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5 ANÁLISE DOS DADOS

5.5 Resultados e discussão

5.5.4 Expressão indutora: derrota

As palavras associadas à expressão indutora derrota revelaram três dimensões: a dimensão afetivo-emocional, a dimensão técnica e a dimensão pessoal e motivacional, conforme pode ser verificado na Tabela 12.

A dimensão afetivo-emocional apresentou um grande quantitativo de respostas, categorizadas pelos eixos temáticos tristeza, decepção e raiva. Tal constatação nos faz pensar acerca da relevância da derrota na vida dos atletas-adolescentes, que atribuem para tal experiência sentimentos negativados, revelados no choro e infelicidade.

A frustração e o desapontamento se apresentam como a insatisfação dos próprios atletas-adolescentes com os seus resultados, considerados por eles como experiências de fracasso, e expressam as altas expectativas projetadas. Fica clara, ainda, a responsabilidade que eles têm sobre os seus desempenhos, bem como o alto grau de cobrança pessoal, na medida em que experimentam a derrota como uma vivência particular e um momento de vergonha e fraqueza. A culpa é uma ancoragem que apresenta uma dimensão simbólica extremamente forte, a religiosidade, no sentido dos atletas-adolescentes se penitenciarem como quase uma pena que eles precisam cumprir por agradar ou não os pais. Assim, simbolicamente, a derrota significa aos sujeitos uma penalização diante da idealização de

filho, que precisaria premiar os seus pais, o que não ocorre quando o objetivo da vitória não é atingido, e ele tem de lidar com a derrota.

Tabela 12: Campo Semântico das palavras associadas a expressão indutora derrota.

Categorias Temáticas Palavras Associadas Frequência

Dimensão Afetivo- emocional

Tristeza Tristeza, insatisfação, infelicidade,

frustração, choro, desânimo, desilusão, desgosto.

97

Decepção Decepção, fraqueza, vergonha,

desapontada, humilhação, fraquejo, desonra, fracasso, angústia, crise,

inquietação, aflição, desespero.

43

Raiva Raiva, chateação, culpa, ódio, mágoa,

ressentimento, irritada, estresse, rancor, indignação.

34

Dimensão Técnica

Superação Superação, melhorar, treinar mais,

determinação, esforço, persistência, coragem, motivação, vontade de ganhar,

esperança, vontade de treinar, estímulo, positividade, mais empenho, lutar, avanço, força, mais raça, mais dedicação,

incentivo, garra, vontade de continuar, evoluir, ânimo, não desistir, transformar

em vitória, nova tentativa, revanche, recuperação, partir para próxima, reprogramar estratégias, tentar consertar,

recomeço.

77

Falta de Concentração

Falta de concentração, falta de esforço, não comprometimento, falta de garra, falta de vontade, falta de atenção, sem

paciência, falta de objetivos, sem coragem, sem empenho, falta de estímulo,

falta de disciplina, falta de determinação, falta de dedicação, falta de disposição,

desinteresse, displicência

27

Dimensão Pessoal e Motivacional

Aprendizado Aprendizado, experiência, conformar,

aceitar, crescimento, acontece com todos, compreender, entender, cooperação, saber

lidar, reflexão.

28

Na dimensão técnica, percebemos a tentativa dos atletas-adolescentes em justificar os seus resultados, como se a existência de diversos atributos garantissem o sucesso no esporte de alto rendimento. Por outro lado, a inexistência destes preveem experiências de derrota. Nesse caso, nos referimos aos aspectos que representam como um atleta não deve ser ou agir que, por sua vez, se opõem às características do perfil de um atleta idealizado como marcador de vitórias. A questão aqui se refere ao merecimento dos atletas-adolescentes

mediante a falta de concentração, falta de esforço, falta de disciplina, displicência e o não comprometimento em suas atividades.

Ao mesmo tempo em que eles admitem ter falhado na busca pela vitória, a derrota os mobiliza a prosseguir. Para isso, encaram essa experiência por um viés de superação, em que é necessário melhorar, treinar mais, bem como ter determinação, persistência e coragem para continuar e lutar pela conquista de resultados diferentes. Assim, a nova tentativa aparece como outra oportunidade para os atletas-adolescentes, em que é possível reprogramar estratégias e tentar consertar erros passados, numa espécie de recomeço.

A dimensão pessoal e motivacional evidencia a derrota com um sentido de positividade forte, mediante a percepção dos atletas-adolescentes de que esta é uma das condições impostas pelo esporte de alto rendimento: alguém tem que perder. Entretanto, mesmo com o desalento, a reflexão sobre a derrota mostra que é necessário aceitar, compreender e saber lidar com ela para, assim, adquirir mais experiência à prática competitiva e favorecer o crescimento e o aprendizado não apenas para o contexto esportivo, mas para a vida, repleta de vitórias/derrotas, da mesma maneira como acontece nas situações desportivas.

Os resultados apresentados na Tabela 13 demonstram que, a partir de um total de 444 evocações realizadas pelos atletas-adolescentes, 176 palavras são diferentes, sugerindo que eles vivenciam a derrota com sentimentos negativados, como a tristeza e a raiva, tendo em vista a não concretização do objetivo pretendido, no caso, a vitória. Desse modo, os atletas- adolescentes demonstram ainda decepção e insatisfação com as suas performances, nas quais projetaram tantas expectativas.

Na periferia mais próxima ao núcleo central, o aprendizado e a superação aparecem como os elementos mais importantes, revelando um sentido de positividade existente também nas experiências de fracasso. O esporte de alto rendimento se mostra, portanto, como um meio que possibilita aos seus atletas-adolescentes comportamentos resilientes atrelados às suas práticas, afinal, a partir de uma derrota, eles experimentam sentimentos negativos sem sucumbir a eles, isto é, sofrem, mas também aprendem que esta é uma das possibilidades de uma competição e, por isso, deve ser superada. Superar, aqui, significa ultrapassar esse acontecimento, tirando dele algum proveito e aprendizados.

A segunda periferia e os elementos contrastantes mostram-se bastante condizentes com o núcleo central, tendo em vista a presença de sentimentos negativados, vivenciados por ocasião da derrota, como: frustração, incapacidade, infelicidade. Além disso, o sentido de superação também aparece, nas palavras associadas: melhorar, experiência e treinar mais.

Vale salientar que os elementos contrastantes existem na configuração das RS de vitória/derrota, entretanto, eles não mostram sentidos contraditórios ao núcleo central, por estas palavras formarem uma díade, que implica na ideia de inclusão e exclusão.

Tabela 13: Representações Sociais de derrota, em função da frequência e ordem de importância.

RS de Derrota Palavras Frequência Ordem de Importância

Núcleo Central Tristeza

Raiva Decepção Insatisfação 58 28 15 13 2,55 2,50 2,60 1,85

Primeira Periferia Aprendizado

Superação Fracasso 13 12 9 2,85 3,78 3,00

Elementos Contrastantes Melhorar

Frustração Incapacidade Treinar mais Falta de concentração Aumentar tempos Ruim Experiência Nervosismo 8 7 6 6 5 5 5 4 4 2,62 2,00 2,33 2,33 1,80 2,00 2,40 1,50 2,25

Segunda Periferia Infelicidade

Choro Fraqueza Perder Angústia 8 8 6 6 5 3,12 3,87 3,17 3,17 3,40

 Número total de evocações: 444

 Número total de palavras diferentes: 176

O quantitativo de 444 evocações realizadas por atletas-adolescentes do sexo feminino e masculino, a partir da expressão indutora derrota, apresenta um número específico de 201 palavras evocadas apenas por meninas, e 243, por meninos.

Uma quantidade representativa das respostas que as meninas evocaram a partir do termo indutor derrota faz alusão às condições causadoras da derrota. São elas: falta de confiança, falta de coragem e falta de objetivos que, por sua vez, revelam o impacto de fatores psicológicos e emocionais, relacionados à insegurança, sobre as suas performances e resultados.

Nas associações realizadas pelos sujeitos do sexo masculino, o sentimento de capacidade, mesmo em situações de derrota, se faz presente em: não dei meu máximo, poderia ter dado mais de mim, poderia ter feito melhor, expressões estas que parecem indicar expectativas diferentes para os seus desempenhos e que nos levam a crer que, caso eles

tivessem executado suas atividades como previam, seriam consagrados como vitoriosos. Tais vivências, certamente, exercerão influências em suas próximas atuações competitivas, pois revanche e vingança também aparecem como sentidos atribuídos à derrota.

Além disso, um dado importante emergiu também nas associações dos meninos, quando estes relacionam às experiências de derrota o sentido de grupo, por meio das palavras: time, união, desunião, algo errado na equipe, consolidando, assim, a referência ao outro, pertencente ao seu intergrupo. Nas meninas, o outro se faz presente apenas nas expectativas de outras pessoas sobre o seu desempenho, e que, nessa situação, parecem frustrar, dadas as suas respostas de desapontar a todos e todos confiaram em você.

Nas entrevistas realizadas com os atletas-adolescentes, a derrota revelou ser uma situação muito difícil, porém sempre presente no esporte de alto rendimento, afinal, a busca incessante deles é pela vitória, pelo melhor desempenho possível, que qualifica e valoriza o processo de treinamentos e sacrifícios pelo qual passaram.

A derrota é, portanto, experimentada como algo que não deu certo e, por isso, traz sempre tristeza, como verificamos nos dizeres de um nadador: “Você fica triste né, em ver que o seu treino, seu esforço, foi em vão” (SNM 1). Nesta fala fica clara a desvalorização da derrota, entretanto, o sentido do esforço na preparação para a competição parece ser mais importante do que o resultado de fato. A tristeza é concretizada a partir da percepção de que o caminho traçado até ali não faz tanto sentido quando se tem uma derrota. Outro atleta- adolescente refere que:

Logo depois da derrota sempre vem a desilusão, a tristeza. Às vezes vontade de desistir, tal, mas logo depois passa, tal, o que é comum né? No sentido de que você tava querendo ganhar né, no sentido de que tava com vontade. Então, acho que vem sempre essa sensação de tristeza quando você não consegue alcançar seu objetivo. É normal, né? (SVM).

A derrota, apesar de existir como possibilidade numa disputa competitiva, normalmente, não é prevista por seus participantes. O objetivo do atleta-adolescente é sempre a vitória e, quando ela não acontece, vem a desilusão, a decepção, e a posterior aceitação de que o seu objetivo não foi alcançado. Vale salientar, entretanto, que a superação é o próximo passo após uma derrota. Os atletas do alto rendimento, talvez por lidarem constantemente com essas experiências, tendem a superar fatos indesejados para continuar a sua trajetória esportiva, como os atletas-adolescentes referem em suas falas:

Porque é muito ruim... você foi no intuito de ganhar, mas a pessoa perdeu... mas sempre... fica triste, mas sempre no intuito de... no próximo jogo tenho que ganhar, eu vou ganhar, e ter sempre essa força de vontade (SVF).

Você, mesmo com a derrota, tem que se superar, não ficar naquele pensamento só de derrota... tem que se superar pra poder ter uma vitória (SNF).

A gente anda com o bom e o mau sempre ao lado da gente... com a força e a dor... mas quando a derrota chegar, a gente tem que dizer: tu pode vim, tu pode tomar conta daqui, entende? Mas eu não vou deixar barato, eu vou dar a volta por cima. É justamente aí que entra a superação (SNM 2).

Neste último extrato de entrevista, quando o atleta-adolescente fala “[...] a gente anda com o bom e o mau ao lado [...]” (SNM 2), ele está se ancorando na própria condição humana, no plano da ética, da estética, que propõe diversos antagonismos, como o bom e o mau, o bem e o mal, o belo e o feio, questões epistemológicas, filosóficas, de construção de conhecimento, presentes na condição do atleta-adolescente do esporte de alto rendimento. Afinal, o rendimento apresenta, simbolicamente, a classificação de como os grupos se estruturam, nos contextos de seletividade.

Outro atleta-adolescente, em seu discurso, faz alusão à existência de uma vitória mesmo em uma situação concreta de derrota, isto é, quando não foi atingido o primeiro lugar. Ele diz:

Ah, independente de você ganhar ou perder, o importante é você dar ao máximo o que você tem. Muitas vezes um time inferior, quando vai jogar com um time superior, não ganha, não consegue ganhar, mas consegue... começa a dar uma resistência, começa a fazer com que o time superior fique com medo de perder. Então já é uma vitória, assim... você tem que se superar, você tem que dar o máximo, independente de tá... independente de você perder ou ganhar, você tem que se superar (SVM).

Nesse caso, a derrota está relacionada a uma superação individual, traduzida pela condição de um atleta dar o máximo de si em uma competição. E, embora o outro tenha grande importância nessa disputa, pois a sua existência enquanto time é que possibilita o jogo e a comparação de desempenhos, a preocupação do atleta-adolescente não é com o adversário, mas com a sua própria performance, independente de resultado.

Para tanto, ele se prepara diariamente, dedicando horas de seu dia ao esporte, além do tempo em que está comprometido sem estar necessariamente treinando, mas durante o seu descanso ou se alimentando de modo adequada à prática esportiva, por exemplo, enfim, comportando-se como o alto rendimento impõe aos seus praticantes. Assim, a derrota também é vivida com inconformismo, raiva, decepção.

É isso que entra a raiva, de a gente ter treinado tanto, tanto, tanto pra uma prova, e quando chega lá... po, foi desclassificado... arrrrr, ódio! Não só a desclassificação, entende? Tipo, você tá com o segundo melhor tempo, perto ao primeiro, no balizamento. Nossa, você luta lá a prova todinha, a prova todinha lá com ele, e quando chega no final, você cansa e não é primeiro lugar, entende? Mas assim... serve de aprendizado, entende? (SNM 2).

O aprendizado se mostra muito presente nas experiências de derrota, pois a partir delas é que o atleta consegue refletir sobre a forma que se comportou na conquista de tal resultado, visando a melhoria de seus erros ou a obtenção de novas habilidades, conforme diz um nadador:

É porque quando você perde, você aprende, ganha mais experiência. É porque... em competição você vai pegando as manhas, é como na vitória... você vai pegando as manhas, essas coisas, pra você melhorar na outra competição... manha de concentração, da saída, essas coisas (SNM 1).

Vale salientar, entretanto, que os aprendizados oriundos do contexto esportivo não ficam restritos apenas a ele, são ampliados e ganham notoriedade perante a vida dos sujeitos, e a forma com que eles irão lidar com as diversas situações de seu cotidiano.

Quando a gente... acho que... em algum esporte, a pessoa aprende muito porque mexe com o psicológico da pessoa. E a pessoa tem que melhorar muito, tem que ter muita cabeça, tem que pensar muito, não pode ficar... os amigos se distraindo, tem que pensar só no vôlei. Ali é só ali, aí em outro lugar é só no outro lugar, então você tem que pensar (SVF).

No relato dessa entrevistada fica clara ainda a necessidade do atleta-adolescente isolar todos os outros aspectos que não tenham relação com o esporte e deixá-los de lado, quando na prática da modalidade, afinal, a concentração é uma característica indispensável a um atleta do alto rendimento, como diz um deles: “Você perde por falta de concentração, você tem que tá sempre muito concentrado, com muito foco no que você tá planejando. Se você perder o foco, você não vai conseguir alcançar aquilo que você quer e vai ter a derrota” (SVM). Nesse sentido, pensamos que a prática esportiva nesses moldes é reveladora de um perfeccionismo exacerbado, tendo em vista a perfeição de uma condição psicológica do sujeito, bem como de uma capacidade física, técnica e tática.

Nessa contextualização de esporte, não há espaço para brincadeiras, deslizes ou cansaço. A exigência é uma marca sempre presente nos atletas-adolescentes que, por si só, se mostram extremamente disciplinados, comprometidos e responsáveis com suas escolhas,

atitudes e comportamentos, conforme salienta uma nadadora: “Você quer uma coisa, você tem que se concentrar nela, ver o que é melhor e não ficar com brincadeira” (SNF).

Tais aprendizados, como dito anteriormente, são sempre validados e aproveitados em suas próximas experiências, como uma espécie de nova tentativa, especialmente quando eles vêm de uma derrota, como os próprios atletas-adolescentes relatam:

Sempre vai ter o fracasso e a vitória na vida do atleta, e sempre que houver esse fracasso a gente vai dizer: pô, você agora venceu, mas na próxima eu vou dar a volta por cima e vou lhe derrotar, entende? (SNM 2).

Você tem que... perdeu? Levanta a cabeça e vai pra outra, vê o que tem de bom, o que tem de melhorar, o porquê você perdeu, vê os pontos fracos do seu adversário e vamo pro próximo jogo. Não pode baixar a cabeça nunca, continuar indo em frente, ver o que tem que melhorar e tal (SVM).

Assim, a partir da derrota, o atleta-adolescente vive momentos difíceis, de inconformismo, com sentimentos negativados, entretanto, consegue perceber que aquela derrota é apenas um resultado de uma competição. Mediante tantas oportunidades que ele certamente terá no decorrer de sua carreira, pode (e deve) superá-la, aprender o que for possível nessa experiência, e tentar novamente, com a esperança de que o próximo resultado será diferente. Nos dizeres de um nadador, “a derrota também incentiva a tentar de novo, pra ganhar” (SNM 1).