, Burgess aprofundou o debate sobre a segregação residencial e sua dinâmica, a partir das suas evidências

empíricas. Os estudos foram relacionados à zona periférica do centro, com cortiços e habitações mal conservadas. Nessa zona foi verificada a ocupação de prédios abandonados, e procura-se reverter a obsolescência, com a finalidade de restabelecer, no mínimo, um setor de alto status através de políticas públicas, de renovação urbana, revitalização ou gentrificação6 (SMITH, 1990).

Tomando como base o foco da pesquisa (São Luís), notou-se que esse modelo também esteve presente durante o processo de crescimento da cidade de São Luís, tendo início aproximadamente na década de 70, onde as classes mais favorecidas economicamente começaram a se distanciar do centro histórico e ocupar territórios um pouco mais distantes. Nesta época, se iniciou o processo de ocupação da Ilhinha, gerando o contraste urbano com a região da Península na Ponta D’Areia.

I.2.3 Modelo de Hoyt

Em 1939, Homer Hoyt, economista e consultor urbano, fez uma publicação no contexto do Federal Housing Administration, que passou a ser um clássico na discussão sobre a espacialidade da segregação residencial (HOYT, 1958). Baseado em diversos estudos empíricos, Hoyt ressaltava que a expansão espacial da cidade e a segregação residencial surgiram ao longo de setores, e não de acordo com zonas concêntricas, como propôs o modelo anterior de Burgess em 1925.

Dentre esses setores, foram destacados aqueles dotados de amenidades naturais ou socialmente produzidas, os quais eram ocupados pelos grupos de elevado status. Esses setores se expandiram durante um determinado período de tempo, na mesma direção. A segregação residencial adotava, como assinala Hoyt (1958), uma espacialidade diferente daquela apresentada por Burgess.

Os setores de alto status social seguem eixos de circulação rápida, dotados de amenidades, sem problemas ambientais e sem barreiras. Tais setores direcionam-se para locais em que residem pessoas de poder e prestígio na cidade, mostrando, assim, tendência para acompanhar a expansão de atividades comerciais e de escritórios. A Figura 11 simplifica tal modelo.

6

Gentrificação é um processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais, onde a comunidade de baixa renda é substituída por moradores das camadas mais ricas.

Figura 11- Modelo de Hoyt

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

A expansão da cidade e da população de alto status social passa a se verificar no período da segunda metade do séc. XIX. No entanto, foi no final da Segunda Guerra Mundial, mediante a difusão massiva do automóvel, que essa expansão se tornou mais intensa.

Condomínios exclusivos, shopping centers e vias expressas constituem a tríade básica que marca a paisagem urbana e o uso da terra. As implicações dos espaços segregados de alto status são inúmeras. Apontemos, entre outras, o modo de vida de uma população que se autossegrega e a própria ampliação espacial da cidade. Há, em realidade, uma confluência entre duas escalas espaciais, a do setor de amenidades, de um lado, e de suas formas espaciais básicas, os condomínios exclusivos, os shopping centers e as vias expressas, de outro. As duas escalas balizam uma cidadela com suas muralhas simbólicas e reais, criada pelo e para grupos sociais de alto status. Para quem o Estado desempenha crucial papel, ampliando, por meio de investimentos, a renda monetária dos habitantes do setor de amenidades, transformando-a em renda real (HARVEY, 1975, p. 75).

Homer Hoyt destacou a cidade norte-americana. Entretanto, a formação de setores de amenidades surgiu nas cidades latino-americanas no final do séc. XIX, como mencionaram, além de outros estudiosos, Yujnovsky (1971) sobre as metrópoles latino-americanas, Villaça (2001) sobre as metrópoles brasileiras, e Abreu (2002) a respeito da cidade do Rio de Janeiro.

Hoyt se refere à divisão do espaço em distritos. As cidades são divididas em partes: áreas afluentes, áreas gentrificadas, bairros da classe trabalhadora e áreas abandonadas. Podemos perceber essa divisão em setores na cidade de São Luís atual, onde a população mais favorecida economicamente possui eixos de circulação rápida para setores comerciais e residenciais mais afastados. Um exemplo na cidade, são os moradores da Península na Ponta D’Areia, onde possuem fácil acesso ao centro histórico da cidade. No outro sentido da cidade, esse mesmo morador, pode ter acesso à condomínios residenciais fechados e afastados de alto luxo (por exemplo: Alphaville Damha) em uma via rápida sem barreiras.