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1 PSICOLOGIA E PRÁTICAS ESPORTIVAS

1.5 Cultura corporal, esporte de alto rendimento e gênero

Uma investigação respaldada nas diferenciações de gênero parece pertinente, pois possibilita vivências também distintas de aprendizados e experiências de vida, segundo o contexto sócio-cultural do qual os sujeitos fazem parte.

Como sabemos, a socialização e as relações de gênero são processos absolutamente fundamentais para definir quem nós somos, para a construção da identidade, para a determinação do que podemos ou não pensar, do que podemos ou não fazer, do “como agimos” e do “por que agimos”. Desde as maneiras de vestir, de falar, passando pelos trejeitos corporais, as formas de andar, de comer, de se portar, chegando aos modos mais amplos de como amamos, estudamos e trabalhamos, tudo isso é fortemente marcado pelo fato de sermos homens ou mulheres. Tudo isso depende de como a masculinidade e a feminilidade são construídas socialmente e a apreensão singular dessas construções (TRINDADE; SOUZA, 2009, p. 238).

As relações de gênero implicam, portanto, na aceitação de que a masculinidade e feminilidade ultrapassam a questão da anatomia sexual, incorporando normas e valores que referenciam como um homem e uma mulher devem ser e agir, ou seja, o que a sociedade na qual estão inseridos os autoriza a fazer. Nesse sentido, configura-se a permanente interdependência entre o biológico e o psicossocial em cada cultura específica, o que torna as categorias de gênero (feminino e masculino) continuamente reconstruídas pelas pessoas em suas interações. Consequentemente, há uma ressignificação também dos valores, papéis, atribuições e normas de interação entre os sexos (PINHEIRO V., 2001; DINIZ, 1999; TRAVERSO-YÉPEZ; PINHEIRO V., 2005).

1 Juramento é um compromisso, afirmação ou promessa solene, pronunciado em público. Desde os Jogos Olímpicos de Antuérpia, em 1920, um atleta faz o juramento olímpico em nome de todos os participantes, durante a cerimônia de abertura (COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO, 2010).

Segundo Rúbio (2001), as mulheres não participavam das Olimpíadas da Antiguidade, nem tampouco da Era Moderna, apesar deste último período ser caracterizado também pela luta feminina por seus direitos, o que corrobora com a ideia de Galinkin e Ismael (2011, p. 522), de que “[...] desde os primórdios, afirmou-se o status diferenciado para homens e mulheres [...]”. A competição, o culto ao corpo e a prática de atividades físicas eram consideradas como possibilidades do universo masculino, relacionadas ao exercício do poder, coragem, virilidade e força (RÚBIO; SIMÕES, 1999). O papel da mulher estava limitado à premiação dos vencedores, o que demonstra a visão machista e preconceituosa daquela época, isto é, o tradicional estereótipo masculino-dominante e feminino-subalterno:

Uma vez que gênero é apreendido, transmitido ao longo das gerações e incorporado pelas diversas instituições sociais, esse aprendizado resulta em estilos, orientações e experiências distintas do mundo para homens e mulheres. A existência dessas duas posições impacta todos os aspectos da vida, tanto no nível individual – o funcionamento psicológico, o desenvolvimento físico, emocional, moral e as relações interpessoais – como no nível social, influenciando atitudes em relação às diversas esferas da vida cotidiana, às demandas que delas se originam e, consequentemente, às ações político-sociais que são implementadas para responder a essas demandas (DINIZ, 1999, p. 183).

As determinações de gênero configuram, portanto, contextos de interação específicos, e tem repercussão nos processos de subjetivação, circunscrevendo possibilidades e limitações (TRAVERSO-YÉPEZ; PINHEIRO V., 2005). Vale salientar que a participação das mulheres nas Olimpíadas de 1896, de fato, não aconteceu, entretanto, em 1900, Paris se tornou palco da primeira competição esportiva feminina, embora elas obtivessem o direito de participar de apenas duas modalidades: golfe e tênis, consideradas práticas esportivas que denotavam beleza estética e impossibilidade de confronto físico entre seus participantes.

Gradualmente, as mulheres se inseriram em mais modalidades e, assim, foram aceitas nos eventos esportivos de forma plena, contribuindo também à realização destes espetáculos. Entretanto, mesmo com todos os avanços conquistados por elas no campo esportivo, bem como no mundo profissional, percebe-se a diferenciação de tratamento nos prêmios e privilégios oferecidos, normalmente maiores, aos atletas masculinos (RÚBIO, 2001).

Nota-se que as questões culturais circunscrevem as práticas sociais e vice versa. Deste modo, referencia-se a mulher como sexo frágil, bem como se atribui ao homem adjetivos de ser forte e viril, desde a origem dos Jogos Olímpicos à sua evolução para os dias de hoje.

Vale salientar, ainda, a existência de dois esportes olímpicos praticados apenas pelo feminino: o nado sincronizado e a ginástica rítmica. Tais modalidades parecem relacionar a

beleza, graciosidade e delicadeza dos movimentos harmônicos à aparência tipificada do corpo feminino, embora as atletas também necessitem de muita força física e resistência para realizá-los. Já os homens, considerados fortes por “natureza”, são impedidos de praticá-los devido ao conjunto de adjetivos que representam o mundo masculino e que, certamente, se difere do feminino. Nesta perspectiva,

Para participar de esportes meninos têm que ser tradicionalmente masculinos, ou seja, fortes, impetuosos e agressivos. A possibilidade da mulher fazer parte desse mundo esportivo é menor, afinal, esporte nunca teve como finalidade tornar a mulher mais feminina (RÚBIO; SIMÕES, 1999, p. 55).

Percebemos, aqui, uma contradição entre o que é culturalmente reforçado pelo senso comum sobre o corpo feminino e a realidade da maioria das atletas do esporte de alto rendimento. Para estas, certamente, é aceita a condição de possuir um corpo “masculinizado”, ou seja, constituído por músculos volumosos e definidos, em prol da modalidade que pratica, bem como reforçada pelo desejo de ascensão no esporte de alto rendimento. Nesta direção,

Ainda que pareça óbvio afirmar que o corpo feminino se constrói de maneira diferente do corpo masculino, essa construção se dá reproduzindo valores e padrões adquiridos na convivência social. Vale lembrar que há uma enorme variação desses padrões de sociedade para sociedade num mesmo momento histórico, ou num mesmo grupo social ao longo de um período de tempo (RÚBIO; SIMÕES, op. cit., p. 53).

Verificamos, portanto, que o ideal de corpo atlético sugere particularidades bem evidentes relacionadas ao gênero, tendo em vista que o excesso de treinamentos modela o corpo feminino de modo que, muitas vezes, opõe-se ao ideal de beleza consentido pela sociedade, enquanto que determinadas modalidades esportivas não permitem a inserção de homens devido ao seu corpo masculinizado e “grosseiro”. Entretanto, sentidos compartilhados pelos atletas de forma geral parecem justificar e valorizar o corpo, de fato “construído” por meio do esporte de alto rendimento, diferenciando-os também dos demais.

Tais variações recebem influência do cenário predominante no contexto sócio histórico e, em particular, focaremos o cenário na atualidade.