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SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL E CLASSES SOCIAIS

No âmbito da Ecologia Humana5, a segregação foi associada à etnia. As classes sociais, de qualquer definição, não estavam inclusas nas proposições teóricas desta área. A segregação residencial sugere um processo no qual as classes sociais e suas frações são consideradas o conteúdo essencial, porém, não exclusivo das áreas segregadas, sendo esta tese aceita por Udry (1964), Harvey (1975) e Harris (1984). Para Harris (1984, p. 26):

A segregação das classes é um aspecto distintivo da cidade capitalista [...]. Historicamente [...] apareceu em sua forma atual somente [com] a separação entre lugar de trabalho e residência, criando as condições para o desenvolvimento de um específico mercado de habitação [que] se tornou o mecanismo pelo qual as relações de classe no novo sistema de produção industrial fosse refletido no espaço residencial urbano.

Considerando-se que as classes sociais e suas frações expressam o conteúdo essencial das áreas segregadas, surge a questão em relação à definição de classe social, uma vez que abrange visões diferenciadas e antagônicas. Harris (1984, p. 28) assinala que as classes sociais podem ser concebidas como “fenômenos históricos que emergem por meio de conflitos e antagonismos mútuos [...] mais significativamente em termos de sua posição no processo produtivo”, o que determina a forma de consciência e a atividade política.

A tese da Ecologia Humana, proposta por Robert Park (PARK; BURGESS, 1921) e seus discípulos, na qual relatava que a diferenciação residencial é fruto da renda, ou seja, indivíduos semelhantes em relação ao salário e ao padrão cultural teriam uma tendência a residirem próximos, foi rejeitada por Harvey (1975). Este autor argumenta tal afirmação, uma vez que não se tem certeza se realmente os indivíduos são análogos por residirem próximos, ou se essas situações ocorrem por serem semelhantes.

A segregação residencial da cidade surge da localização diferenciada no espaço urbano das distintas classes sociais e seus fragmentos. Assim, quanto mais intensa a fragmentação social, mais complexa será a segregação e a existência de contrastes urbanos, sobretudo, na metrópole.

Para Vasconcelos, Corrêa e Pintaudi (2016, p. 42-43), a segregação residencial apresenta- se, especialmente, significando:

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O ramo científico da ecologia humana tem como objeto de estudo a relação do ser humano com o seu ambiente natural.

I - de imediato, o acesso diferenciado aos recursos da vida, sobretudo aqueles recursos escassos, que tendem a ser encontrados em áreas onde vive uma população de renda mais elevada e dotada de maior poder político para criar ou pressionar a criação de condições mais favoráveis para existência e reprodução. Harvey (1975) refere-se à renda real, isto é, renda monetária acrescida dos benefícios derivados de investimentos públicos e privados, criando aquelas condições mais favoráveis para a vida;

II - a existência de unidades espaciais favoráveis à interação social, a partir da qual, e dada a homogeneidade social de cada unidade, os indivíduos elaboram valores, expectativas e hábitos e se preparam para, como adultos, ingressar no mercado de trabalho, desenvolvendo ainda um dado estado de consciência nesse contexto de homogeneidade social, mais nítida nos extremos sociais e menos no âmbito da classe média. Criam-se condições de existência e reprodução diferenciada, particularmente em áreas marcadas por relativa estabilidade de seu conteúdo social (HARVEY, 1975, p. 89).

De acordo com Lojkine (1997), há três categorias de segregação: autossegregação, segregação imposta e induzida.

A segregação residencial pode ser entendida, de um lado, como autossegregação. Normalmente, representa uma política de classe, gerando esse tipo de divisão associada à elite e às camadas superiores da classe média, com elevada renda monetária. Existem condições de reprodução de tais grupos através da escolha das melhores localizações no espaço urbano, visando torná-las exclusivas por conta dos altos preços da terra urbana e de suas confortáveis e amplas moradias, com segurança aos seus habitantes, o que amplia o status e prestígio dos quais são possuidores. Diante desse contexto, tem-se, então, uma política de classe que favorece o espaço com mais ingredientes relevantes, ou seja, áreas consideradas nobres, criadas por um grupo de elevado status social para ele próprio.

Autossegregação significa, por parte de membros do grupo de elevado status, controle maior ou menor do aparelho estatal, das principais atividades econômicas, das melhores terras urbanizáveis e de empresas imobiliárias, como também acesso às informações sobre a cidade e sua dinâmica, existência de uma forte rede social de amigos e parentes com os mesmos interesses. Este grupo detém condições para influenciar normas e leis com exclusividade sobre o uso do solo, estabelecendo situações que impedem a presença de outros grupos sociais na localidade, por exemplo, os grupos “subalternos”.

A segregação residencial das classes subalternas decorre, também, de uma política de classe oriunda daqueles que têm poder e controlam distintos meios de produção. Essa segregação imposta é fácil de ser distinguida das demais, pois ela envolve aqueles residentes em local determinado, sem possibilidades de escolha do lugar ou do modelo habitacional. Geralmente,

nesta situação, residem em locais distantes de seus postos de trabalhos e, em muitos casos, em conjuntos habitacionais fora do limite da cidade. Já a segregação induzida acontece quando podem fazer algumas escolhas, todavia, situadas dentro de limites definidos pelo preço da terra e dos imóveis.

A política de classe geradora da segregação imposta e induzida, efetiva-se de forma explícita. Os grupos de indivíduos, quando se estabelecem em determinado espaço urbano, a sua saída do local ocupado se torna muito difícil, e a expulsão à força constitui o que se denomina uma “limpeza social” (VASCONCELOS; CORRÊA; PINTAUDI, 2016). Esta política de “limpeza social” tem como base a legislação que trata das regras urbanísticas e da tributação diferenciada no espaço humano, bem como por obras públicas distintas direcionadas para os diferentes grupos sociais. O controle da terra urbana, em especial, aquela localizada na periferia, propicia explícitas políticas de segregação impostas ou induzidas.

A existência de condomínios exclusivos e ruas protegidas, com amplas e confortáveis moradias localizadas em ambiente asseado, seguro e com abundância em vegetação, são elementos que estão inclusos na paisagem das áreas autossegregadas.

Favelas, cortiços, precárias moradias construídas no sistema de autoconstrução e conjuntos habitacionais, muitos dos quais recentes e já deteriorados, localizados, sobretudo, na periferia ou em áreas de risco ou já caracterizadas pela obsolescência, com precária ou nenhuma infraestrutura urbana, sujas e inseguras, compõem a paisagem das áreas de segregação imposta. As áreas de segregação induzida, por outro lado, apresentam ampla variação no que diz respeito à qualidade da habitação e do ambiente. Nessas áreas o grau de homogeneidade social é menor do que aquele das áreas de autossegregação e de segregação imposta (VASCONCELOS; CORRÊA; PINTAUDI, 2016, p. 44).

A espacialidade constitui um atributo da ação da natureza, bem como da ação humana, manifestando-se, inicialmente, através da diferenciação espacial de processos e formas naturais e socialmente produzidos. Enquanto processo, a segregação residencial mostra uma complexa espacialidade aliada à presença e reprodução dos vários grupos sociais que vivem na cidade.

Tal processo expõe-se através de cada área em que se concentra um grupo social possuidor de relativa homogeneidade, que viabiliza a existência e reprodução de cada grupo, em particular. De outro lado, estão presentes as áreas segregadas segundo uma lógica espacial variável, que as cadastra no espaço urbano, ocasionando padrões espaciais de segregação residencial ou modelos.

As considerações feitas à espacialidade da segregação residencial foram baseadas em três modelos, os quais constituem elaborações teóricas clássicas na esfera do planejamento urbano, da história, sociologia e geografia. O primeiro modelo elaborou-se em 1841, por Johann Georg Kohl (BERRY, 1971), o segundo em 1925, por Ernest Watson Burgess, e o terceiro em 1939, por Homer Hoyt. É importante o conhecimento destes modelos para o melhor entendimento das origens e fatores condicionantes para os contrastes urbanos.

I.2 MODELOS DE CONSTRUÇÕES TEÓRICAS CLÁSSICAS