• Nenhum resultado encontrado

BREVE PANORAMA DA LITERATURA NA ÉPOCA

No documento MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA (páginas 47-53)

CAPÍTULO I – NO TEMPO DE ALUÍSIO AZEVEDO – VIDA E OBRA

1.4 BREVE PANORAMA DA LITERATURA NA ÉPOCA

A segunda metade do século XIX foi fortemente marcada pelas descobertas científicas que levariam a sociedade a novos paradigmas. De uma era de crenças teológicas e escolásticas, passamos ao conhecimento entusiasmado do positivismo23.

Desde o século XVII, as artes de modo geral seguiam os modelos clássicos. Com as mudanças promovidas por essa nova era, diversos autores começam a fazer uso de outras ciências para escrever seus romances, tais como a filosofia de Comte, Taine,

23

Descobertas científicas como as defendidas por Charles Darwin em seu livro Origem das Espécies (1859), traz o conceito da evolução das espécies como mecanismo de transformação e diversificação adaptativa, opondo-se às crenças até então defendidas pela religião e provocando escândalo na sociedade.

48

Voltaire ou Diderot, Rousseau, Darwin ou Claude Bernard, Augusto Comte24, dentre outros.

A partir dessas informações, podemos compreender melhor de que forma as mudanças na literatura foram provocadas naquela ocasião, tornando o naturalismo um movimento literário focado nas organizações sociais e em suas relações, tornando -se uma espécie de início da história da sociologia.

Entendemos que tanto suas obras literárias como as charges apresentam elementos mestiços e híbridos, tornando-as produtos de difícil classificação, pois os processos culturais presentes em suas composições resultam de fenômenos tais como aqueles a que Gruzinski (2001) faz menção:

A hibridação torna-se mestiçagem devido a um alargamento gigantesco de horizontes [...] A mestiçagem se dá em materiais derivados, numa sociedade colonial que se nutre de fragmentos importados, crenças truncadas, conceitos descontextualizados e, volta e meia, mal assimilados, improvisos e ajustes nem sempre bem- sucedidos. (GRUZINSKI, 2003, p. 193, 196)

Azevedo se apresentava como um artista que utilizava temas relacionados a teses sociais e políticas. Suas obras apresentam vários segmentos da sociedade da época compartilhando ambientes ricamente heteróclitos. Suas obras literárias são consideradas híbridas, pois algumas são pertencentes ao romantismo, espécie de “manifestação ideológica do mundo burguês e seu individualismo em formação” (PIGNATARI, 1987, p. 79), e outras, na maioria, ao naturalismo.

Diante das críticas sobre a necessidade de inovação de obras românticas consideradas ultrapassadas, outros movimentos literários e artísticos começaram a surgir, entre eles o naturalismo francês, movimento esse preocupado com a organização e com a ordem social. Esse gênero de produção tem, como espécie de manual, a Teoria do Romance Experimental, criada por Émile Zola e inspirada nos resultados das pesquisas científicas da época, mais especificamente, no livro do médico Claude Bernard (1813-1878) intitulado Introdução ao Estudo da Medicina Experimental (1865). Nesse livro, o médico defendia que o determinismo para as causas de patologias tinham explicação científica e não surgiam conforme os mistérios

24

Filósofo que mais contribuiu para tal ideologia, graças à sua visão a respeito da existência e da superioridade da inteligência humana, atribuindo à possibilidade da ação do homem o controle de seu destino.

49

de Deus, segundo sua vontade. As novas descobertas das ciências (física, biologia, dentre outras) traziam explicações racionais para o surgimento de fenômenos de modo geral.

Para Zola, a missão do escritor era observar como a sociedade e as relações eram estabelecidas entre os sujeitos, tal como o químico, o físico ou o fisiologista analisam os corpos vivos ou brutos. É a “investigação científica e o raciocínio experimental que combatem uma a uma as hipóteses dos idealistas, e que substitui os romances de pura imaginação pelos romances de observação e experimentação” (ZOLA, 1881, p. 16-17). Para Bernard, o cientista completo era aquele que envolvia, ao mesmo tempo, a teoria e a prática experimental seguindo quatro etapas do método experimental em medicina: 1) constatando um fato; 2) sobre este fato, uma ideia nasce; 3) tendo-se em vista esta ideia, ele raciocinava, instituía uma experiência, imaginando e realizando-a em condições reais; 4) desta experiência resultariam novos fenômenos que necessitariam de observação, e assim por diante. Para Zola, essa metodologia científica teria contribuído para classificar a medicina como ciência e poderia ser utilizada da mesma forma para a literatura. Assim, ele considerava ser possível simular relações entre personagens e, a partir disso, chegar a construir uma história que comprovasse como o meio poderia fazer com que fenômenos sociais ocorressem e, por fim, evitá-los há tempo. Seu pensamento utópico era o de utilizar os romances naturalistas como uma experiência em laboratório, objetivando ajudar a sociedade e resolver problemas de ordem social antes mesmo que eles pudessem acontecer.

A contribuição do método experimental acrescentava informações importantes para as novas pesquisas, considerando, desse modo, a existência de um fator determinante preexistente como conceito chave para o desenvolvimento de doenças mentais, vícios ou taras, por exemplo. A literatura até então seguia os modelos gregos ou literários do século XVII, época em que a elegância e a graça, deveriam ser abordadas nas obras a fim de fascinar a partir de uma escrita em prosa ou em versos perfeitos. Com o realismo ou o naturalismo, as obras estariam sempre fundamentadas em pesquisas empíricas, em resultados científicos e, por isso, eram utilizadas como documento comprobatório de que as histórias criadas não eram ficcionais, muito pelo contrário. As obras naturalistas deveriam ser entendidas como representação da realidade, sem elementos romanescos. Isto quer dizer que, pela primeira vez, o que defendia Saint-Beuve (escritor e crítico literário), deveria ser enfim atendido: uma obra literária para atingir o estado “positivo”, ou o estado de arte propriamente dito, deveria obedecer às mesmas leis da ciência.

No Brasil, utilizando princípios defendidos pelo positivismo, porém com diferenças importantes, surgem romances como O Mulato de Azevedo, dentre outros, exemplo dessa

50

nova fase, publicado semanalmente em folhetins. Os costumes europeus ganhavam maior divulgação, pois os meios de informação como jornais e revistas eram eficientes veículos para compartilhar ideias. Assim, identificamos Azevedo como sujeito que vê sua coletividade centrada nas minorias: representando em suas produções escravos, moradores de favela, mulheres, capoeiristas, estrangeiros da forma mais realista possível, ainda que nada apreciada pelos próprios representados, que reclamavam do exagero e da forma pejorativa como eram mostrados, como se fossem animais de zoológico. Porém, Azevedo queria mostrar a crua realidade vivida por essas pessoas, de forma a testemunhar as condições subumanas, traçando paralelos com as disputas pelo poder entre a Igreja e o Estado.

O autor escancarava a realidade, utilizando a caricatura e seus textos para provocar o público, tecendo críticas às condutas dos representantes do clero e defendendo a ética, apoiado pelo positivismo de Comte e pelo republicanismo, ideias divulgadas na Europa e que lhe pareciam o caminho certo para recuperar o país do atraso provocado, segundo ele, pela Igreja.

Lembremos que, na Europa, obras literárias como O Crime do Padre Amaro ou O Crime do Padre Mouret de Émile Zola25, ambas publicadas em 1875, acabavam de receber fortes críticas, alimentando debates sobre o papel da fé na sociedade. Nelas também estão presentes críticas ao clero, quando representado por personagens que desobedecem as regras defendidas pela própria Igreja, sendo mostrados como assassinos ou como pessoas cheias de vícios que se aproveitam dos fieis. Obras como essas, veiculadas pelos jornais, apresentavam

25

Há discussões, no meio acadêmico, sobre o caráter de originalidade dessas duas obras, atribuindo, ora a Eça, ora a Zola, possível plágio, uma vez que as duas obras apresentam enredos semelhantes. Viemos a mencionar as duas obras porque ambas apresentam críticas clericais, colocando em questão o que a Igreja propagava como doutrina e o que, na prática, seus representantes realizavam. Acreditamos que Azevedo teve contato com a obra de Zola da mesma forma que teve com a de Eça e que, dentre outros materiais, esse conteúdo lhe serviu para a construção de sua opinião a respeito dos representantes da Igreja, somado à própria experiência pela qual passou sua mãe quando decidiu sair de casa por causa do comportamento de seu esposo. Foi sua forma de contestar os maus tratos psicológicos sofridos pela mãe com seu ex-marido que mantinha “como amante uma escrava negra com quem aparecia em público até mesmo na presença da esposa” (MÉRIAN, 1988, p. 30). Abandonar o lar resultou em muitas críticas da sociedade e do padre local que deixou de visitá-la ou de aceitá-la nas missas, não restando nada além de viver à margem da sociedade, aparecendo o mínimo possível em público. Em defesa, seu amigo Dunshee de Abranches, de uma das famílias amigas com quem ela encontrou apoio, menciona que Dona Emília (mãe dos Azevedos) disse: “Não me faltaram, então injúrias, admoestações, ameaças e até tentativa contra a minha existência. Quiseram arrancar-me à força do teto hospitaleiro onde me abrigara. Mandaram-me, por vezes, doces envenenados em nome de minhas amigas, que se tornaram muito poucas após a minha desgraça. As melhores famílias de São Luís não me quiseram mais ver, apesar de nunca as ter procurado, fechada num quarto como vivia, sem aparecer a olhos estranhos. O meu gesto foi tido e havido como o maior escândalo até então rebentado na sociedade maranhense! Houve, porém, almas caridosas que corajosamente impediram que fossem praticadas contra mim maiores violências. O cônsul português interveio confidencialmente, aplacando os ânimos e aconselhando moderação e prudência aos amigos de meu ex-marido”. (MÉRIAN, 1988, p. 31)

51

diversos pontos de vista, transversalizando saberes, discursos, acontecimentos históricos, sociais, antropológicos etc. com o intuito de promover o tão almejado progresso.

No contexto histórico-social de suas produções, presenciamos mostras de uma sociedade apresentada a partir da mistura de técnicas e que, tal como um organismo, oferece- se como:

Uma entidade na qual se dão interações que podem ser conflituais ou de rivalidade, onde a ordem é mantida pela lei e pela força, e se definimos a comunidade (Gemeinschaft) como um conjunto de indivíduos ligados efetivamente por um sentimento de pertencimento a um Nós. (MORIN, 2007, p. 147)

Isto é, estão presentes na sociedade lutas pelo poder, entre instituições (Igreja e Estado) e intelectuais (representante do povo). Pensando em interações conflituais ou de rivalidade, a partir da mídia da época, chamou-nos a atenção o modo como Azevedo se expressava, tanto através de seus textos como pela charge, servindo-se de ambas como ferramenta para a crítica à sociedade, à política ou à crença em dogmas cristãos e clericais. Sobre a intelectualidade, trazemos Said (2005), mencionando que:

No fundo, o intelectual, no sentido que dou à palavra, não é nem um pacificador nem um criador de consensos, mas alguém que empenha todo o seu ser no senso crítico, na recusa em aceitar fórmulas fáceis ou clichês prontos, ou confirmações afáveis, sempre tão conciliadoras sobre o que os poderosos ou convencionais têm a dizer e sobre o que fazem. Não apenas relutando de modo passivo, mas desejando ativamente dizer isso em público. (SAID, 2005, p. 35-36)

A recepção crítica de suas obras tem no mínimo dois posicionamentos: a de um público leitor da época, específico, ainda à procura por títulos pertencentes ao romantismo francês, formado na grande maioria por leitoras que buscavam nos romances, lazer, também por uma questão mais de costume do que de oportunidade em ter contato com outros títulos, e, a dos críticos, que exigiam produções com nova apresentação, como as do movimento naturalista. Refletindo então sobre as formas como se expressava, constatamos que Azevedo procurava uma forma de se comunicar a partir das obras literárias, textos e charges, tendo pleno conhecimento de como se comportava seu público leitor e, assim, deliberadamente tencionando influenciá-lo com essa nova e cruel forma de expressar a realidade com todos os seus odores, cores, ritmos misturados na busca de superar suas expectativas e conhecimento do mundo. A respeito de sua atitude com as obras literárias, Mérian (1988) informa que: “Ele não escrevia para um público irreal, mas sim para leitores cujos limites ele conhecia e que ele tentava convencer em favor de uma nova forma de romance” (MERIAN, 1988, p. 631).

52

53

No documento MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA (páginas 47-53)