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Breve perspectiva do quadro de intervenção actual do Ministério Público na jurisdição laboral

RAZÃO DE SER E JUSTIFICAÇÃO DE UMA ORIGINALIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS

2. Breve perspectiva do quadro de intervenção actual do Ministério Público na jurisdição laboral

Como sugere o tema, embora na área laboral o Ministério Público desenvolva outras funções de que igualmente se ocupa em outras áreas do judiciário, o que ressalta objectivamente no seu desempenho com inegável destaque e alguma nota de originalidade e de peculiaridade face à generalidade das outras ordens jurídicas é a actividade de patrocínio dos trabalhadores por conta de outrem e sinistrados e seus familiares.

Como refere JOÃO RATO, in O Ministério Público e jurisdição do Trabalho, Questões Laborais, n.º 11, pág. 36, "este patrocínio não se confunde com o que seria exercido por

imperativamente da lei, por oposição ao mandato forense) gratuito, geral (beneficia todos os trabalhadores e seus familiares), subsidiário (só é exercido se o patrocinado não recorrer à constituição de advogado ou ao patrocínio judiciário pela via do apoio judiciário) e tem subjacente a ideia de interesse público como resulta da intervenção acessória que se mantém nestes casos" e os limites são os da objectividade e legalidade estritas a que o MP está vinculado constitucionalmente e estatutariamente, impondo-se a recusa do patrocínio quando se verifiquem pretensões infundadas ou manifestamente injustas".

Temos assim:

20.1. Atribuições processuais mais típicas do Ministério Público em geral e sua

transposição para a jurisdição laboral (art.ºs 1.º 3.º e 5.º do Estatuto do Ministério Público -

Lei 60/98, de 27.08 - e 219.º da CRP):

No plano cível, a representação, intervenção principal nos processos em que é parte o

ESTADO ou outras pessoas e entidades a quem deve protecção - art.ºs 3.º do Estatuto e 20.º do Código de Processo Civil, e 6.º do Código de Processo do Trabalho, doravante designado por CPT, ou seja o ESTADO Administração Central, os trabalhadores e seus familiares, sinistrados e outras entidades referidas no art.º 7.º do C.P.T, os menores de 16 anos por forma a suprir a incúria do seu representante conforme dispõe o art.º 2.º n.º 2 do C.P.T. Igualmente a destacar a assistência, acentuando-se o seu carácter subsidiário - intervenção acessória nos casos em que não há intervenção principal e em que são sujeitos entidades a quem o ESTADO deve protecção (art.º 5.º n.º 4 e 6.º do Estatuto) - art.º 9.º do C.P.T.

Por fim a fiscalização - puro controlo objectivo da legalidade – defesa da independência dos tribunais - zelar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e a Lei (art.º 3.º n.º 1 – alínea f) e o) e n.º 2 do Estatuto) - expressão máxima na obrigatoriedade de notificação das decisões finais, bem como das decisões interlocutórias que possam originar a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional - art.º 280.º CRP e 3.º n.º 2 do Estatuto e 70.º 72.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, na redacção dada pela Lei 13-A/98, de 26.02).

Na área contra-ordenacional, como é sabido, o Tribunal do Trabalho funciona como

instância de recurso das decisões das autoridades administrativas (Autoridade para as Condições do Trabalho - A.C.T. – e Instituto da Segurança Social- I.S.S.- art.º 2.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro) em processos de contra-ordenação no domínio laboral e da

segurança social - art.º 86.º da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13.º 1 e art.º 119.º da LOFTJ, na redacção da Lei n.º 52/2008, de 28-08 para as NUTS); e 32.º - 33.º da Lei n.º 107/2009. Sendo o processo remetido ao tribunal, o Ministério Público tem uma vasta intervenção: o recebimento dos autos e a sua apresentação ao juiz (acusação), a necessidade da sua audição para o arquivamento judicial, a iniciativa na retirada da acusação, a necessidade da sua concordância para a retirada da impugnação, a sua presença obrigatória na audiência de julgamento promovendo a prova dos factos - cfr. art.ºs 36.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, 39.º, n.º 2, 41.º, 46.º, n.º 2, 47.º, todos da referida Lei n.º 107/2009.

2.2. A legitimidade activa do Ministério Público relativamente às acções de controlo

da legalidade e da tutela de interesses colectivos. Com o aditamento ao CPT do art.º 5-A

(através do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10) estabeleceu-se essa legitimidade numa dupla valência. Por um lado, quanto às acções relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos de associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores - alínea a) - e, por outro lado, relativamente às acções de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho nos termos do artigo 479.º, alínea b, do Código do Trabalho, doravante designado por CT. Anteriormente, relativamente à matéria a que agora se refere o aludido artigo 5.º A aditado, de apreciação da legalidade da constituição e dos estatutos das referidas entidades, apesar de essa incumbência também caber naturalmente ao Ministério Público - art.ºs 439.º (comissões de trabalhadores) e 447.º n.º 4-b) (associações sindicais e associações de empregadores) do CT e art.ºs 316.º 3-b) da Lei n.º 59/2008, de 11-09 (Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas) - , esta era da competência dos tribunais cíveis (competência residual) e, por outro lado, quanto às acções de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho nos termos do artigo 479.º do CT tal legitimidade específica não existia porque se trata de uma norma inovadora no CT de 2009 sem paralelo na legislação anterior. Com o Decreto-Lei n. º 295/2009 a que se tem vindo a aludir seguiu-se um rumo de jurisdicionalização laboral no tocante à referida apreciação e, alterando-se a LOFTJ (quer a aprovada pela Lei n.º 3/99, quer a aprovada pela Lei n.º 52/2008), aditou-se uma alínea s) ao artigo correspondente à competência em matéria cível dos tribunais do trabalho onde se prevê o conhecimento das questões relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos das mencionadas entidades.

2.3. No âmbito do patrocínio judiciário temos, por um lado, todo um quadro de

actividade em que se desdobra a função do Ministério Público na fase que antecede o início da instância judicial, mormente o atendimento do público - que nos casos mais típicos se desdobra, além da relevante prestação de esclarecimentos e informações, no recebimento de pedidos de patrocínio em geral emergentes de contrato individual de trabalho, de participações de acidentes de trabalho e de doença profissional (art.º 92.º da Lei n.º 98/2009, de 4-09 e art.º 155.º, n.º 1, do CPT) - e, do outro lado, todo o desencadear e

acompanhamento das acções judiciais onde esse patrocínio se inicia e materializa, quer

através da instauração da acção respectiva, quer por via da dedução de contestação - hoje em dia com a vincado destaque face à nova acção com processo especial de apreciação judicial da regularidade e licitude de despedimento (art.º 21.º e 98.ºB e segs do CPT) - , bem como por força da intervenção nos articulados e actos judiciais subsequentes e em sede de recurso.

2.4. A Intervenção do Ministério Público no processo especial de acidentes de

trabalho enquanto órgão de justiça.

Reforçando o que já escrevemos noutra sede (Estudos do Instituto de Direito do

Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, Volume V, pág. 60), tendo em conta as funções

constitucionalmente atribuídas ao Ministério Público e definidas no seu Estatuto- art.º 219.º n.º 1 CRP e 3.º da Lei 60/98, de 27.08 - de defesa da legalidade e da justiça - o legislador investiu-o do relevante papel de dirigir esta fase conciliatória - art.º 99.º n.º 1 do CPT -,não estando aqui a exercer qualquer patrocínio (que apenas se materializa, na falta de acordo, no início da fase contenciosa - art.º 119.º CPT). Nessa fase conciliatória pugna pela direcção da instrução do processo, que culmina com a realização da tentativa de conciliação obrigatória, a que preside, encontrando-se num plano de não envolvimento com qualquer das partes interessadas e visando apenas, de acordo com os elementos constantes dos autos, proceder por forma a que seja conseguida uma composição amigável dos interesses que ali se manifestem. Existe, assim, neste caso uma atribuição de competência muito especificada na fase conciliatória, onde, na expressão feliz de VÍTOR RIBEIRO (in RMP, n.º 39, pág. 131) o Ministério Público desempenha uma função de "órgão de justiça em sentido estrito, dirigindo o

processo ao serviço da legalidade e justiça, equidistante de qualquer dos interessados, carreando para o processo tudo quanto possa interessar ao apuramento da verdade e não apenas o que seja favorável ao sinistrado". Trata-se de uma função específica em que o

Ministério Público, não representando quem quer que seja, nem agindo como "parte" ou, sequer, na sua função fiscalizadora, intervém na veste de verdadeiro órgão de justiça.

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