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3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

3.1 Breve histórico sobre a Teoria das Representações Sociais

No ano de 1961, na França, foi publicado o primeiro estudo realizado por Moscovici sobre o conceito das RS, denominado La Psicanalyse: son image et son public. Quinze anos depois, em 1976, esse texto foi reformulado e, desde então, se constitui em uma edição de referência para pesquisadores interessados em se aprofundar nesse campo teórico (MOSCOVICI, 2009).

Segundo Jesuíno (2011), as edições evidenciam congruência nas suas linhas fundamentais, embora também apresentem diferenciações que, por ventura, podem representar uma evolução nas ideias do autor, bem como eventuais repercussões na teoria, interpretadas como considerações plausíveis e relevantes, tendo em vista a necessidade de se enriquecer e consolidar as diversas linhas já fundamentadas, a partir das discussões suscitadas e dos enigmas com que se vê confrontada.

Em La Psicanalyse: son image et son public, Moscovici apresenta, por intermédio da análise de questionários, entrevistas e artigos de jornais, os resultados de uma pesquisa realizada na França sobre as RS que circulavam naquela sociedade da década de 50. Vale salientar que ele não tinha nenhum interesse em validar conhecimentos da teoria psicanalítica,

mas investigar como um conhecimento científico é difundido, por meio dos processos comunicativos, e se transforma em um conhecimento produzido pelo senso comum, isto é, compartilhado por um grupo específico de sujeitos (DOISE, 2011; MOSCOVICI, 2009).

Assim, percebeu que não havia apenas uma psicanálise, e sim várias representações dela, que se mostravam de modo bastante distinto da maneira como essa própria teoria se vê e se define. Para Cruz (2006, p. 115): “Nas RS acontece um movimento próprio em que o sujeito processa, novamente, as informações que lhe chegam metabolizando o que recebe e devolvendo ao social, em um processo dinâmico e continuado”.

O conhecimento, portanto, não era absorvido de forma passiva pelos sujeitos, pois estes introduziam novos conteúdos (familiares), adaptando aqueles elaborados no universo reificado à sua realidade social, com o objetivo de se relacionar com as novas informações e interagir socialmente. Assim, a apropriação de um saber novo pela esfera pública, ocasionada pelo conflito de ideias e grupos, produz o nascimento de uma nova representação, ou seja, uma teoria leiga sobre determinados objetos sociais (MOSCOVICI, 2009).

Segundo Santos (2005), tal teoria do senso comum, a TRS, é, portanto, um modelo teórico que possui a finalidade de compreender e explicar a construção desses conhecimentos leigos, isto é, o fenômeno das RS. Entretanto, há de se considerar que nem todos os conhecimentos do senso comum são denominados RS. Para que eles sejam caracterizados como tais, devem se apresentar como um objeto de relevância cultural para o grupo, que seja também polissêmico, polimorfo, o que lhe confere distintos sentidos nos diversos contextos socioculturais no qual está inserido e é construído. Assim, as RS se constituem em um “[...] meio pelo qual os seres humanos representam objetos de seu mundo” (LALHOU, 2011, p. 66).

Desta forma, a TRS contribuiu à necessidade dos pesquisadores em romper com a ausência de demarcação histórica predominante nos estudos em Psicologia Social da época, tendo em vista a proposta de Moscovici de desnaturalização dos objetos sociais, haja vista a sua ênfase à dimensão de construção humana, histórica e cultural (ALMEIDA; SANTOS; TRINDADE, 2011).

Alba (2011) faz alusão a alguns aspectos relevantes que fizeram com que a TRS obtivesse grande impacto nas últimas décadas, quais sejam: a abordagem dos fenômenos psicossociais em seu contexto social e histórico; o embasamento teórico-metodológico proposto por Moscovici, que dá conta da complexidade do fenômeno estudado; o sujeito como ator social, que constrói ativamente a sua realidade a partir do contexto sociocultural no

qual se encontra inserido; e o dinamismo das RS, o qual permite uma análise circunstanciada dos processos psicossociais.

No caso da Psicologia Social, a TRS, desde o seu surgimento, causou polêmica devido aos conceitos por ela propostos, bem como aos procedimentos metodológicos adotados pelos pesquisadores para a apreensão do senso comum. Destacamos, aqui, a relação sujeito-objeto e a identidade polissêmica dos objetos sociais diante dos diferentes grupos, bem como a interface desta teoria com outras ciências, tanto na área de humanas, quanto nos campos da saúde, educação e serviço social (SANTOS, 2005).

Moscovici propõe, em seu estudo La Psicanalyse: son image et son public, uma releitura da obra de Durkheim, estabelecendo um novo paradigma para a Psicologia Social, bem como para as ciências humanas e sociais de forma geral. O conceito de representações coletivas (RC) é revisto, na medida em que Moscovici estabelece que não apenas o sujeito pensa e constrói a sua realidade, mas também a sociedade o faz, em conjunto, na medida em que suas produções são realizadas de maneira coletiva.

As RC, consideradas por Durkheim, se apresentam aos sujeitos sociais como fenômenos sociais exteriores, independentes dos indivíduos e anteriores a eles, como a ciência, o mito e a religião, por exemplo. Moscovici, por sua vez, utilizou-se do termo RS para fazer alusão às RC, mediante a necessidade que sentia em dar ênfase à qualidade dinâmica das representações, todavia, opõe-se ao caráter fixo ou estático verificado na teoria durkheiniana (ALBA, 2011; MOSCOVICI, 2009).

Tal denominação pareceu, a Moscovici, mais apropriada ao contexto das sociedades modernas, caracterizadas por seu pluralismo e pela velocidade com que as mudanças econômicas, políticas e culturais ocorrem. Assim, ele confere dinamismo ao fenômeno das RS, na medida em que tanto os sujeitos ressignificam as influências de contextos diferentes, quanto as RS não são homogêneas para todos os membros da sociedade, nem dentro de um grupo em particular.

Cruz (2006) se refere à TRS como reveladora da dinâmica do real, na medida em que esta faz alusão à necessidade de refletir a respeito dos objetos sociais estarem diretamente relacionados à interação e vida social dos sujeitos. Não há, portanto, como conceber os objetos sociais sem que tal interação seja levada em conta. Ou seja: os objetos sociais apresentam um sentido muito mais amplo do que simples imagens desprovidas de função e representadas por uma dinâmica reprodutivista e passiva da realidade. Assim,

O fenômeno das representações está, por isso, ligado aos processos sociais implicados com diferenças na sociedade. E é para dar uma explicação dessa ligação que Moscovici sugeriu que as representações sociais são a forma de criação coletiva, em condições de modernidade, uma formulação implicando que, sob outras condições de vida social, a forma de criação coletiva pode também ser diferente (MOSCOVICI, 2009, p. 16).

As RS referem-se a um conjunto de crenças, pensamentos, opiniões e ideais, denominado senso comum, que nos permite fazer referências a dado objeto. Elas se constituem, portanto, em pontos de encontro do psicológico com o social, pois é a partir das experiências, dos conhecimentos, das informações e dos modelos de pensamentos transmitidos no dia a dia, por meio da tradição, educação e comunicação social, que elas se organizam.

A mídia também tem grande relevância nesse sentido, tendo em vista o poder que exerce sobre as atitudes e as formas de pensar das pessoas em geral. No mundo ocidental, diante do sistema de comunicação que mais atinge a população, a televisão, com imagens e apelos, repassa suas “verdades”, muitas vezes contaminadas por interesses de grupos, na tentativa de difundir e homogeneizar certas ideias. Para Moscovici (op. cit., p. 41):

[...] pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação e da cooperação. Representações, obviamente, não são criadas por um indivíduo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem.

A comunicação é um aspecto muito importante na TRS, pois é por meio dela que os grupos interagem, oportunizando as trocas entre os indivíduos e, o consequente compartilhamento de conhecimentos acerca dos objetos sociais. As RS são, portanto, geradas nos processos comunicativos, e expressas pela linguagem, o que torna evidente a visão das RS como resultantes da interação social, que envolvem um processo de adesão e participação na dinâmica social.

Os fenômenos na sociedade são, assim, processados nos grupos em particular, e nas influências desses, na medida em que “[...] o homem se expressa na comunicação e na conduta, e as respostas que encontra a essa expressão vão transformando sutilmente a sua própria representação” (MADEIRA, 1991, p. 140).

Nesse sentido, a TRS busca compreender como determinado grupo constrói um conjunto de saberes que são hierarquizados e influenciam suas condutas e práticas sociais, afinal, faz-se necessário não somente conhecer o conteúdo de uma representação, mas tentar

explicar como as pessoas pensam; o porquê deste pensamento; e ainda a forma que ele se organiza e estrutura (ALMEIDA, 2005). No item seguinte, abordaremos como ocorrem os processos de construção das RS.