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CAPÍTULO 3 APA DE BATURITÉ E SEUS REFLEXOS NAS POLÍTICAS URBANÍSTICAS DE GUARAMIRANGA

3.5 Das Leis Estaduais n o 13.668/05 e n o 13.874/07, que regulamentam a APA da Serra de Baturité

3.5.2 Breves comentários à Lei Estadual n o 13.668/

Ao iniciar esta seção mencionaremos uma coincidência muito interessante. Em janeiro de 2005, a Câmara Municipal de Guaramiranga aprovou as leis criadas pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), incluindo entre elas a de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), que foi a responsável por regulamentar os índices de uso e ocupação do solo no município. Em abril de 2005, foi realizada uma reunião no Country Clube de Fortaleza, em caráter de audiência pública, arregimentada por um grupo de pessoas, que se diziam preocupadas com o futuro de Guaramiranga. O objetivo maior do encontro foi a discussão da nova lei, como se dariam os procedimentos e a forma de implantação de condomínios no município.

O público eclético da reunião dividia-se entre os que defendiam a preservação total da serra (proprietários de sítios e casas de veraneio já instaladas) e aqueles taxados pelos outros como degradadores (empreendedores de condomínios, prefeitura municipal e consultores). Em seguida a esta reunião, deu-se início a uma das maiores disputas de poderes já vistas neste Estado. Contudo, como veremos, isso foi muito positivo. Por enquanto, porém, é necessário compreendermos os desejos que motivaram a instituição da primeira lei que altera o decreto de criação da APA da Serra de Baturité, criada após a citada reunião.

Abrindo a referida lei, os dois primeiros artigos estão devidamente colocados, apresentam regras genéricas e bem aplicáveis no âmbito da gestão total da APA. Nesta lei, são propostas novas diretrizes para a região, e incrementa-se ainda mais o instrumento regulador da área.

Ao prosseguirmos a leitura da lei, o Art. 3o introduz os conflitos normativos sobre matérias de competências constitucionais. Este artigo começa a determinar índices de ocupação do solo e taxa de ocupação, ambos de competência exclusiva do município, pois esta matéria é de interesse local e a lei municipal firma as especificidades de cada área ordenada,

75 enquanto cabe aos municípios, logicamente respeitando os ditames constitucionais da matéria, legislar sobre o tema.

Costa (2006) assim se pronuncia sobre o assunto:

Coube ao município, então, promover o adequado ordenamento territorial, através do planejamento e controle do uso, do parcelamento, do funcionamento e da ocupação do solo urbano. Ainda que a competência constitucional sobre Direito Urbanístico seja da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nestes as normas urbanísticas são mais explícitas, porque neles se manifestam a atividade urbana na sua maneira mais dinâmica e objetiva (COSTA, 2006, p. 273).

Temer (1995, p. 101) também se pronuncia e afirma:

É de competência da União legislar sobre tráfego e trânsito nas vias terrestres (Art. 22, XI). Entretanto, não se põe em dúvida a competência do Município para dispor sobre tais matérias nas vias municipais. Estacionamento, locais de parada, sinalização, mão e contra mão de direção corporificam matérias de peculiar interesse municipal, afastam a legislação estadual e federal.

De acordo com o assegurado, as competências gerais, editadas por União e Estados, devem ser positivadas e executadas pelos municípios, respeitando-se as normas que regulam o tema. Em momento algum, o Estado poderá criar instrumento normativo que retire a legitimidade de exercício legislativo do município se este exerce suas competências em conformidade com os ditames das normas constitucionais, tal como postulado no capítulo um deste trabalho.

Conforme consta na primeira parte do caput do Art. 3o da lei: “Para garantir a capacidade de escoamento das águas pluviais, a contenção dos processos erosivos, o impedimento do assoreamento de recursos hídricos e a garantia da absorção de água para a recarga dos lençóis subterrâneos”. Este início de texto está bem fundamentado, demonstrando o entendimento do legislador em proteger um dos mais valiosos recursos naturais da região: a água. Recoberto em seu topo por uma densa floresta úmida, o Maciço de Baturité gera uma densidade pluviométrica elevada. Considerando-se o clima do semi-árido que a cerca, tem peculiaridades ambientais que devem realmente ser tuteladas pelo gestor de sua APA. Estas águas, inclusive, devem ser protegidas das fontes poluidoras e do uso indiscriminado, pois abastecem a Região Metropolitana de Fortaleza.

76 Até o presente momento não constatamos inconstitucionalidades ou atecnias no texto legal. Muito pelo contrário, encontramos uma correta preocupação e precaução do legislador em impedir legalmente o desperdício dos recursos hídricos.

Passemos à segunda parte do caput do artigo:

Para fins de constituição de condomínios de qualquer natureza e/ou edificações para serviços de hospedagem, hotelaria e lazer, a taxa de ocupação das áreas sob intervenção deverá atender aos seguintes requisitos, salvo exigências urbanísticas municipais mais restritivas.

Neste momento, o legislador entrou em campo de intersecção de competências. Até então, ele apenas aludiu que restringiria a taxa de ocupação e as formas de uso e ocupação do solo nos municípios componentes da APA. Contudo, nesta parte do texto, ainda não se caracterizou uma inconstitucionalidade, pois ele poderia apregoar apenas as restrições já existentes na legislação federal, como o Estatuto da Cidade, Lei no 10.257/01, já comentada, que trata do assunto.

3.5.2.1 Inciso I

Como consta no inciso I: “Nas áreas urbanas a taxa de ocupação do lote e/ou fração ideal, conforme se trate de constituição de condomínio ou edificações para serviços de hospedagem, hotelaria e lazer, não poderá exceder ao disposto nas legislações municipais”. Segundo podemos perceber, este texto apenas referendou a competência legal para fins de uso e ocupação do solo em áreas urbanas, o que já foi caracterizado como sendo uma competência do município. A obviedade apregoada pelo legislador deixa somente nas entrelinhas deste ordenamento que havia um interesse por parte deste em regular o uso do local.

Referido inciso fortalece o preceito da competência dos municípios em realizar a regulação do uso e ordenamento do seu solo. Aqui, porém, enfatizamos uma justificativa: esta competência é imbuída às gestões locais.

Sabiamente o Art. 182 da CF afirma: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por

77 objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Portanto a Lei no 13.668/05 apenas preservou o instituto criado pela Constituição e regulamentado pelo Estatuto da Cidade. Na ótica dos princípios da legalidade e legitimidade não existem irregularidades sobre o texto desta lei.

3.5.2.2 Dos Incisos II e III da Lei Estadual no 13.668/05

Nestes dois incisos da lei está estabelecido:

II - nas áreas rurais a taxa de ocupação do lote e/ou fração ideal, conforme se trate de constituição de condomínio ou edificações para serviços de hospedagem, hotelaria e lazer, não poderá exceder a 5% (cinco por cento) da área total do lote, sendo destinada 85% (oitenta e cinco por cento) da área total da propriedade para a preservação da cobertura vegetal ou reflorestamento, 5% (cinco por cento) destinada à implementação de acessos e paisagismo e 5% (cinco por cento) destinada ao banco de terra municipal;

III - o lote mínimo na zona rural é de 40.000 m2 (quarenta mil metros quadrados). Regulamentar o uso do solo nas áreas rurais dos municípios componentes da APA foi o objetivo do legislador ao positivar, na presente lei, os índices de uso e ocupação do solo e determinar o lote mínimo das zonas rurais para fins de desmembramentos.

Iniciam-se, neste instrumento, as restrições legais da norma em avaliação, pois os dados e índices passam a ser tratados de forma diferente pela lei estadual e também pela Lei Municipal no 111/05 em seu Art. 155. O legislador municipal foi mais restritivo e detalhista ao criar o instrumento, determinando os percentuais públicos e privados de terras a serem destinados por cada empreendimento, enquanto no texto da lei estadual ficam gravados somente os índices que serão utilizados, ou seja, não há detalhamentos sobre esta.

Ao lermos minuciosamente os dois textos legais e ao compará-los, fica bem claro que os idealizadores da lei estadual queriam limitar o máximo possível a utilização do solo na APA da Serra de Baturité. Contudo eles entendiam que o Município de Guaramiranga já havia regulamentado a matéria e não caberia a esta lei definir os percentuais de uso e ocupação do solo menores ou distintos.

78 Surge, então, o primeiro grande questionamento à constitucionalidade da Lei Estadual no 13.668/05, que irá definir o uso e ocupação do solo nas zonas rurais dos outros municípios componentes da APA. Se o Município de Guaramiranga definiu seus índices de ocupação nesta área e teve competência para isso, porquanto o legislador não alterou os índices adotados pelo município, por que os outros não o poderiam fazer?

A lei estadual definiu índices de ocupação para o solo na zona rural de todos os municípios da APA. Portanto retirou-lhes esta competência, mas esta mesma competência foi exercida pelo Município de Guaramiranga. Não há como os municípios legislarem diferentemente do que foi positivado na lei do Estado, o que veda uma competência legal dos municípios em regulamentar o uso dos seus espaços rurais.

Diante dos argumentos expostos, na nossa ótica os incisos apresentados não são legítimos, pois já há um ordenamento municipal que trata da matéria e é ainda mais específico. Ocorre assim o conflito de competências. Ante o impasse, fica o município com a premissa de regulamentar a matéria.

Como evidenciamos, até o Art. 12 da lei, o legislador apenas especificou como se dará o procedimento de licenciamento ambiental. Nenhuma das positivações realizadas deflagrarão conflitos legais. Muito pelo contrário, houve a geração de um padrão a se seguir quando se pretender implementar um empreendimento nas zonas rurais da APA, o que é muito positivo na perspectiva de gerenciamento do meio ambiente local.

Quanto aos demais artigos, falam da reutilização da água, da não possibilidade de afixação de placas e do uso de carros de som nas vias da APA, tudo na mais plena consonância de competência para um órgão gestor que viabiliza a gestão do meio ambiente local, sem limitar competências específicas dos municípios lá existentes.