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INTERCÂMBIOS FRANCESES

No documento MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA (páginas 62-75)

CAPÍTULO I – NO TEMPO DE ALUÍSIO AZEVEDO – VIDA E OBRA

CAPÍTULO 2 IMAGEM COMO ESTRATÉGIA JORNALÍSTICA

2.2 INTERCÂMBIOS FRANCESES

Fig. 36- Gargantua litografia de 1831 de Honoré Daumier publicada em La Caricature. Fonte: Vide Índice de Figuras.

A revolução de 1830 causou, como todas as revoluções, uma febre caricatural. Realmente, foi uma bela época para os caricaturistas. Naquela guerra acirrada contra o governo, e em particular contra o rei, era-se todo coração, todo fogo. De fato, é uma obra curiosa de se contemplar, atualmente, esta vasta série de zombarias históricas, chamada La Caricature, grandes arquivos cômicos, aonde todos os artistas de algum valor trouxeram seu contingente. É uma desordem, um pandemônio, uma prodigiosa comédia satânica, ora burlesca, ora sangrenta, onde desfilam, enfiadas em vestimentas variadas e grotescas, todas as honorabilidades políticas. Dentre todos aqueles grandes homens da monarquia incipiente, quantos nomes já foram esquecidos! Esta fantástica epopeia é dominada, coroada pela piramidal e olímpica Pera34 de processual memória.35 (BAUDELAIRE, Journal Le

Présent, 01.10.1857)

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Baudelaire publica artigo com o título “Quelques caricaturistes” (Alguns Caricaturistas) escrevendo sobre o primeiro jornal cômico chamado La Caricature interditado pelas leis da imprensa francesa em 1832. A expressão “Pera” dizia respeito à caricatura feita por Honoré Daumier (1808-1879) representando o rei Louis Phillipe (Fig. 36) engolindo, como um gigante, os impostos que o povo era obrigado a pagar, fazendo menção às

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Os periódicos franceses foram muito importantes para vários países, servindo, muitas vezes, como modelos para a editoração de periódicos, quando não eram totalmente reproduzidos tal como a edição europeia. José de Alencar (1854), por exemplo, era um escritor que criticava essa tendência dizendo que “macaqueamos dos franceses tudo quanto eles têm de mal, de ridículo e de grotesco” 36, considerando os periódicos presentes no Brasil a partir da cópia dos folhetins e da diagramação francesas, repetindo a apresentação de capítulos de romances-folhetins ou críticas de teatro, receitas e moda, por exemplo. Nas palavras de Mérian: “A imprensa local desempenhava, de certo modo, um papel de ligação, ou um papel de eco, ao ponto que nada do que se passava em Paris ou Lisboa era estranho à burguesia maranhense” (MÉRIAN, 1988, p. 187).

histórias que François Rabelais escreveu com o título Gargantua e Pantagruel, livros esses proibidos pela Inquisição e promulgados pelo Papa no Index Librorum Prohibitorum. O Index era uma espécie de catálogo utilizado e reeditado de 1564 a 1960, pelo Santo Ofício. Nele, cerca de 4.000 títulos eram indicados como proibidos para leitura por apresentarem temas obscenos ou heréticos. Gargantua é pai de Pantagruel - (nome inspirado no folclore bretão significando “tudo alterado”) – apresenta-se como um gigante, boa vida, glutão, com força descomunal. Daumier foi processado e em sua defesa demonstrou, numa progressão de imagens, começando pela de seu rei até a de uma pera, as diferenças entre a imagem inicial à final e que, por essa razão, não deveria ser condenado. Cumpriu seis anos de prisão.

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Livre tradução do texto em francês : « La révolution de 1830 causa, comme toutes les révolutions, une fièvre caricaturale. Ce fut vraiment pour les caricaturistes une belle époque. Dans cette guerre acharnée contre le gouvernement, et particulièrement contre le roi, on était tout cœur, tout feu. C’est véritablement une œuvre curieuse à contempler aujourd’hui que cette vaste série de bouffonneries historiques qu’on appelait la Caricature, grandes archives comiques, où tous les artistes de quelque valeur apportèrent leur contingent. C’est un tohu- bohu, un capharnaüm, une prodigieuse comédie satanique, tantôt bouffonne, tantôt sanglante, où défilent, affublées de costumes variés et grotesques, toutes les honorabilités politiques. Parmi tous ces grands hommes de la monarchie naissante, que de noms déjà oubliés ! Cette fantastique épopée est dominée, couronnée par la pyramidale et olympienne Poire de processive mémoire.”

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Publicação em crônica no jornal Correio Mercantil em 29.10.1854. A respeito desse “nosso gosto por macaquear”, encontramos também expressão semelhante no jornal O Carapuceiro (n.18 de 17.06.1837) quando o padre jornalista Lopes Gama vinha a se expressar da mesma forma. Ele se utilizou da imprensa de seu Estado para exprimir suas ideias relacionadas à educação e à moral religiosa, entendendo a religião como forma de liberdade. Fez inúmeras críticas aos costumes sociais, acompanhando transformações políticas e econômicas de nosso país que seguiam modelos estrangeiros, pois acreditava que “a dominação das ideias e costumes estrangeiros [...] comprometiam a unidade territorial e a moral dos cristãos”. O trabalho de Santana (2012) pode ser consultado para melhor aprofundamento.

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Fig. 37 - Jornal La Caricature, 1851 fundado por Honoré Daumier. Fonte: Vide Índice de Figuras.

As revistas de Philipon e suas seguidoras logo fizeram eco por toda a Europa. Na Espanha, apareceram El Sol e Don Quijote. Na Itália, surgiram II

Fischietto, L´Arquelino e Don Perlino. Mas foi especialmente na Inglaterra,

onde publicações humorísticas já circulavam, que a resposta foi mais alta. Em 1830, apareceu, em Londres, Monthly Sheet of Caricature (Folha Mensal de caricatura), também chamada de Looking Glass (O Espelho), revista que era literalmente o espelho da La Caricature (Fig. 37) francesa. [...] Todas essas publicações se baseavam nas revistas francesas, tanto no estilo gráfico visual como no uso da impressão litográfica. (FONSECA, 1999, p.91)

Vamos demonstrar nesse capítulo quanto a imprensa estrangeira representou para a construção e apresentação dos periódicos brasileiros. Nossa pesquisa nos levou aos periódicos existentes na França no mesmo período e, embora esse pudesse ser outro trabalho a ser desenvolvido, dada a diversidade e riqueza do assunto, trazemos, a título de ilustração, um

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dos jornais encontrados, além do já apresentado La Caricature (Fig. 37), que acreditamos que tenham sido possivelmente folheados e servido como inspiração tanto para Azevedo como para outros jornalistas e caricaturistas da época, uma vez que tinham grande repercussão na Europa e na Inglaterra e serviam como modelo, traduzidos, muitas vezes, integralmente em outros países.

Fig. 38 - La Lanterne - jornal francês do século XIX.

Legenda: Tudo o que se passa, tudo o que se diz, tudo o que se faz, a caça aos abusos se encontra em A Lanterna37.

Fonte: Vide Índice de Figuras.

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Livre tradução do francês : “Tout ce que si passe, tout ce que se dit, tout ce que se fait, La chasse aux abus se trouve dans La Lanterne.”

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A capa do periódico La Lanterne (Fig. 38) é apenas um dos exemplos que revela a crítica anticlerical na Europa, nos levando a buscar certa correspondência com seus títulos homônimos, o periódico paulista A Lanterna (Fig. 39) (1909-1916) ou com o carioca (1916) ou, ainda, com outros títulos da mesma época, permitindo ter contato com interessantes textos publicados, tal como trazia uma nota editorial da primeira edição paulista:

A Lanterna

Aos amigos conhecidos e desconhecidos

Reapparece hoje A Lanterna para encetar novos e fortes combates contra o monstro clerical que, sorrateiramente, cada vez mais se infiltra na immensa extensão do território brazileiro.

Frades e freiras expulsos de outros paízes, corridos de outras terras onde os seus crimes se achavam sufficientemente provados, procuram refúgio no nosso paiz, contando com a proteção escandolza [...] O programma d´A Lanterna é sempre o mesmo: desvendar todas as patifarias clericaes e trabalhar pela emancipação da consciência humana.

(Benjamim Mota. 17.10.1909, n.1, ano IV, capa [Nova phase])

Fig. 39 – A Lanterna de 23.10.1909, n.2, p. 2 editado em São Paulo.

Legenda: É necessário matar A Lanterna, meus collegas! Só assim, vocês ficarão pantafaçudos como eu.

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Apresentaremos, a seguir, pesquisas de alguns críticos que exploraram como objeto a charge ou a caricatura, seja escrevendo sobre a sua história ou técnica, seja criticando seus artistas e respectivos processos criativos.

Começamos então por Baudelaire, conhecido poeta e crítico francês do século XIX, trazendo suas impressões sobre os trabalhos de alguns caricaturistas nos periódicos de sua época. Ao avaliar as técnicas e as particularidades de cada um, Baudelaire (1993) menciona que:

Hogarth (Fig. 40) se mostrava como um caricaturista que comporta em si algo de frio, de adstringente, de fúnebre. Isso entristece. Brutal e violento, mas sempre preocupado com o sentido moral de suas composições, moralista antes de tudo, ele as carrega, como o nosso Grandville38, de detalhes alegóricos e alusivos, cuja função, segundo ele, é de completar e de elucidar seu pensamento. (BAUDELAIRE, 1993, p. 73)

Fig. 40 – Credulity, Superstition and Fanaticism (1762) de William Hogarth (1697-1764). Fonte: Vide Índice de Figuras.

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Jean-Jacques Grandville (1803-1847) – desenhista, grande caricaturista admirado por Baudelaire e obcecado para expressar seu pensamento pela imagem caricatural.

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Baudelaire (1993) pretendeu com o artigo “constatar o caráter geral que domina as obras de cada artista” fazendo diferenciações entre ingleses, espanhóis, italianos, dentre outros. Para ele, os ingleses se expressavam de forma extremista, fazendo uso de “uma abundância inesgotável no grotesco e a violência extravagante do gesto em movimento e a explosão na expressão”, menção às imagens de Seymor ou Cruikshank (Fig. 41).

Fig. 41 – Indecency de Isaac Cruishank (1756-1811) Londres. Fonte: Vide Índice de Figuras.

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Sobre o espanhol Goya comenta que “seu grande mérito consiste em criar o monstruoso verossímil” introduzindo o fantástico em suas obras, tal como pode ser constatado em Los Caprichos, obra original onde “a luz e as trevas brincam através de todos esses grotescos horrores” (BAUDELAIRE, 1993, p. 74). Ilustramos algumas das caricaturas de Goya (Fig. 42 e 43), muitas delas expostas no Museu do Prado, pelo impacto que suas imagens provocam e que mereceriam um estudo aprofundado sobre os elementos bíblicos, míticos, fantásticos e carnavalizados presentes, em formatos diabólicos, retratando céus, purgatórios e infernos em festa, onde imperam a magia e a bruxaria contracenadas com representações religiosas. Porém, as trazemos apenas como exemplo e ilustração dos comentários de Baudelaire.

Fig. 42 – Da série: Duendes e Monges de 1799 de Francisco de Goya (1746 – 1828). Fonte: Vide Índice de Figuras.

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Fig. 43 – Álbum de desenhos preparatórios para a série Los Caprichos de Goya entre 1797 a 1799. Fonte: Vide Índice de Figuras.

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Da produção do italiano Da Vinci (Fig. 44 e 45) menciona que “não falta a essas caricaturas crueldade, mas falta-lhes cômico”.

Fig. 44 – Cinco cabeças grotescas (1485-1490) de Leonardo Da Vinci - pena sobre papel Royal Library, Windsor (Grã-Bretanha).

Fonte: Vide Índice de Figuras.

Fig. 45 - Da Vinci 39 Fonte: Vide Índice de Figuras.

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Todas as figuras de Goya apresentadas aqui foram copiadas da “Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura”, 3, Barueri: Editorial Sol 90, 2007, p. 43.

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Sobre Pinelli, revela não concordar com os elogios tecidos a ele e finaliza o artigo com considerações sobre as obras de Brueghel (Fig. 46 e 47) (Holanda) como, mais diabólico que engraçado, conseguindo “causar vertigens com sua graça especial e satânica para engendrar e descrever tantos horríveis absurdos” (BAUDELAIRE, 1993, p. 81).

Fig. 46 – Superbia ou Pride (1556-1557) de Pieter Brueghel (1525/1530 – 1569). Fonte: Vide Índice de Figuras.

Fig. 47 – Gluttony ou Gula de 1557 de Pieter Brueghel. Fonte: Vide Índice de Figuras.

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Podemos constatar que cada caricaturista tem sua forma de expressão, com mais ou menos comicidade, atraindo o público leitor e Honoré Daumier tinha para Baudelaire um lugar de destaque. Observamos isso a partir do trecho a seguir:

Quero falar agora sobre um dos homens mais importantes, não direi somente da caricatura, mas da arte moderna, sobre um homem que, todas as manhãs, diverte a população parisiense, que, dia a dia, satisfaz as necessidades de alegria pública e lhe dá seu alimento. O burguês, o homem de negócios, a criança, a mulher riem e passam frequentemente, ingratos!, sem olhar seu nome. Até agora, apenas os artistas compreenderam quanto há de sério e de matéria de estudo nesta obra. Adivinha-se que se trata de Daumier. (BAUDELAIRE, 1857, p. 397)

Dentre os vários caricaturistas brasileiros, gostaríamos de destacar as formas particulares de expressão artística publicada pelo maranhense Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo, em razão de sua importante participação em periódicos satíricos do século XIX, em um “momento de rebeldia intelectual para a definição das diretrizes estéticas e políticas adotadas posteriormente pelo escritor” (LAVIN, 2005, p. 16).

Carregadas ou não de sentido moral, abundância do grotesco, violência extravagante do gesto em movimento, explosão na expressão, presença do monstruoso verossímil ou falta do cômico, presenciamos que Azevedo apresenta em suas obras um engajamento político contaminado pelo deboche, tanto na literatura como na charge.

Na pesquisa de Mérian (1988) são mencionados os temas mais representados nas charges de Azevedo: escravidão (Caso Inocêncio40), críticas à vida política e social ou questões religiosas envolvendo alguns nomes do clero e da maçonaria em suas disputas pelo poder, dentre outras. Mérian (1988) comenta que:

Os demais desenhos são interessantes documentos sobre a vida no Brasil da época, que nos dão indicações exatas sobre o pensamento e as ideias de Aluísio Azevedo sobre vários temas [...] No plano político, Aluísio Azevedo demonstrou, desde o início, sua hostilidade ao regime imperial que explorava o povo. Um dos desenhos mostra o povo brasileiro retratado como Cristo crucificado acompanhado da seguinte frase: “O povo... O povo

também é Rei, é rei como Jesus! Para beber o fel, para morrer na cruz.”

[Fig. 48] (MÉRIAN, 1988, p.107)

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O Caso Inocêncio foi processo polêmico ocorrido no final de 1876 e início de 1877 em São Luis sobre o julgamento da esposa do Barão de Grajau, acusada de assassinato do pequeno escravo Inocêncio por maus tratos. A pressão política dos defensores escravagistas exercida sobre o juiz permitiu que a ré fosse absolvida em duas instâncias. O advogado de acusação, amigo de Azevedo, Celso Magalhães, perdeu seu emprego e não conseguiu outro, vindo a sofrer severas perseguições políticas.

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Fig. 48 – O Povo é Rei... de Aluísio Azevedo.

Legenda: E o povo... o povo também é rei, é rei como Jesus! Para provar o fel, para morrer na cruz. Fonte: Vide Índice de Figuras.

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