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BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

CAPÍTULO 3 – SUSPENSÃO DE TUTELAS DE URGÊNCIA E DE SENTENÇAS

3.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

República Federativa do Brasil, década de 30. Decênio importante da história de nosso país. Reviravoltas políticas. Getulismo162. Revolução constitucionalista163. Promulgação da famosa Constituição de 1934164. Golpes de Estado. Instauração do Estado Novo. Outorga da Constituição de 1937. Ditadura e repressão165.

Muitos acontecimentos, como sói acontecer na breve história político- social do Brasil, preencheram aqueles dez anos.

A nós interessa um específico evento, de índole legislativa: a edição da Lei nº 191, de 16 de janeiro de 1936. A norma regulou o art. 113, § 33, da Constituição de 1934 e desenhou, pela primeira vez no Brasil, o regime jurídico do

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“A Revolução de 1930, em que assumiu a presidência da República o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas (1883-1954), inaugurou um longo e turbulento período histórico de reformas, levante, repressões, contra-reformas e tentativas de superação da condição de país „atrasado‟, „subdesenvolvido‟, „periférico‟, e „dependente‟, termos que se tornaram correntes em momentos sucessivos. Período que se encerrou com o golpe de Estado de 1964, de caráter civil-militar, instalando um regime ditatorial que se prolongou pelos vinte anos seguintes”. LOPES, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Ed. Senac, 2008. p. 639. 163 “Em 1932, as oligarquias paulistas rebelaram-se contra a nomeação do pernambucano como interventor para o governo do Estado, deflagrando a Revolução Constitucionalista, assim chamada porque as lideranças paulistas exigiam respeito aos princípios federalistas estabelecidos na Constituição republicana de 1891. Mobilizou-se então grande parte da população do estado contra o governo de Vargas e seus interventores”. LOPES, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação, p. 666.

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“Em 10 de novembro de 1933, foi aberta a Assembléia Constituinte para discutir um anteprojeto de Constituição, elaborado por comissão indicada pelo governo federal. Promulgada no dia 16 de julho de 1934, a Constituição durou pouco, pois, em face das convulsões sociais, foi decretado Estado de Sítio em 1935. Os legisladores da Constituição da República de 1934 inspiraram-se na social- democracia da República de Weimar”. LOPES, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação, p. 670.

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“No 10 de novembro de 1937, o governo publicou no diário oficial, a nova Constituição (a „polaca‟). No mesmo dia, tropas leais ao golpe fecharam o Senado e a Câmara dos Deputados. À noite, Getúlio Vargas explicava ao país, pela rádio, porque havia desfechado o golpe militar. Era o início do Estado Novo, com extinção do sistema representativo, anulação das liberdades públicas, o Estado tutelando a sociedade. Nacionalista e antiliberal, com preocupação reformista voltada para os assalariados urbanos” LOPES, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação, p. 685.

mandado de segurança. Mais precisamente, a nós importa o art. 13 daquela lei166, criador de instituto originalmente apelidado de suspensão de segurança,167,168.

A trajetória do instituto da suspensão de segurança, iniciada naquele diploma de 1936 e passando por muitos outros até desembocar no atual art. 15 da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009169, em tudo nos faz lembrar um maravilhoso e conhecido conto de Voltaire170, chamado “Cândido, ou o otimismo”.

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“Art. 13. Nos casos do art. 8º, § 9º, e art. 10, poderão Presidente da Còrte Suprema quando se tratar de decisão da Justiça Federal, ou da Còrte de Appellação, quando se tratar de decisão da justiça local, a requerimento do representante da pessoa jurídica de direito público interno interessada, para evitar lesão grave á ordem, á saúde ou á segurança pública, manter a execução do acto impugnado até o julgamento do feito, em primeira ou em segunda instâncias”. HELBER, Allan.Disponível em:

<http://www.allanhelber.com/ImagensDin/editor/files/Legislacao/LEGISLA%C3%87%C3%83O%20AN TIGA/lei_191-36.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011.

167 A expressão deriva do fato de que o mecanismo surgiu ligado ao mandado de segurança. Depois, expandiu-se para os demais procedimentos. Na doutrina, encontramos também os seguintes termos: “suspensão da segurança e da liminar”, FERRAZ, Sérgio. Mandado de segurança. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 359; “suspensão de liminar, de segurança e de tutela antecipada”, CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 377; “suspensão de liminar e sentença”, REDONDO, Bruno Garcia; OLIVEIRA, Guilherme Peres de; CRAMES, Ronaldo. Mandado de Segurança: comentários à Lei 12.016/2009. São Paulo: Método, 2009. p. 126; “pedido de suspensão”, BUENO, Cássio Scarpinella, A nova lei do mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 93. De nossa parte, preferimos a seguinte terminologia: Suspensão de tutelas de urgência ou de sentenças não transitadas em julgado proferidas contra o poder público, mas, cientes de que é muito extensa, adotaremos o termo já apropriado por todos e que tem autoridade histórica: suspensão de segurança.

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“Nos casos do art. 8º, § 9º, e seu art. 10, poderá o presidente da Corte Suprema, quando se tratar de decisão da Justiça Federal, ou da Corte de apelação, quando se tratar de decisão da justiça local, a requerimento do representante da pessoa jurídica de direito público interno interessada, para evitar grave lesão à ordem, à saúde ou à segurança pública, manter a execução do ato impugnado até o julgamento do feito, em primeira ou em segunda instância.” HELBER, Allan. Disponível em:

<http://www.allanhelber.com/ImagensDin/editor/files/Legislacao/LEGISLA%C3%87%C3%83O%20AN TIGA/lei_191-36.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011.

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“Quando, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.

§ 1º Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.

§ 2º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o §1º deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo.

§ 3º A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.

§ 4º O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar, se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência da concessão da medida.

§ 5º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original”.

170 “Voltaire foi principal propagandista dos ideais libertários do iluminismo. Escreveu com humor e inteligência contra a religião, a metafísica, superstição, os fanatismos e os preconceitos. Embora

O “Cândido” em questão era um jovem que vivia na Vestfália, no Castelo de um Barão, e que fora apelidado dessa forma em razão de suas qualidades de espírito. Crédulo ao extremo, Cândido, diziam, era filho de uma irmã do Barão. No castelo, Cândido estava cercado de criados, o Barão era extremamente poderoso, a Baronesa honrada e respeitável. Havia ainda a bela Cunegundes, por quem Cândido apaixonou-se, e o filósofo Pangloss, preceptor da família e personagem-chave da trama. O principal ensinamento de Pangloss, que resultava de ideias fortemente causalistas, regadas por um otimismo exacerbado, pode ser assim resumido: “não há efeito sem causa. O mundo no qual vivemos é o melhor mundo possível, e tudo o que existe e nos cerca tem por finalidade gerar a situação melhor possível”171.

Cândido era fascinado pelos ensinamentos de Pangloss e, naturalmente, considerava o Barão e sua esposa o melhor casal do mundo e a Senhora Cunegundes a mulher mais bela do mundo.

Um belo dia, Cunegundes e Cândido não resistiram aos encantos mútuos e entregaram-se. Infelizmente o Barão presenciou a cena e acabou expulsando Cândido de seu castelo aos pontapés. Já a baronesa esbofeteou Cunegundes172.

Fiel aos ensinamentos de Pangloss, Cândido cai no mundo e sofre todos os tipos de vicissitudes173

Veremos que a suspensão de segurança nasce com a missão de tutelar o interesse público primário, como meio para concessão de efeito suspensivo a recurso contra decisão que, concedendo a segurança, colocasse em risco bens públicos de importância relevante. Surge em ambiente democratizado, apta a garantir a incolumidade da saúde, da segurança, da economia e da ordem públicas. criticasse violentamente a Igreja, não era ateu como grande parte dos filósofos iluministas. Dizia que a opinião de que há um Deus enfrenta dificuldades, mas a opinião contrária profere absurdos”. CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 281.

171“Pangloss ensinava metafísica, teologia e cosmologia. Provava de forma estupenda que não existe efeito sem causa que, neste, que é o melhor dos mundos possível, o castelo do barão era o mais bonito possível e a senhora, a melhor das baronesas”.

“Está provado – dizia ele – que as coisas não podem ser de outro modo: pois, como tudo foi criado para uma finalidade, tudo está necessariamente destinado à melhor finalidade”. VOLTAIRE. Contos, Candide ou L‟Optimisme, (Cândido ou o otimismo). Tradução de Roberto Domênico Proença. São Paulo: Nova Cultural, 2002. p. 142

172 VOLTAIRE. Contos,

Candide ou L‟Optimisme, p. 143.

173“-Todos os acontecimentos – dizia às vezes Pangloss a Cândido – estão devidamente ordenados no melhor dos mundos possíveis; já que, afinal, se não tivesses sido expulso de um lindo Castelo, a pontapés no traseiro, por amor da Srta. Cunegundes, se a Inquisição não te houvesse apanhado, se não tivesses percorrido a América a pé, se não tivesses enfiado a espada no barão, se não tivesses perdido todos os seus carneiros na boa terra de Eldorado, não estarias aqui agora comendo doce de cidra e pistache”. VOLTAIRE. Contos, Candide ou L‟Optimisme, p. 234.

Tomando de empréstimo os termos do filósofo Pangloss, do conto de Voltaire, essa era a melhor finalidade¸ para a qual foi criado o instituto174.

Pobre da Cândida sociedade que acreditou naquela falácia. O tal instituto sofreu diversas e profundas alterações legislativas, além de equivocadas e perniciosas interpretações jurisprudenciais, que acabaram por transformá-lo na mais contundente causa de disparidade de armas entre o poder público e o particular no âmbito do processo, retirando boa parte da eficácia não só do mandado de segurança, mas também de tutelas de urgência e sentenças, não transitadas em julgado, proferidas em qualquer procedimento, contra o poder público175.

Adotaremos aqui a mesma sistemática dos outros capítulos. Não abordaremos a suspensão de segurança em todos os seus aspectos e controvérsias. Limitar-nos-emos a focar a possibilidade de, concedida suspensão de segurança em determinado processo, estender-se a medida a todas as decisões no mesmo sentido proferidas em outros feitos, mediante um simples aditamento do pedido176,177.

Nesse ponto, desceremos a minúcias, enquadrando dificuldades e virtudes do mecanismo, com o fito de checar se é possível qualificá-lo como mais um caso de objetivação do processo.

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Repetimos: “Está provado – dizia ele – que as coisas não podem ser de outro modo: pois, como tudo foi criado para uma finalidade, tudo está necessariamente destinado à melhor finalidade”, VOLTAIRE. Contos, Candide ou L‟Optimisme, p. 142.

175“Não pretendo esconder minha opinião sobre a suspensão de segurança. Tampouco deixaria para o final o que penso sobre este remédio. Sem rodeios, hoje o considero um remédio execrável. [...] todas as suas supostas evoluções foram, na verdade, meios ou artifícios para tornar a Fazenda Pública um litigante imbatível, inventando ou reinventando situações de cabimento da suspensão de segurança em prol deste litigante, e passando por cima de todas as regras comezinhas do que se chama de devido processo legal.” RODRIGUES, Marcelo Abelha. Apresentação e crítica de alguns aspectos que tornam a suspensão de segurança um remédio judicial execrável. Interesse Público. Porto Alegre, Fórum, n. 45, 2007. p. 40.

176 Para o mandado de segurança, a norma consta no § 5º do art. 15 da Lei 12.10/09. Para providências cautelares em geral, a norma correspondente encontra no § 8º do art. 4º da Lei 8.437/1992. Por fim, para as antecipações de tutela, as mesmas normas aplicam-se graças ao disposto no art. 1º da Lei nº 9.494/1997.

177 Lei nº 12.016/2009. “Art. 15 [...] § 5º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original”.

Lei 8.437/92. “Art. 4º [...] § 4o Se do julgamento do agravo de que trata o § 3º resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.”